É no mínimo engraçado pensar nas fronteiras do correto e do incorreto como critério para as regras de cortesia ou de polidez necessárias ao nosso convívio, no mundo atual. Principalmente quando ainda “respira” a cartilha dos bons costumes que costumava ser parte importante do legado entre gerações no mundo moderno. Havia ali uma separação importante e confortável para se transitar entre a vida pública e a privada. Na primeira, todos deveriam se conter e seguir religiosamente as normas de boa conduta fosse para se dirigir às autoridades, aos subalternos ou mesmo aos pares. As “gafes” tinham um peso danado no currículo moral de cada um. Na intimidade dos lares, ali sim, era possível se desfrutar de liberdade para amar, odiar, blasfemar, judiar, enfim expor suas entranhas. Esta dicotomia consensual permitia a cada um desfrutar de um código claro para escolher entre o certo e o errado, o bem e o mal, o normal e o transgressor. Mas a rigidez dos julgamentos produzia mais um moralismo do que um agir moral. Isto porque é mais fácil e tranquilo se imaginar de posse de um saber sobre como, o quê ou porquê cada um deve ou não fazer/dizer algo. Parece que não precisamos cavoucar as razões, avaliar caso a caso ou as circunstancias. Aos poucos o mundo privado foi se misturando ao público e as pessoas convocadas a refletir mais não só sobre seus pesares e ímpetos como aos dos outros, assim como aos meios em que transitam. À liberdade individual que cada um conquistou corresponde uma maior responsabilidade sobre suas escolhas. Zapeando a programação da TV, dias atrás, me deparei com um programa de entrevistas que falava sobre alguns comerciais que estão sendo veiculados. A pauta? Celebridades que não se importavam em ser apresentadas por suas peculiaridades não tão engrandecedoras, ou seja, em serem motivos de piada. Quem já não assistiu o grandão Ricardo Macchi e seus 1,80metros - malhado por seus dotes limitados como ator – atuando ao lado do “ um metro e meio” e consagrado ator Dustin Hoffman ? Ou o lutador musculoso e campeão mundial Anderson Silva de terno branco a ecoar sua voz fininha em um comercial de fast food? Constrangedor ou engraçado? Ambos? A verdade é que se fosse possível reduzir nossa escalada a uma reta esta estaria sempre em ascensão como a nos lembrar que a tal evolução humana é permanente embora também o seja sua complexidade. E a evolução, como já dizia Darwin, está sempre a modificar o que já existe, assim como a buscar uma regulação ou um equilíbrio que garanta nossa sobrevivência (biofísica, psíquica, moral). Sem dúvida um raciocínio demasiadamente simples para questionarmos o lugar (de suma importância) da responsabilidade moral e com ela temas complicados como a liberdade, a espontaneidade e a preocupação com o outro. O rir de si mesmo, por exemplo, quando é o resultado de uma percepção aguçada sobre si e o outro, sobre a falta de garantias e de certezas e a necessidade de cada um assumir por sua conta e risco as agruras do viver, provoca uma identificação (permite ao outro sentir-se um igual) ou seja, poder ficar a vontade com suas faltas, seus altos e baixos,temores, amores e dores. Claro que não podemos deixar de ter uma moralidade vigente a cada época que desfrute de um acordo coletivo. Mas não dá para calcular previamente quando podemos “transgredir” de forma positiva certas fronteiras. O que ontem era constrangedor hoje pode ser engraçado. E isso não deve ser visto como um passo atrás e sim como uma evolução e com ela novos desafios.
