terça-feira, 3 de novembro de 2009

Onde mora a amizade?

É comum ouvirmos discursos sobre o destino nefasto das relações entre as pessoas no mundo de hoje. No entanto, parece ser um anseio de todos, serem amados e reconhecidos. Na verdade o amor e a amizade são temas caros, daqueles que guardamos em lugares especiais, quase sagrados, geralmente acompanhados de alguns pedaços de poesias, trechos de livros, frases feitas ou escritas que possam lembrar ou reforçar nossos ideais, como gostaríamos de ser ou ter sido para aqueles que valorizamos, ou como queríamos ser importantes para eles. Esta introdução foi inspirada por minha surpresa, ao tomar conhecimento da inauguração da exposição "O Pequeno Príncipe na Oca", como parte das comemorações do Ano da França no Brasil. Para os que não conhecem, a Oca é um dos espaços criados por Niemayer para o Parque Ibirapuera de São Paulo, e deste, cerca de dez mil metros quadrados serão habitados por este principezinho que encanta crianças e adultos há 66 anos e por seu criador, o aventureiro aviador Antoine de Saint-Exupéry, até o dia 22 de dezembro deste ano. Se a surpresa pode e deve ser um pretexto para refletirmos, é fato que a estória do Pequeno Príncipe goza de certa unanimidade quanto ao seu valor. Uma obra simples, com desenhos feitos pelo próprio autor, que consegue criar personagens ao mesmo tempo comuns, mas que guardam um sentido simbólico (um príncipe, um homem solitário, uma raposa, uma rosa, uma serpente, entre outros) em busca de um significado para as condutas humanas, valorizando a amizade. No entanto, qualquer que seja a tentativa de dignificar o valor da amizade nos faz deparar com as inúmeras dificuldades de sua manutenção. Um bem precioso, sem dúvida, mas sabemos o seu custo e os equívocos possíveis. Quantas vezes assistimos, desolados, as “leis” valerem somente para os “amigos”? Quantas vezes nos decepcionamos ao perceber nosso “valor utilitário” nas amizades? Ou quantas vezes apostamos que os amigos seriam sempre fiéis e confiáveis? Ou sinceros? Mas para aqueles que desconfiam definitivamente da amizade, e pregam sua impossibilidade em um mundo que preza a competição e a busca frenética de um lugar ao sol, a verdade é que a amizade ainda sustenta um lugar precioso nos dias de hoje. Pensemos no incrível avanço que a comunicação obteve pelo desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, criando novíssimas oportunidades de nos conectarmos o tempo todo com um número inimaginável de pessoas. Com certeza um desejo nosso, de nos sentirmos ligados, de podermos contar a qualquer hora, minutos, segundos, com alguém do outro lado dos celulares ou da internet. Talvez por vivermos em um mundo sem garantias, cheio de imprevistos, que nos exige criatividade e jogo de cintura, a amizade venha ganhando este espaço de valor. Mas ainda assim, estamos no plano do que deveria ser. Do que gostaríamos que fosse. No plano do ideal, espaço mais comumente habitado pelo amor e pela amizade. Isto porque tanto um quanto outro pedem um reconhecimento da diferença do outro, uma valorização do espírito comunitário e principalmente uma boa administração da complexidade e da tensão envolvidas nas relações entre as pessoas. Sabemos como é possível a existência de vidas marcadas pela insensibilidade e pela falta de possibilidades criativas, outras que se pautam pelo tormento, pela dor, vidas que apenas sobrevivem. Como saber então o que significa uma verdadeira amizade? Uma possível resposta seria a de que uma certa forma de se praticar amizade inclui a convivência com a tensão e o conflito como forças transformadoras, que podem ajudar a gerar movimentos na vida de um e outro. Isto implica em se destituir de uma antiga posição infantil de dominação/ subjugação, e se colocar como alguém que também é insuficiente, e também precisa de um bom amigo, um “igual”. É assim que a amizade pode nos exigir a convivência com as diferenças, o cultivo do que temos de especial, incentivando-nos a nos comportarmos de forma inusitada, instigando-nos a nos inventar, a ser mais, quiçá melhores.

coluna do dia 28 de outubro de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário