quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Eu, tu, eles.

Havia sentido um friozinho no estômago em algum momento próximo ao final do mês de novembro. Pensar que logo mais dezembro se iniciaria causava-lhe tamanha ansiedade que precisava respirar, “deletar” tais pensamentos e forçar a volta à rotina. Misturava-se a isso certo pesar já que em sua infância os dias que antecediam o Natal eram impacientemente esperados. Sua cidade vestia-se de verde e vermelho e todas as luzes do mundo se acendiam. Papais Noéis de verdade, sinos, presépios, lojas que estendiam seu horário de fechamento até às dez da noite e exibiam vitrines reluzentes, músicas com temas natalinos. Assim começavam as férias escolares, praticamente junto ao anúncio de proximidade da celebração do Natal. Era uma conjunção de boas novas. Os adultos ficavam mais imersos e apressados a fim de poder cumprir os prazos para a compra dos presentes e dos quitutes da ceia e do almoço do Natal. Nozes, castanhas, avelãs e panetones ganhavam espaço. Parentes chegavam de suas cidades promovendo o encontro de primos que podiam brincar quase sem limites de horários. Pensando bem, era como se este pequeno espaço de tempo entre o final do ano letivo e o 24 /25 de dezembro fosse o verdadeiro “carnaval” infantil: desapareciam as rígidas medidas disciplinares impostas pelos pais e pelas obrigações escolares ao mesmo tempo em que se descortinava um mundo colorido, agitado e cheio de novidades prazerosas. Da penúria ao excesso, dormir era perder tempo. O dia seguinte já estava ali, à espera de novos e deliciosos momentos. Quem poderia imaginar tantas mudanças? Como tudo na vida, o período que antecede o Natal também tinha seu lado B. Não que a reunião dos familiares - cada vez mais escasso em números, mais concentrado em seus núcleos- tivesse deixado de ser agradável. Mas a velha “aura” mágica deste período do ano havia se dissipado quase completamente. Ok, o olhar de um adulto cinquentão (ou sessentão?) pode ser cético, duro demais. Pintava sim um olhar invejoso aos que podiam manter a alegria e o entusiasmo através dos tempos, uma alegria sem dúvida necessária para empolgar filhos e netos. Ele tinha que se esforçar. Muito! Nem sabia ao certo se podia chamar de preguiça ou de dor o fato de evitar as aglomerações em torno de shoppings e de “visitas” aos enfeites majestosos de Natal espalhados pela cidade. Não conseguia ver sentido naquele bloco de pessoas zanzando pela cidade, nem mesmo nas inúmeras confraternizações que pipocavam nos bares, dos amigos da infância, dos colegas de faculdade, daqueles do antigo trabalho, do atual, etc, etc. E a passagem do ano? Só de imaginar as estradas coalhadas de carros ou os aeroportos lotados com todos bufando pelos atrasos dos voos, sentia falta de ar. Preocupava-se com este azedume. Seria assim para sempre? Não conseguiria mais desfrutar (nem compartilhar) minimamente o clima especial de todo final de ano? Não poderia responder a esta questão, ao menos não agora. Sabia bem que sua tristeza, apatia ou aflição (sabe-se lá) estavam atreladas a uma reflexão mais profunda que havia sido disparada desde julho, quando completara sessenta anos. O futuro ficara bem mais curto e estava difícil ajustar os sonhos para que se amoldassem melhor à realidade. Um choque, uma ferida aberta que pedia um tempo, quem sabe uma nova lente para encarar as mudanças que o corpo começava a anunciar e a mente precisava processar. Era isso. Estava doendo demais e não havia energia disponível para a alegria transformadora que estas festas pedem. Quem sabe o próximo ano reservasse a ele alguma surpresa. Que fosse boa, que lhe devolvesse o pique, o encanto pela vida, pelas pessoas, pelos seus. E por ele.

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