quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Californianas II


Mesmo os que nunca estiveram nos USA já ouviram comentários ou puderam confirmar através de sua ilimitada indústria cinematográfica, as nuances de uma cultura que com exceção de alguns nichos diferenciados, segue sendo preferencialmente branca, cristã e conservadora, um dos fatores que propicia a formação de guetos em suas cidades, geralmente divididas em bairros especiais para negros, chineses, italianos, etc. Outra característica marcante desta cultura é uma crença quase cega na hegemonia dos caminhos da economia (e da política) de seu país, que durante anos esteve à frente no panorama mundial, exportando modelos e impondo métodos. Longe da intenção de se fazer uma crítica (ou mesmo uma análise) do american way of life, esta introdução pretende apenas refletir sobre certas “marcas” culturais. Ao viajar livremente pelas estradas americanas e visitar suas cidades e estados é difícil não perceber os vestígios de uma cultura homogeneizada, em que predominam as grandes redes de hotéis, restaurantes, lojas e supermercados sempre a exibir os mesmos produtos. O contraponto é uma imensa população de consumidores desta cultura. Por isso, ao visitar a Califórnia, em especial a Bay Area - uma extensa área ao redor da baía que banha cidades como São Francisco, Oakland, Berkeley, Sausalito, Palo Alto, Nappa Valley, etc - somos invadidos por um sentimento de surpresa. Um bom e envolvente sentimento de se estar em um pedaço do mundo em que a conjunção de certos fatores (geográficos, culturais, históricos e econômicos) altera e muito a cultura local. A região exibe uma beleza exuberante que combina águas, montanhas, praias, rochas, mas sua topografia é tão diversa quanto a população que ali vive. Para se ter uma idéia desta diversidade basta lembrar duas das mais badaladas e importantes universidades do país - com históricos diferentes -  Stanford e Berkeley- além do famoso Vale do Silício, ícone da tecnologia de ponta mundial ou o Nappa Valley, imenso produtor dos melhores vinhos do país. A pequena cidade de Berkeley, por exemplo, guarda com orgulho as marcas de seu passado de berço da contracultura, movimento que despertou gerações de jovens para a importância de sua militância política de reivindicar mudanças ou exigir reparações nas injustiças sociais. Mas na atualidade,se fosse possível escolher uma das dimensões das conseqüências desta história política e social da região,elegeria o termo “local”. Ou seja, ao contrário da cultura massificada que se observa em muitas regiões do país, na Bay Area cultua-se um modus vivendi que privilegia a cultura local. Talvez um dos exemplos mais significativos seja sua culinária e quem sabe a história de Alice Waters possa resumir estes rumos. Em plenos anos 70 na fervilhante Berkeley, na onda de um movimento hippie pela naturalização dos alimentos, Alice abre seu restaurante (Chez Parnisse) e contra a industrialização e homogeneização do consumo americano de comidas propõe uma cozinha que utilize somente alimentos orgânicos, frescos e locais. Rodeada por uma população considerada “alternativa” por suas crenças e costumes, este “estilo” se propaga e consegue tornar-se ao longo dos anos, uma marca não só da (boa) cozinha californiana, como da maneira como a economia alimentícia valoriza a produção local e investe pesado na agricultura sustentável. Para se ter uma idéia há redes locais de supermercados só de produtos orgânicos, que exibem lindas verduras, legumes, frutas além de grãos, sucos, pães, todos naturais e locais, fora os Farmers Markets (feiras de ruas) que vendem orgânicos, diretos de seus produtores. Acrescente-se a isso uma enorme população de asiáticos e latinos (em especial os mexicanos), muitos indianos, negros, alguns muçulmanos que convivem lado a lado com uma tradição de intelectuais liberais e críticos e uma bem-vinda população gay mundial: um verdadeiro melting pot. Claro que não estamos computando as dificuldades e os “restos” de qualquer forma de vida que exista pelo mundo afora. Mas é gratificante quando se podem observar certas “acomodações” interessantes entre o novo e o velho, o conservador e o ousado, as soluções criativas e os cuidados, em um país que preza o cumprimento de leis e normas sociais em favor da boa convivência. Na cola de uma visada para o futuro nada melhor do que experimentar esta verdadeira “salada étnica e cultural” em que a mistura valoriza as diferenças. Bon appetit!

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