quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Funeral de ideais

Em um texto publicado recentemente no caderno  Ilustríssima da Folha de SP, a professora da USP e crítica literária  Leyla Perrone-Moisés discorria sobre as inúmeras tentativas de se anunciar  a “morte” da literatura durante o século que  passou. Que literatura? Em sua opinião, haveria de se reconhecer as mudanças ocorridas no mundo, nos leitores e nos escritores, além de se fazer um retorno às origens do termo cuja pretensão seria a de abarcar o conjunto das obras escritas e não ser um critério de valor das mesmas. Ou estaria esta insistência em celebrar tal funeral ligada a um certo tipo de textos que interroga e desvenda o homem e o mundo de maneira aprofundada, complexa e surpreendente? Este debate me fez recordar o filme Meia noite em Paris, em que o diretor Woody Allen, com a licença poética que somente os “velhinhos” reverenciados pela crítica se apropriam sem nenhum protesto, nos brinda com uma Paris dos sonhos de todos. Eleita por unanimidade como a mais linda cidade de nosso globo, é a Paris em sua fase áurea, em que intelectuais e artistas do mundo todo sonhavam poder viver e desfrutar de seu clima avant guarde que interessa ao diretor nova-iorquino. Com uma fotografia que enche a alma de qualquer um, Paris é mostrada em sua beleza estarrecedora e com Woody Allen realizamos nossa fantasia de viver neste passado ao sermos apresentados a Hemingway, Cole Porter, Picasso, Dali, Toulouse-Lautrec e outros. Assim como a professora em seu texto sobre a morte da literatura, Woody Allen, através de seu personagem principal - um roteirista de cinema hollywoodiano que decide realizar seu velho sonho de escrever um livro - nos conduz a esta época fervilhante em que a arte de escrever, de pintar, de compor músicas estava comprometida de fio a pavio com as ansiosas perguntas (sem respostas) sobre o sentido e o destino da vida humana. Buscando os segredos de se escrever um “bom” livro, o protagonista quer beber na fonte de seus ídolos, que lhe parecem distantes e preservados do mundo frívolo e despojado em que vive com sua noiva e seus sogros. Quem sabe por sermos seres humanos comuns que temos que suar para viabilizar nosso destino e “inventar” formas de negociar com os parâmetros internos e externos de cada época, gostamos de supor uma dívida impagável com um legado pomposo da transmissão cultural. Mas tanto a crítica Leyla Perrone-Moisés quanto Woody Allen fogem da melancolia queixosa dos “bons tempos que não voltam mais” ou dos jargões que congelam a idealização de um passado. Afinal, nunca se produziu tanto no mercado de livros, filmes, artes, músicas. Talvez, como nas palavras de “Paciência” do músico pernambucano Lenine, é preciso que possamos apostar mais no fato indelével de que a vida não pára e é tão rara. A vida só pode ser admirada pelo que se espera dela e não porque será boa. Ela é única.

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