sábado, 2 de julho de 2011

Escrever sobre o quê?

Uma amiga, ao saber que há três anos mantenho uma coluna semanal no jornal A Cidade, quis saber sobre o que eu escrevia. Sabendo-me psicanalista, concluiu, antes que eu pudesse responder, que provavelmente tal coluna versasse sobre respostas para as perguntas mais comuns feitas para este tipo de profissional. Sua apressada dedução deixou-me quieta por minutos e muito inquieta a pensar sobre algum fio que pudesse costurar os variados temas aqui tratados. Sem poder fechar a questão de uma maneira que pudesse satisfazer tanto a sua curiosidade quanto as minhas “verdadeiras” razões para eleger determinados assuntos, optei por concordar com parte de seu argumento de que a longa, difícil e permanente tarefa de me tornar uma psicanalista pudesse ser o viés utilizado para debatê-los. No entanto sua questão permaneceu insistindo ao longo dos dias. Afinal estou entre os que acreditam que nossas escolhas não são casuais, incluído aí o caminho profissional que traçamos ao longo de nossas vidas. Estamos sempre tentando responder – muitas vezes sem perceber- alguns “enigmas”sobre nós mesmos. É verdade que diante de algumas pessoas que cultuamos e admiramos seja por imaginarmos serem elas detentoras de algum tipo de saber que não possuímos, seja por serem artistas de diferentes áreas e, portanto protagonizarem criações as quais nos sentimos totalmente incapacitados para produzirmos, ou aquelas a quem olhamos invejosos por realizarem algum tipo de sonho nosso (aberto ou oculto), ficamos curiosos e até desejamos vasculhar suas vidas. As inúmeras biografias não fazem sucesso por caso. Ao elegermos alguns ídolos, aspiramos conhecer a rota de seus desejos ou seu modo de realizá-los. Queremos saber como inventar um futuro que inclua nossos sonhos, que ganhe sentido e nos traga satisfação, orgulho de nós mesmos. É assim que dirigimos nossos olhares aqueles que imaginamos terem conseguido. Pensei sobre o quanto o exercício da psicanálise desvenda o lado “B” de nossas pretensões ao reconhecer um paradoxo de nossa condição humana: somos ao mesmo tempo dependentes absolutos de outro humano, mas só temos uma “vida” se pudermos nos tornar independentes, autônomos e se pudermos ser os “pedreiros” desta obra. Neste percurso, nos mares quase sempre turbulentos de nossa existência emocional, ansiamos por uma ética do fazer sentido, que nos ofereça “de verdade” um lugar humano para existir. Mas entre nossas necessárias ilusões, aquelas que nos permitem construir lugares imaginários para nós e os outros, entre nossas inevitáveis idealizações de passados ou de futuros, impõem-se um viver cotidiano, aquele que nos convida a subir a cortina todos os dias, a cumprir mais uma rotina acelerada ou atrasada e a apagar as luzes antes de cair (se tudo der certo) no sono prometido. Longe de banalizar este dia a dia, o que me faz querer escrever repetidamente sobre mulheres e homens comuns às voltas com seus pequenos ou grandes dramas, suas inquietações mais ou menos corriqueiras, seus temores, seus pecados, é uma aposta muito particular no valor da única vida que temos e da qual na maioria das vezes não conhecemos o enredo nem o roteiro.

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