sábado, 2 de julho de 2011

Quem viver verá?

Alguns filmes de ficções sobre o futuro da humanidade costumam mostrar um mundo “noir”, em um cenário em geral pós-moderno misturado a uma degradação ambiental (e pessoal) tudo permeado por uma alta tecnologia. No mundo do trabalho ou se está em uma espécie de imenso bazar de serviços prestados por uma população de excluídos ou em mega-empresas que funcionam de forma automatizada em imensos, silenciosos e ultramodernos prédios, com portas monitoradas. Se por um lado anuncia-se um mundo que caminhou na direção da realização de muitos dos desejos mais humanos, são postos em evidencia os custos e os restos e ressaltadas as perdas de possibilidades de trocas e encontros entre cada um. Na animação francesa de 2006 intitulada Renaissance a história se passa na Paris de 2054, uma cidade onde todos os movimentos são monitorados e gravados e os arranha-céus se impõem sobre as obras de arte da arquitetura dos séculos passados. Ali uma empresa de cosméticos (Avalon) domina toda a cidade com seus outdoors eletrônicos e banners holográficos prometendo beleza e juventude eternos e influenciando todos os aspectos da vida de seus moradores. A esta dupla será acrescentada a imortalidade, responsável pelas disputas, mortes e desaparecimentos em torno da aquisição de suas pesquisas. Já Blade Runner, de Ridley Scott (1986), um dos filmes cult da década de 1980, se passa na Los Angeles de 2019. Na trama a Tyrel Corporation que criou robôs (replicantes) virtualmente idênticos aos seres humanos (inteligentes, mais ágeis e fortes) para serem usados fora da Terra em tarefas perigosas da colonização planetária, decide contratar caçadores de andróides para “removê-los” devido a uma rebelião de alguns que reivindicam um tempo maior de vida. Nesta caçada, muitas questões sobre a existência humana são colocadas. Em ambos os filmes, o cenário é opressivo, a noite e a chuva se impõe indicando que a idéia de uma ciência que não aceita mistérios, que não respeita a fronteira entre a vida “natural” humana e a artificial seria danosa para a humanidade, por transgredir um legado cultural de sentidos para nós. É curioso como em 2011, já não estranhamos mais que nossos corpos precisem se adequar aos novos tempos e para isso sejam convocados a ficarem mais compatíveis com uma imagem em que não apareçam seus sinais de excessos, de faltas, de envelhecimento. São poucos os que se recusam a se submeter a programas intensos de qualidade de vida, de bem estar ou de estetização ou contestam o fato de que a tecnologia possa aprimorar e reformar a espécie humana. A reportagem de capa da Revista Veja do dia 15 de junho último anunciava pelas vozes do inglês Aubrey de Grey e dos americanos Raymond Kurz­ weil e Timothy Ferriss que o homem que viverá 1000 anos já havia nascido. A verdade é que na linha do rápido desenvolvimento das tecnociencias das últimas décadas, o controle do envelhecimento e as várias intervenções direcionadas ao rejuvenescimento levam a crer que um dos desejos mais antigos da humanidade, a imortalidade, pode enfim aparecer como luz no final do túnel. Não mais pela promessa de um paraíso pós-morte, de um Olimpo habitado por alguns deuses ou de mitos antigos sobre ilhas de fantasias onde todos seriam imortais. Segundo suas previsões, dentro de uma década, a cada ano vivido será acrescentado um ano na expectativa de vida das pessoas: esta é a sedu­tora promessa de um upgrade biológi­co humano. Na concepção da ciência, somos como máquinas, portanto, potencialmente consertáveis, e mesmo que nosso corpo biológico padeça, poderemos manter suas informações em uma espécie de memória artificial. É pouco? Há dois anos, Kurzweil fundou no coração do Vale do Silício, Califórnia, a Universidade da Singularidade destinada a preparar a humanidade para a acelera­ção das mudanças tecnológicas, uma verdadeira tro­pa de elite apta a lidar com o impacto dessa transformação. Já em 2045, em decorrência da ve­locidade dos saltos da computação e das tecnologias associadas a ela, será impossível distinguir as máquinas mais avançadas dos seres humanos. A inteligência artificial chegará ao patamar dos ho­mens e transcenderemos nossas limi­tações biológicas. Morrer será difícil, ainda que inexorável. Os cegos voltarão a enxergar por meio de olhos biônicos,os amputados terão pernas artificiais que reagirão ao comando di­reto do cérebro, os genes que não nos in­teressam, como os que levam à obesi­dade ou a doenças degenerativas, serão silenciados, enquanto outros serão re­programados e ativados. Nanorrobôs viajarão por nosso organis­mo, combatendo enfermidades e fazen­do microcirurgias internas. Ou seja, no futuro singular dos humanos, as velhas certezas, como a morte, passam a ser relativas. As ficções que chamamos de “científicas” e que em geral prevêem um futuro de “tecnologias” avançadas na eterna busca de um controle cada vez mais absoluto sobre o imponderável da “natureza” são em sua maioria apocalípticas. Talvez porque elas sejam produto de questões que não conseguimos responder sobre os nossos próprios limites ou nossos temores pelos nossos mais recônditos desejos de imortalidade. Quem viver poderá responder?

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