quinta-feira, 20 de maio de 2010

Como se livrar da culpa

A capa da revista ISTOÉ do ultimo dia 5 de maio trazia a foto de uma mulher tentando equilibrar-se sob o peso de uma pedra imensa em suas costas. Ao lado da foto, uma espécie de lista de “mandamentos modernos” anunciava alguns dos possíveis conteúdos desta pedra, já que estaríamos todos tentando cumprir certos imperativos culturais impossíveis: fazer exercícios diários, seguir uma alimentação saudável com uma dieta restritiva, manter o corpo esteticamente aceitável, consumir com moderação, estar up to date com a tecnologia, ser solidário e tolerante com os outros, namorar, casar, ter filhos e saber como fazer isso de forma estável e sem conflitos. Sabemos que esta lista pode ficar sem fim. Na reportagem, o fato de acreditarmos nestas metas ou de nos sentirmos cobrados em relação a estes “ideais modernos” faria com que vivêssemos constantemente nos sentindo culpados, um sentimento incômodo e danoso, que nos torturaria indefinidamente. De certa maneira, abrir o debate sobre as novas e cada vez mais diversificadas exigências que o mundo atual despeja sobre nós não deixa de ser importante não só para analisar como respondemos a isso mas também para computar as novas formas de exclusão que estas exigências criam, ao deixar de fora levas de indivíduos que não chegam a se sentir culpados e sim imergem em depressões diante do sentimento de impotência ou de inadequação. Como sempre, a cada modo de existir e se estar em nosso mundo moderno corresponde tanto um bem viver quanto seu contraponto, ou seja, os desconfortos e mal estares que hoje poderiam ser listados em oscilações de nossa auto-estima e do sentimento de identidade, intensas angústias, falta de esperança, alteração de ânimo, apatia, transtornos do sono e do apetite, ausência de projetos, crise de ideais e valores, compulsões, adições, instabilidade nos vínculos, transtornos psicossomáticos. Se aumentou a oferta de possibilidades de nos tornarmos algo ou alguém, também aumentou a cobrança e nossa vulnerabilidade e muitos de nós nos sentimos frágeis, desprovidos de valor, marcados pela vergonha e pela impossibilidade de fazer escolhas. Mas nos iludimos com a idéia de que em algum lugar existem seres perfeitos que cumprem à risca estas demandas, não tem problemas, dificuldades, carências, timidez ou conflitos. De certa forma tendemos a encarar nossas falhas, muitas delas inerentes a nossa condição de humanos, como sinais de desvios que podem ser sanáveis ou por medicamentos ou por um arsenal difuso de infinitas e desiguais referências oriundas das mais diversas fontes - da psicologia comportamental à religião, da programação neurolingüística à magia e às terapias alternativas. Tornamo-nos dependentes de ajuda e de direções já que nossas vidas parecem ficar no pêndulo infinito entre nossos ideais de conquistas e o que desconfiamos que não poderemos alcançar. Mas este conflito, que na reportagem é o responsável por nossas culpas, em certa medida é salutar. É ele que pode nos informar sobre o que desejamos, sobre o que nos autorizamos a desejar ou sobre o que não devemos, além do preço de nossas escolhas, ou a responsabilidade que conseguimos assumir por elas. Enfim, algumas medidas de nosso “eu”, suas potencialidades e seus limites.

Um comentário:

  1. Muito bom!

    Como economista acrescento apenas que o dinheiro, em nosso tempo, é exatamente ser este tudo sem ser exatamente nada. É equivalente e relativo sem ser ao certo muito mais que papel e fluxo.

    ResponderExcluir