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
De mãos dadas
Não conseguia pegar no sono. Aquele vazio insuportável lhe imobilizava a alma. Ninguém pode dormir se o “dia seguinte” não existe mais, não há nada agendado, nem as obrigações de praxe, nem algo novo ou prazeroso. Nada. O cérebro pensante e o coração pulsante estavam no modo “pausado”. Pausa necessária, pois não poderia suportar nem mais uma gota de dor. Estranha sensação esta de se estar entre a dormência de quem tenta impedir a angustia e um deixar-se apagar, morrer. Não, não queria morrer. Pensar sobre isso lhe devolvia um pouco a sanidade e com ela as lembranças. Sentira certo alívio quando Pedro morrera há um ano, depois de tantas internações, tanto sofrimento. Seus olhos pediam para ir, para descansar e ela chegara a se convencer de que não havia nada melhor a acontecer no momento. E se era inevitável que ele fosse, passou a imaginar sua vida sem ele (depois de quase 42 anos juntos). Tentava visualizar-se forte, viva e disposta a encarar esta perda como uma mera contingencia do viver. Até sua vida profissional poderia ser retomada assim como alguns velhos projetos. Tudo parecia fazer sentido. Mas não agora. Nem que quisesse poderia prever o rombo que a falta dele faria. Também não encontrava palavras para descrever seu estado, o que deixava todos a sua volta, bem aflitos. Sabia que alguns conseguiam falar sobre sua própria dor, construir frases que narravam este estado absurdo, mas eram poucos, bem poucos. Não por acaso o mundo reverenciava os poetas, sempre atentos às dores de perdas e paixões humanas, as quais descrevem inventando vocábulos, usando metáforas ou comparando-as com os enigmas do universo. Não saberia explicar porque seu casamento fora tão excepcional, para ela um mero encontro de duas almas que prezavam a vida a dois. Parece pouco? Sim e não. Como construir uma parceria tão longeva e rica sem compartilhar o valor das trocas, da cumplicidade e do carinho? Depois de tantos anos juntos, a vida a dois fica quase “vida a um”. Não porque estivessem sempre juntos ou tivessem as mesmas ideias e crenças sobre tudo (ao contrário), mas porque haviam se acostumado a falar um para o outro o que pensavam, desejavam, sofriam ou causava indignação. Evitava confessar que ainda falava com ele mesmo sabendo que não ouviria respostas, contestações, apoio. Era exatamente isso: uma parte dela havia ido embora para sempre. E se a principio ela considerou a hipótese de construir algo novo, agora esta coragem andava sumida. Não foram poucas as vezes em que ambos haviam antecipado a velhice. Brincavam de adivinhar se pareceriam com aquela senhora gordinha, ou aquele careca barrigudo, se seria possível passear de mãos dadas (como era de costume) ou se cada um precisaria apoiar seu braço no outro para dar conta dos reumatismos e desconfortos musculares. Era preciso apagar esta cena, com certeza, para que o dia seguinte começasse a existir.
11desetembro.com
Todos temos lembranças de mortes ou historias de lutos importantes que trazem a marca de um rompimento com nossa reticencia em relação ao fato de que cedo ou tarde, um dia morreremos. Assim como o tema da sexualidade, ficamos desorientados quando precisamos explicar para uma criança o que significa a morte de alguém com quem ela já havia feito um vinculo amoroso. Tememos que, tal como nós, ela também venha a se sentir ameaçada por este sentimento de se saber a vida tão frágil, e por isso tentamos adiar seu contato com o real da morte, afim de não “perturbar” suas chances de construção de um mundo de sonhos e fantasias que delineiem um possível (e bom) futuro. Também é verdade que as lembranças ou vivencias em torno da morte de entes queridos são absolutamente pessoais. Buscando em minha memória estas lembranças posso reconhecer que as mortes importantes começaram a acontecer quando eu já era adolescente. Cavoucando a infância vivida em uma cidade do interior no seio de uma família católica, o dia de Finados era um feriado reverenciado pela população que acorria ao cemitério local. Mas longe de evocar cenas melancólicas ou pesadas, em minha memória essas manhãs eram ensolaradas e minha mãe se punha bonita e arrumada, buscava as flores previamente encomendadas em sua floricultura preferida e nos levava para ajuda-la na tarefa de enfeitar o túmulo onde seu pai e seu irmãozinho de 6 anos estavam enterrados. Havia satisfação na maneira como ela procurava uma harmonia estética para dispor as flores de modo a formar lindos arranjos nos inúmeros vasos ali existentes. Nas fotos, meu avô, seu pai, aparecia rindo simpaticamente. A de seu irmãozinho, mais amarelada, indicava um tempo bem mais remoto, quase mítico. As historias ali contadas sobre meu avô eram as melhores possíveis, alinhavadas por um contato amoroso e um reconhecimento de sua importância para a família. Não era raro ouvi-la lamentar (sem mágoas) o fato de termos sido privados da possibilidade de conhecê-lo e conviver com sua enorme “vitalidade”. A morte podia ser tema de um passado cujo resgate era quase indolor. Nesta ultima semana pudemos rever pela mídia as imagens de um 11 de setembro fatídico para o mundo todo, em que aviões se atiraram às duas torres mais imponentes