sábado, 28 de novembro de 2009

Sobre verdades

O programa Pânico na TV costuma caçar personagens bizarros e promove-los à fama, em geral à custa de uma exposição de cenas ao mesmo tempo hilárias e constrangedoras. É o caso de Zina, o torcedor corintiano que se deslumbrou com a entrada de Ronaldo no time, passando a repetir seu nome e uma única frase sobre seu desempenho. Há poucos dias, Zina foi detido por porte de cocaína. Geisy, a estudante achacada por seus colegas e expulsa pela faculdade por trajar um vestido rosa choque considerado inadequado para a ocasião, desfruta da fama que provavelmente sonhara mas jamais supunha alcançar tão rapidamente. Aqui e ali a mídia solta alguma nota sobre os próximos capítulos de sua vida, geralmente confirmando um bom aproveitamento de sua imagem. Zina repete sem parar as mesmas palavras e seus limites são utilizados para aumentar a audiência de cenas do cotidiano que podem virar piadas. Já Geisy aproveita a maré a favor para promover sua imagem e ganhar prestígio. Não se pode dizer que estas duas situações sejam condenáveis (ainda que possam ser desconfortáveis para alguns). Afinal, já há algum tempo habitamos um mundo em que a mídia alimenta e precisa ser alimentada pelo nosso cotidiano. Mas estas cenas apontam para a confusão em que se encontram nossos valores, nossas ações e os limites que caberia a cada um de nós gerenciarmos no uso da liberdade que hoje dispomos. Uma liberdade que vale lembrar, foi conquistada às duras penas por gerações que nos antecederam e por gerações ainda na ativa, mas que paradoxalmente nos deixa muitas vezes sem referências para fazermos um bom uso dela. Geisy e a Turma do Pânico na TV anseiam por alcançar o maior número possível de espectadores interessados em suas proezas, de olho em um pouco de fama, prestígio, sucesso e dinheiro. Em meados dos anos 90, os artigos de Stephen Glass o alçaram a um dos mais jovens e requisitados jornalistas de Washington. Existe inclusive um filme feito em 2003 (e anunciado pelo atual Ciclo de Cinema e Jornalismo da Folha de SP) que conta a história verídica deste jornalista que em um curto tempo de profissão e com pouco mais de 20 anos, já fazia parte do quadro de repórteres da conceituada “The New Republic” graças as suas pautas espirituosas, curiosas e instigantes. Seu tremendo sucesso, no entanto escondia um faro especial para produzir notícias forjadas, muitas delas totalmente criadas por sua imaginação. Ao ser desmascarado por um colega de uma mídia rival que resolveu investigar mais apuradamente uma de suas reportagens, provocou barulho e discussão a respeito do poder da mídia sobre o público e da importância da ética na divulgação de qualquer informação. A verdade é que a mídia habita esta fronteira precária entre o vício e a virtude, já que por um lado depende do interesse do público e acena o tempo todo com a possibilidade de alguns minutos de fama para qualquer cidadão, e por outro desfruta de liberdade para veicular qualquer assunto. Nosso jornalista demitido resolveu cursar Direito e após terminar a faculdade escreveu sua ficção: a história de um jornalista que inventava reportagens atrás de sucesso rápido e fácil. Não parece difícil analisarmos as razões psicológicas que motivam estas exposições midiáticas. Muito mais complexo é construirmos razões morais para que cada um possa se comprometer com o respeito à verdade dos fatos e aos limites imperiosos que regem a convivência entre nós. Vale lembrar que a mesma mídia de que falamos nunca foi tão livre para confrontar suas próprias imposturas.

coluna dia 25 de novembro

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