quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Por uma ação de graças

Semanas atrás, em conversa com brasileiros que residem nos USA, falávamos sobre a força da "tradição" que o feriado do Thanksgiving mantém entre os americanos. Uma das pessoas comparou o clima desta data  - em que as famílias americanas  se reúnem em torno do famoso "turkey"- ao nosso Natal. Comemorado toda 4ª quinta feira do mês de novembro, o dia de Ação de Graças rememora a refeição coletiva de agradecimento pela fartura da colheita conquistada pelos peregrinos vindos da Inglaterra, graças aos ensinamentos de alguns índios nativos sobre as técnicas de plantio. O período anterior havia sido de penúria diante do frio e da fome. De certa forma nos familiarizamos com esta celebração e pudemos comprovar seu valor em inúmeros filmes (made in USA) que mostram jovens estudantes e adultos cruzando estados para se reunirem com seus familiares. Muitos destes filmes contam historias de afirmação de vínculos de pertencimento, alguns do reasseguramento dos afetos de amor, mas não são poucos os que descortinam os desencontros tanto pelo via do drama quanto da comédia. Tal e qual as histórias sobre a noite de Natal em torno das expectativas das reuniões familiares, não importa o quão difícil, trabalhoso e tenso seja, a tradição funciona como um polo agregador e inevitável e todos se sentem melhor se puderem "cumprir" com este protocolo. Por não compartilhar de fato do significado do Thanksgiving, uma de minhas interlocutoras, que ali reside há mais de uma década, trazia seu olhar "estrangeiro" sobre esta festa. Insistentemente convidada a participar e incitada a escolher um entre os “anfitriões”, percebia ser difícil para a grande maioria, suportar o fardo da solidão ou da exclusão dos que não possuem famílias e não podem desfrutar do calor da data. Aos poucos foi se acostumando a planejar seu feriado, escolhendo as “famílias” principalmente pelo critério de seu acolhimento e flexibilidade, já que em seu currículo constavam vários jantares que expunham o paradoxo da reunião. Embora houvesse um movimento geral em torno de compra de passagens e presentes, definição de cardápios e receitas de peru, nada garantia que o evento fosse agradável. Na verdade, a produção de intimidade por vezes “involuntária” da família parecia induzir uma espécie de visita ao seu "acervo de memoria afetiva" despertando os pequenos dramas infantis de cada um. Em geral as festas de Natal também impõem a todos o cumprimento de seus rituais - juntar o maior número possível de familiares, decidir a casa, o cardápio, fazer o amigo secreto ou presentear aos que somos gratos - mas nada impede que possam ser tensas, e os motivos podem ser os mais variados. Talvez um denominador comum seja o fato de que nossos mais pungentes dramas são os vividos em nossa infância, no seio familiar, dramas construídos pela força dos amores, das preferencias, do carinho, mas também dos ciúmes, das disputas, das rivalidades e das violências. Muitas famílias, ao longo de suas histórias, conseguem minimizar os efeitos às vezes mortíferos, às vezes agressivos que permeiam suas relações e podem manter um funcionamento mais cool, em que o humor e o amor sobrepujam as diferenças e as tensões. Outras perpetuam este ranço e suas reuniões são palco de trocas ferinas, mágoas e ressentimentos. Porque continuam se reunindo? Saber-se parte de uma família, ter uma origem, uma "organização" a qual se pertence pode ser mais importante do que sentir-se excluído em uma data em que se imagina que TODOS estão "felizes" comemorando com os seus. Pode ser que a dor e o sofrimento deste desamparo sejam mais insuportáveis do que o convívio familiar, mesmo que seja para brigar, beber, falar o que não se deve, ouvir o que não se quer.

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