do skylight nova-iorquino forçando seu desmoronamento e tirando a vida de um numero sem fim de pessoas. Imagens se fixaram nos rostos de desespero dos que assistiam impotentes, dos que choravam copiosamente diante daquela tragédia absurda, dos familiares que se aproximavam perplexos e se punham angustiados de plantão a espera de noticias de seus entes queridos. Dez anos depois há inúmeras reportagens sobre estes mesmos familiares, cada um relatando sua historia, uma historia que a despeito de se passar pelo mesmo e terrível acontecimento, compõem os mais diferentes textos. Em sua obstinada missão de entender o funcionamento psíquico humano, em 1917, Freud escreveu um texto intitulado “Luto e melancolia” em que tentava mostrar como o luto seria uma tristeza reativa (e esperada) à perda de alguém querido (podendo ser também de um ideal ou algo importante), que afastava a pessoa de seu cotidiano normal e transformava temporariamente seu mundo em pobre e vazio. Mas também apontava como para outros, os mesmos fatos produziam melancolia (ou depressão), como se ao invés do seu entorno, o próprio sujeito passasse a se sentir incapaz de olhar o mundo e dota-lo de algum significado que pudesse conforta-lo. Sobre ele pesaria uma desesperança condenando-o a transitar nostalgicamente pelas cinzas do passado e impedindo-o de formular novos projetos. Longe de abordar a complexidade deste modo (penoso) de funcionar, não deixa de ser interessante ler estas historias e constatar como alguns podem encarar a contingencia do viver enquanto outros mergulham no espaço da melancolia.
domingo, 28 de agosto de 2011
Ping pong
Uma das dificuldades que brasileiros enfrentam ao passar a morar nos USA é a diferença com que os americanos encaram sua relação com os deveres e direitos de cidadãos. É comum alguns imigrantes usarem o jargão “fazer à moda brasileira” quando transgridem certas regras que ali são consideradas preciosas como atravessar as ruas sem utilizar as faixas e faróis para pedestres ou o contrário, dirigir sem respeitar estes pedestres ou quaisquer outros códigos de trânsito. O mesmo vale para o tempo de espera para ser atendido, ou de permanência em filas. Pensar sobre estas diferenças pode nos levar a um debate (interminável) sobre um tema que tem se tornado corriqueiro em nossos noticiários: os (des) caminhos da corrupção no Brasil. Basta acessar o tema no Google para perceber quão constante tem sido as denúncias de desrespeito pela legalidade, pelo Estado de direito e pela democracia em nosso país. E a cada vez que as falcatruas de governantes, parlamentares, juízes, promotores, empresários e policiais vem à tona, chovem textos na mídia de jornalistas e leitores indignados ou de acadêmicos e cientistas sociais que tentam analisar a “história” deste nosso “jeitinho” de burlar leis e normas ou manter a impunidade dos transgressores, na geléia geral brasileira. Claro que o tema é universal. Há estatísticas que calculam que a corrupção mundial envolva mais de um trilhão de dólares por ano. Mas é verdade que cada país tem o seu modo próprio de “ser corrupto”, de tratar “seus corruptos” ou protestar contra eles, o que não quer dizer que isto não possa mudar. A Índia, por exemplo, tem seu ativista anticorrupção: Anna Hazare, 74anos,está em greve de fome e conseguiu levar milhões de pessoas de seu país a protestar e exigir leis anticorrupção. Há dois anos, em uma ação conjunta, os jornais britânicos resolveram "censurar" as manchetes e textos de suas primeiras páginas em protesto contra o fato dos membros do Parlamento terem vetado as informações disponíveis na internet sobre seus gastos na atividade parlamentar. É possível que aqui estes atos não façam sentido ou não tenham o mesmo impacto, mas pode ser que há 20 anos as chances de nossa sociedade pressionar setores públicos a agirem diante de denúncias graves fossem ainda menores. Quem sabe a quantidade de escândalos divulgados recentemente já seja uma alteração neste termômetro. Enquanto isso não acontece, ficamos tentando entender os caminhos do que parece ser uma apatia do povo diante de certas práticas tidas como moralmente inaceitáveis, mas cotidianamente toleradas. Os prejuízos são evidentes, sobretudo em termos de cultura política, já que prevalece a tese de que o mundo é dos espertos e de que as leis não são para todos. Não é difícil imaginar que neste quadro tanto a exclusão quanto a falta de perspectiva podem gerar descrença, ou pior, a violência aparentemente gratuita contra a “ordem” social. Quem sabe o Estado brasileiro ainda não consiga se livrar de um histórico e vicioso modo de gestão patrimonial quando decide intervir e explorar, repetindo infinitamente alguns tipos de ligação com a sociedade como o clientelismo. Sociedade que responde igualmente ávida por favores e privilégios. E assim ficamos todos, com nossas grandes "bocas" à espera de abocanhar algum, e sem uma cultura que valorize o papel e a responsabilidade de cada um pelo funcionamento social, algo que exigiria certo discernimento para a importância das delicadezas, das gentilezas, enfim das regras de uma boa e saudável convivência. E é claro, sem saber os custos justos dos deveres e as chances para negociar ou exigir os direitos.
