segunda-feira, 2 de junho de 2014

De que lugar falamos?

A Editora Companhia das Letras divulgou esta semana que está para ser lançado no Brasil o livro do escritor americano George Saunders, com o qual ele acaba de arrematar a primeira edição do prêmio Folio, que pretende abarcar toda a ficção de língua inglesa, independente do gênero literário ou do país de origem do autor. O Folio, que provavelmente ambiciona se equiparar (ou quiçá suplantar) o prestígio do Man Booker Prize, ao premiar um livro de contos de um americano, já marcou sua diferença. “Dez de dezembro” reúne dez contos que, segundo divulgação da editora brasileira, abordam os dramas e as delícias da classe média urbana, a relação entre pais e filhos, as pequenas imposturas que cometemos quando queremos agradar um desconhecido, ou seja, questões do nosso tempo, que nos obrigam a refletir sobre nós mesmos, nossas vidas, nossos sonhos, nossas picuinhas. Professor de Escrita Criativa na Universidade de Syracuse no Estado de Nova York, ao ser convidado a fazer o discurso para os formandos de 2013, Saunders não apenas confirmou seu maior tema- o ser humano e suas tentativas de viver uma vida digna mesmo sob pressão ordinária e extraordinária- como se utilizou de uma historia pessoal para tornar sua narrativa mais próxima de alguma verdade. Lembrou aos jovens que o escutavam, que havia se tornado comum que alguém com idade mais avançada (no caso, ele), que já tivesse percorrido um bom pedaço de sua vida, preparasse algum discurso sobre o “melhor” período da vida, o que consensualmente deveria ser aquele em que eles estavam prestes a viver. Por sua vez, ele havia escolhido recordar, – ou quem sabe tivesse sido impelido a isso- certas vivências passadas que lhe traziam desconforto. Não, não eram as que ele havia sentido medo ou as que lhe lembravam de algumas faltas e frustrações por desejos não realizados ou vergonha. Era principalmente aquelas em que ele havia deixado passar “despercebido” de si mesmo, um sentimento de compaixão por alguém que ele assistira em apuros emocionais. Por um pequeno espaço de tempo, quando ele era pequeno e estava na escola, uma menina nova se mudou para o bairro e começou a frequentar a mesma sala de aula. Ela era bastante tímida, mirrada e usava uns óculos de mulheres mais velhas, o que lhe dava uma aparência bizarra. Aflita, mastigava o tempo todo um pedaço de seu próprio cabelo, o que lhe rendia toda sorte de gozações de seus colegas. A menina e sua família acabaram se mudando deixando Saunders com uma sensação de “vazio”. Ela havia ido embora sem saber que ele não compactuava com aqueles meninos que a humilhavam. Ele não tinha tido coragem de ser gentil com ela, ao oferecer-lhe sua amizade como contraponto ao clima de violência que ela era obrigada a viver diariamente na escola. George Saunders tem 58 anos. Escolheu falar sobre a importância da gentileza para uma turma de formandos provavelmente porque como escritor contemporâneo, sente-se mais comprometido, e ao mesmo tempo mais livre para divulgar sua visão de mundo, sua paisagem íntima do social. Para alguns pode parecer piegas, para outros, coragem. 

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