quinta-feira, 27 de maio de 2010

Por que Aline?

Na história recente de nosso país é possível mapear o surgimento e a consolidação das tirinhas de humor produzidas por artistas brasileiros, muitos deles reverenciados principalmente pelo público jovem. Ainda que as tiras em nossos jornais já existissem desde o começo do século XX, a partir dos anos 60 e 70, a despeito de uma maior divulgação das histórias em quadrinhos que cumpriam com êxito uma função mais política do que só de entretenimento, foi possível acompanhar as aventuras de personagens como os da turma de Charlie Brown (do cartunista americano Shulz), ou da Mafalda (criação do argentino Quino), a garota “filósofa”, questionadora e politizada, capaz de deixar seus pais perplexos diante de suas avaliações sociológicas. Ambos os autores utilizavam-se do universo infantil para produzir suas críticas sociais: crianças de classe média, que vão à escola, possuem amigos e se aproveitam deste cotidiano para questionar o tempo todo o mundo adulto burguês e engessado pelas formalidades, injustiças e preconceitos de sua época. É certo que a garotinha Mafalda era mais ousada e não poupava sua mãe de suas sacadas irônicas ao enfatizar o papel inferior ocupado pela mulher, que não questionava suas obrigações de dona de casa e de mãe dedicada. Pode-se dizer que Quino soube ilustrar com firmeza e delicadeza a trajetória feminina na defesa de seus direitos. Se aqui já era possível perceber a construção de personagens menos heróicos e mais humanos, muito mais próximos das questões enfrentadas pela maioria de seus leitores, a partir da década de 80, com a queda de utopias sociais, religiosas ou moralistas, os quadrinistas passam a ficar mais próximos de sua existência cotidiana, da reflexão sobre seus valores, das questões de gêneros, em uma exaltação à liberdade de pensar e criar. Surge um número significativo e importante de cartunistas brasileiros, que começam a produzir histórias e personagens nascidos das entranhas de nossa cultura, mas também de uma cultura que já tomava o bonde do pós moderno, ou seja, de uma pós revolução dos costumes, da ordem social. Uma era em que caberia a cada um construir novas referências em cima das cinzas das passadas, líquido fértil para se recriar a realidade através do humor, um humor mais transgressor, mais urbano, embora mantendo uma verve política, erótica e comportamental. Passam a desfilar tipos masculinos caricatos como o Meiaoito, o militante de esquerda que ainda se apega a seus ideais em um mundo em transformação, os velhos hippies Wood e Stock deslocados no tempo, o punk Bob Cuspe, Walter Ego, o apaixonado por si mesmo, Osgarmo e seus problemas de ejaculação precoce, Hippo-Glós o hipocondríaco, ou o conquistador machista e mais do que confiante Bibelô, todos criações de Angeli, que refletem a estupefação e os conflitos do homem de sua geração, que além de suas próprias questões de identidade, também têm que enfrentar uma mulher emancipada pelas conquistas feministas, cuja liberdade os assusta. Mas os tipos femininos não ficam atrás em suas angústias. Quem não se lembra da emblemática Rê Bordosa, que passava a noite bebendo e paquerando nos bares e, no dia seguinte, instalada em sua banheira, tentava recordar o que lhe aconteceu? Ou da famosa Dona Marta, a secretária imortalizada por Glauco, que assediava office boys ou chefes de seu escritório, intimidando-os? Glauco ainda nos presenteou com o Casal Neuras, revelando os bastidores das relações amorosas sempre perpassadas pelos rompantes de ciúmes, o medo das traições e as ameaças de abandonos; e as aventuras de Geraldinho, que com sua mãe, mostrava o cotidiano neurótico de uma relação simbiótica, de amor e ódio. Nos anos 90 foi a vez do gaúcho Adão Iturrusgarai criar personagens mais “conformados” aos novos tempos. Surgem os caubóis homossexuais Rock & Hudson, caricaturas de um mundo gay que respira à nossa volta e Aline, a jovem sensual, agitada e ousada que divide sua cama com seus dois namorados Pedro e Otto. De todos os personagens que comentamos, Aline foi a “escolhida” pela Rede Globo e no ano passado ganhou uma série entre outubro e novembro, que este ano deverá voltar em uma segunda temporada. Por que Aline?

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