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Californianas II
Mesmo os que nunca estiveram nos USA já ouviram comentários ou puderam confirmar através de sua ilimitada indústria cinematográfica, as nuances de uma cultura que com exceção de alguns nichos diferenciados, segue sendo preferencialmente branca, cristã e conservadora, um dos fatores que propicia a formação de guetos em suas cidades, geralmente divididas em bairros especiais para negros, chineses, italianos, etc. Outra característica marcante desta cultura é uma crença quase cega na hegemonia dos caminhos da economia (e da política) de seu país, que durante anos esteve à frente no panorama mundial, exportando modelos e impondo métodos. Longe da intenção de se fazer uma crítica (ou mesmo uma análise) do american way of life, esta introdução pretende apenas refletir sobre certas “marcas” culturais. Ao viajar livremente pelas estradas americanas e visitar suas cidades e estados é difícil não perceber os vestígios de uma cultura homogeneizada, em que predominam as grandes redes de hotéis, restaurantes, lojas e supermercados sempre a exibir os mesmos produtos. O contraponto é uma imensa população de consumidores desta cultura. Por isso, ao visitar a Califórnia, em especial a Bay Area - uma extensa área ao redor da baía que banha cidades como São Francisco, Oakland, Berkeley, Sausalito, Palo Alto, Nappa Valley, etc - somos invadidos por um sentimento de surpresa. Um bom e envolvente sentimento de se estar em um pedaço do mundo em que a conjunção de certos fatores (geográficos, culturais, históricos e econômicos) altera e muito a cultura local. A região exibe uma beleza exuberante que combina águas, montanhas, praias, rochas, mas sua topografia é tão diversa quanto a população que ali vive. Para se ter uma idéia desta diversidade basta lembrar duas das mais badaladas e importantes universidades do país - com históricos diferentes - Stanford e Berkeley- além do famoso Vale do Silício, ícone da tecnologia de ponta mundial ou o Nappa Valley, imenso produtor dos melhores vinhos do país. A pequena cidade de Berkeley, por exemplo, guarda com orgulho as marcas de seu passado de berço da contracultura, movimento que despertou gerações de jovens para a importância de sua militância política de reivindicar mudanças ou exigir reparações nas injustiças sociais. Mas na atualidade,se fosse possível escolher uma das dimensões das conseqüências desta história política e social da região,elegeria o termo “local”. Ou seja, ao contrário da cultura massificada que se observa em muitas regiões do país, na Bay Area cultua-se um modus vivendi que privilegia a cultura local. Talvez um dos exemplos mais significativos seja sua culinária e quem sabe a história de Alice Waters possa resumir estes rumos. Em plenos anos 70 na fervilhante Berkeley, na onda de um movimento hippie pela naturalização dos alimentos, Alice abre seu restaurante (Chez Parnisse) e contra a industrialização e homogeneização do consumo americano de comidas propõe uma cozinha que utilize somente alimentos orgânicos, frescos e locais. Rodeada por uma população considerada “alternativa” por suas crenças e costumes, este “estilo” se propaga e consegue tornar-se ao longo dos anos, uma marca não só da (boa) cozinha californiana, como da maneira como a economia alimentícia valoriza a produção local e investe pesado na agricultura sustentável. Para se ter uma idéia há redes locais de supermercados só de produtos orgânicos, que exibem lindas verduras, legumes, frutas além de grãos, sucos, pães, todos naturais e locais, fora os Farmers Markets (feiras de ruas) que vendem orgânicos, diretos de seus produtores. Acrescente-se a isso uma enorme população de asiáticos e latinos (em especial os mexicanos), muitos indianos, negros, alguns muçulmanos que convivem lado a lado com uma tradição de intelectuais liberais e críticos e uma bem-vinda população gay mundial: um verdadeiro melting pot. Claro que não estamos computando as dificuldades e os “restos” de qualquer forma de vida que exista pelo mundo afora. Mas é gratificante quando se podem observar certas “acomodações” interessantes entre o novo e o velho, o conservador e o ousado, as soluções criativas e os cuidados, em um país que preza o cumprimento de leis e normas sociais em favor da boa convivência. Na cola de uma visada para o futuro nada melhor do que experimentar esta verdadeira “salada étnica e cultural” em que a mistura valoriza as diferenças. Bon appetit!
