quinta-feira, 20 de maio de 2010

Tempos modernos

Ao folhear o caderno Mais! da Folha de São Paulo no último domingo não pude deixar de sentir um certo pesar ao ler a chamada de seu obituário estampada na página final. Em 1992, ano de sua criação, o caderno inovava para os moldes dos grandes jornais de então e acenava com o que havia de mais atual em termos de notícias e debates socioculturais do Brasil e do mundo. Nada parecia mais confortável do que ter acesso a textos de diferentes pensadores em busca de um confronto ou de reflexões sobre os motivos e destinos das idéias, permitindo a nós leitores, selecionar e identificar sua importância e significado. Ato imediato me lembrou os anos 70 quando o carioca Pasquim abriu uma brecha na imprensa brasileira ao utilizar a inteligência e o deboche como resistência à rigorosa censura imposta pelo regime militar. Com doses maciças de humor, muita anarquia e sagacidade e com um time dos sonhos entre seus editores e colaboradores (Paulo Francis, Ziraldo, Jaguar, Millôr,Henfil são alguns) seu charme era também motivo de ásperas críticas morais de alguns setores da cultura da época. Sem abrir mão da liberdade de expressão, o Pasquim inovava pelo descompromisso com o formalismo. Nascia ali um texto mais próximo da vida privada de todos, e não por acaso suas entrevistas eram ansiosamente esperadas, já que pela descontração com que eram feitas, traziam à tona discussões de temas diversos como a política, o sexo, o casamento, o poder, etc. Sentíamo-nos implicados em suas páginas. Em julho de 2006, durante a realização da FLIP, a feira literária internacional de Parati, foi lançada a Revista Piauí uma publicação mensal idealizada para contar boas histórias que pudessem ser mais abrangentes e contextualizadas. Na contramão da mídia instantânea que tem o dever de anunciar tudo o que se passa no mundo agora, a Piauí tinha como projeto dedicar tempo a esta tarefa, e sem o compromisso de cobrir a agenda cultural, cultivar a cultura brasileira. Para quem já teve o prazer de lê-la, seus artigos, reportagens, quadrinhos, poemas e ilustrações capturam a realidade nacional de forma criativa e inusitada. Impregnada por um certo ceticismo da verve carioca em que pouca coisa vale a pena sem humor e um pouquinho de deboche, a revista é divertida e revela ao mesmo tempo coisas curiosas, importantes e fúteis, boas e ruins sobre o Brasil. Como alguns leitores puderam perceber sou das que prezam uma ligação permanente e crítica com o atual por acreditar que ele carregue consigo a história da complexa trajetória da raça humana e suas produções. É fato, porém, que o novo traz inevitavelmente uma sensação de estranhamento, de se estar adentrando em territórios nunca habitados. Isto ficou particularmente claro quando visitei recentemente a exposição do americano Andy Warhol em cartaz na Estação Pinacoteca de São Paulo. Nos anos 60 e 70 Warhol chamava a atenção pela excentricidade, exibicionismo e por ser gay, mas ao percorrer os corredores de sua obra fica claro o quanto ele era sensível aos fenômenos políticos e sociais de sua época ao se apropriar de imagens do universo de consumo e da cultura de massa e transformá-los em seus temas de arte. Mais de 20 anos após sua morte é possível identificar não só sua postura crítica à política norte-americana do pós-guerra, mas a antecipação de uma era de exibicionismo da imagem de si, hoje fato consumado em sites como Orkut e Twitter ou em programas de reality show. Talvez esta continue sendo a grande contribuição da dimensão artística humana: captar o que perverte nossos sentidos e cria o novo.

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