sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Gabrielle (Coco Chanel)

Gabrielle, 12 anos, já tinha perdido sua mãe quando seu pai deixou-a aos cuidados de um orfanato em uma pequena cidade da França, junto com Adrienne, sua irmã mais velha. Na próxima cena é domingo, e Gabrielle já está vestida a espera do horário em que algumas crianças serão visitadas por seus parentes. Ao contrário da irmã que parece já estar conformada, Gabrielle se postará em vão todos os domingos, à espera de uma visita do pai. Estas são as primeiras cenas do filme que entrou em cartaz recentemente para contar a história da estilista Coco Chanel, nascida no início do século passado e reverenciada por ter mudado os rumos da moda, em uma época em que somente aos homens cabia ditar as regras e as direções das coisas. Foi assim que os espartilhos, os brilhos, plumas, peles e chapéus enormes, frutos de um conceito que privilegiava a ostentação e não o conforto, foram dando lugar a um estilo “clean” , em que o jérsei de malha, os tecidos xadrez, o preto e o branco básicos, inauguravam uma nova estética, mais condizente com o século em que as mulheres iriam construir seu lugar no mundo. Enfim uma mulher que saberia o que as outras adorariam vestir! Esta também é a história da menina pobre e órfã, que graças ao seu talento e criatividade, uma boa pitada de esperteza e muito empenho, se transforma na cultuada Mademoiselle Chanel, em um mundo cujas portas até então só estavam abertas para os nascidos ricos. Alguns historiadores dizem que o século XX foi pequeno para conter todos os acontecimentos e mudanças que nele ocorreram. Das guerras à conquista de liberdades jamais imaginadas, é difícil pensar que em pouco mais de cem anos, o Ocidente se transformou em um palco pós - moderno, que exige de todos os que nele vivem uma abertura para o novo e o incerto. Mas como acontece em tentativas de documentar a vida de algumas personalidades conhecidas por todos, alguns jornais e revistas reclamaram o fato do filme não abordar o que consideram uma falta grave de nossa personagem famosa. Ela teria sido amante de um espião nazista, que morava no mesmo hotel da estilista, o famoso Ritz de Paris, e quiçá incitada a ser colaboradora em alguma negociação. A França, talvez por sua tradição social humanista, berço da revolução que consolidava os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, radiografou o colaboracionismo da maioria dos franceses na época em que houve a ocupação nazista. As mulheres que dormiram com alemães tiveram seus cabelos raspados no final da guerra, e foram obrigadas a desfilar ao som da multidão que as condenava. Mas em tempos de censura, perseguição e principalmente de falta de dinheiro, alimentos e trabalho, as razões para a colaboração são inúmeras e dentre estas, uma grande parte para tirar proveito da situação de exceção. Que estas informações sobre Coco Chanel possam mostrar sua falta de engajamento ideológico com o significado daquela guerra insana, também nos faz pensar na maneira obstinada com que ela tentou sobreviver, utilizando-se sempre de todos os recursos à sua mão, inclusive das influências de muitos de seus amantes. Há poucos meses o filme sobre a vida de Simonal, trouxe à tona este questionamento. Resgatando sua ascensão surpreendente, seu charme e gingado irresistível, o documentário faz reviver uma época em que as rádios e TV tocavam seus hits que levavam multidões a dançar e cantar. Também ele havia feito o percurso do negro pobre e favelado que conquista o sucesso que lhe concede o direito de namorar loiras e passear de carrões no Leblon. Mas sem nenhum senso político, vê sua vida artística desmoronar ao não se importar em compartilhar da lógica truculenta que fazia parte dos porões da ditadura militar. Quem sabe, como a menina Gabrielle, ele lutava com unhas e dentes para se manter naquele patamar que por sua infância pobre jamais sonhara.

coluna do dia 11 de novembro de 2009

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