domingo, 14 de agosto de 2011
Californianas I
Na edição da Revista Época do dia 7 de agosto há uma reportagem que questiona o grau de satisfação dos jovens com seus trabalhos e mostra que apesar do atual aquecimento da economia brasileira propiciar um aumento de oportunidades de empregos, há uma diferença entre a expectativa de um bom salário, promoções e status e a noção de “bem estar” (welfare) de cada um com seu trabalho. O que permeia o texto parece ser uma pergunta básica: é possível ser feliz no trabalho? Com várias consultas a especialistas no assunto, a matéria segue mostrando que a felicidade no trabalho existe quando anseios de diversos tipos (e não somente financeiros) são preenchidos pelas características da atividade realizada, ou seja, quando é possível para o sujeito se identificar com a natureza, o tema, o momento e o propósito de seu trabalho. O texto ainda pontua os fatores que podem obstruir e deixa receitas e dicas, mas seria preciso acrescentar que nem sempre é fácil para um jovem saber sobre seus anseios, assim como ter ferramentas para gerenciar sua própria carreira ou coragem e maturidade para buscar suas paixões no campo profissional, quando (e se) as conhece. Em geral as qualidades técnicas cada vez mais exigidas no mundo corporativo e as ofertas de bons salários para os mais competentes criam um mundo imaginário de carreiras promissoras, às vezes sem o real conhecimento sobre os “altos custos” de dedicação ou de submissão à exigências de todos os tipos. Sabemos quão difícil é para todos validar a si e os seus recursos perante os outros.Por outro lado, falar sobre o “novo mundo” do trabalho exige que se analisem as transformações ocorridas nas últimas décadas e se assinale o quanto o crescimento do poder do consumidor e a importância das redes sociais contribuíram para o que hoje é considerado um grande valor: a qualidade ou aquilo que fará com que o produto ou serviço oferecido seja visto como diferenciado do resto. Isto permitiu a abertura de um campo em que a criatividade e a inovação pudessem ser consideradas o motor e as pessoas o ponto de partida e de chegada das empresas, que por este motivo, passaram a tentar mudar seus planos de gestão tradicional, investindo em novos modelos principalmente do que hoje se chama gestão de pessoas. Em visita recente à Califórnia, pude conhecer uma empresa que tem sido considerada um dos melhores lugares do mundo para se trabalhar. Com 6.500 empregados nos Estados Unidos (sem contar os que vivem em outros países, inclusive no Brasil) a Google, que se encontra sediada no conhecido Vale do Silício e que revolucionou os sistemas de busca na internet, também se tornou em pouco tempo a companhia de mídia com maior valor de mercado nas bolsas americanas. Minha curiosidade, porém, passava pelo fato de ser uma empresa fundada e mantida toda ela por jovens desta geração. Mais, por jovens fissurados em TI (tecnologia da informação) e incentivados a contribuírem com suas idéias, não só relativas ao trabalho, mas ao próprio funcionamento da empresa. Esbanjando uma estética colorida (há bicicletas espalhadas enfrente aos blocos para a circulação das pessoas) chamou minha atenção a liberdade das vestimentas, mas principalmente a liberdade de movimentação entre blocos ou ambientes: há um permanente vai e vem de grupos de jovens (de etnias diferentes), não há horários restritos para o uso das inúmeras cafeterias gratuitas (com vários tipos de cereais, doces, castanhas, iogurtes, cenouras, frutas frescas, sucos naturais), assim como há diferentes opções de cozinhas nos vários restaurantes (também gratuitos). No horário do almoço as mesas espalhadas pelos espaços entre blocos enchem os olhos pelo colorido dos jovens que ali se sentam. Integradas ao ambiente de trabalho é fácil ser surpreendido por mesas de sinuca, pingue-pongue, pebolim ou grupos jogando videogames. As seleções são participativas e cada um é convidado a dar seu parecer (positivo ou não) sobre o trabalho que os colegas estão desenvolvendo.Tantas regalias e boas novas levaram-me a perguntar à jovem que nos guiava se ela acreditava naquele modelo Google, ou seja, se também para ela ali seria um dos melhores lugares para se trabalhar. Ela nos contou que havia sim uma preocupação importante com o bem estar dos funcionários e um incentivo interessante para o convívio amistoso e de trocas em diversas dimensões. Mas confessou que há dois anos alocada na área de advocacia, a qual pretendia inicialmente desenvolver com cursos extras, havia descoberto que sua antiga paixão - tornar-se enfermeira- precisava ser revista com mais carinho. Estava decidida a ir atrás deste sonho. Pensei que na verdade não há garantias - por parte de empresa alguma - de que ali você será finalmente feliz. Também não há garantias por parte dos funcionários de que eles serão eternamente gratos ou fisgados por quaisquer benefícios oferecidos pelas empresas. Mas é bom saber que em alguns lugares, empresa e trabalhador podem conviver em um ambiente de trocas de responsabilidades e compromissos, um lugar em que a liberdade seja um valor para ambos.
Ecos de uma morte anunciada
Não teria sido necessário ler os incontáveis textos escritos no pós morte de Amy Winehouse. Bastava escutar os comentários: homens e mulheres, jovens, adultos e velhos, todos tinham algo a dizer sobre esta moça inglesa, judia e tão nova, cuja linda voz ecoava longe, mas não parecia se importar em ser noticia permanente da mídia que explora o lado “B” da vida alheia, no seu caso, o lado negro e árido dos que tentam sobreviver às duras penas, anestesiando-se até a morte, já que o que chamamos de “vida” parece- lhes acenar com demandas impossíveis de serem cumpridas. Houve os que se chocaram e lamentaram a rapidez com que esta menina se foi, os que confessaram ser sua morte inevitável diante das idas e vindas do uso de álcool e drogas, os que fizeram piada de sua vida desregrada e os que se aproveitaram para usá-la como exemplo do que não se deve ser ou fazer. Assim também eram as imagens divulgadas sobre sua vida: ora a mocinha provinciana que frequentava pubs londrinos com amigos e ressuscitava a soul music com sua voz poderosa, ora a cantora famosa que fazia muitos de seus shows totalmente alcoolizada ou drogada. Algum consenso? Talvez o adjetivo excessivo, para o bem e para o mal.
Figura alternativa, com dezenas de tatuagens e penteados exagerados, Amy mostrava um talento exuberante ao inundar os ouvidos dos loucos por uma boa musica e surpreendia pela indiferença com que encarava a exploração da mídia sobre sua vida errante. Deixava-se fotografar em condições físicas precárias, às vezes exibindo seu corpo emagrecido ou assumindo um ar de franca rebeldia com cigarros na boca, copos e garrafas na mão. Resta deixar de lado os voyeurs de plantão, e acompanhar seus inúmeros fãs que souberam homenageá-la, respeitando seu universo controverso cujo percurso fazia o roteiro oposto da cartilha que todos seguimos a fim de alongarmos cada vez mais nossas vidas. Perplexos, não desejavam sua morte e exibiram uma comoção sincera quem sabe por acompanharem de perto o tormento de sua vida exposto na maior parte de suas composições. Muitos cantaram no mesmo tom de sua dor ou de seus pedidos de amor. Outros se perguntaram mais de uma vez se sua música poderia salvá-la de seu inferno. Quem sabe desconfiassem que suas canções tentavam de forma intuitiva (e desesperada) dar sentido ao que em sua vida lhe parecia sem sentido.
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