domingo, 14 de agosto de 2011

Californianas I

Na edição da Revista Época do dia 7 de agosto há uma reportagem que questiona o grau de satisfação dos jovens com seus trabalhos e mostra que apesar do atual aquecimento da economia brasileira propiciar um aumento de oportunidades de empregos, há uma diferença entre a expectativa de um bom salário, promoções e status e a noção de “bem estar” (welfare) de cada um com seu trabalho. O que permeia o texto parece ser uma pergunta básica: é possível ser feliz no trabalho? Com várias consultas a especialistas no assunto, a matéria segue mostrando que a felicidade no trabalho existe quando anseios de diversos tipos (e não somente financeiros) são preenchidos pelas características da atividade realizada, ou seja, quando é possível para o sujeito se identificar com a natureza, o tema, o momento e o propósito de seu trabalho. O texto ainda pontua os fatores que podem obstruir e deixa receitas e dicas, mas seria preciso acrescentar que nem sempre é fácil para um jovem saber sobre seus anseios, assim como ter ferramentas para gerenciar sua própria carreira ou coragem e maturidade para  buscar  suas paixões no campo profissional, quando (e se) as conhece. Em geral as qualidades técnicas cada vez mais exigidas no mundo corporativo e as ofertas de bons salários para os mais competentes criam um mundo imaginário de carreiras promissoras, às vezes sem o real conhecimento sobre  os “altos custos” de dedicação ou de submissão à exigências de todos os tipos. Sabemos quão difícil é para todos validar a si e os seus recursos perante os outros.Por outro lado, falar sobre o “novo mundo” do trabalho exige que se analisem as transformações ocorridas nas últimas décadas e se assinale o quanto o crescimento do poder do consumidor e a importância das redes sociais contribuíram para o que hoje é considerado um grande valor: a qualidade ou  aquilo que fará com que o produto ou serviço oferecido seja visto como diferenciado do resto. Isto permitiu a abertura de um campo em que a criatividade e a inovação pudessem ser consideradas o motor e as pessoas o ponto de partida e de chegada das empresas, que por este motivo, passaram a tentar mudar seus planos de gestão tradicional, investindo em novos modelos principalmente do que hoje se chama gestão de pessoas. Em visita recente à Califórnia, pude conhecer uma empresa que tem sido considerada um dos melhores lugares do mundo para se trabalhar. Com 6.500 empregados nos Estados Unidos (sem contar os que vivem em outros países, inclusive no Brasil) a Google, que se encontra sediada no conhecido Vale do Silício e que revolucionou os sistemas de busca na internet, também se tornou em pouco tempo a companhia de mídia com maior valor de mercado nas bolsas americanas. Minha curiosidade, porém, passava pelo fato de ser uma empresa fundada e mantida toda ela por jovens desta geração. Mais, por jovens fissurados em TI (tecnologia da informação) e incentivados a contribuírem com suas idéias, não só relativas ao trabalho, mas ao próprio funcionamento da empresa. Esbanjando uma estética colorida (há bicicletas espalhadas enfrente aos blocos para a circulação das pessoas) chamou minha atenção a liberdade das vestimentas, mas principalmente a liberdade de movimentação entre blocos ou ambientes: há um permanente vai e vem de grupos de jovens (de etnias diferentes), não há horários restritos para o uso das inúmeras cafeterias gratuitas (com vários tipos de cereais, doces, castanhas, iogurtes, cenouras, frutas frescas, sucos naturais), assim como há diferentes opções de cozinhas nos vários restaurantes (também gratuitos). No horário do almoço  as mesas espalhadas pelos espaços entre blocos enchem os olhos pelo colorido dos jovens que ali se sentam. Integradas ao ambiente de trabalho é fácil ser surpreendido por mesas de sinuca, pingue-pongue, pebolim ou grupos jogando videogames. As seleções são participativas e cada um é convidado a dar seu parecer (positivo ou não) sobre o trabalho que os colegas estão desenvolvendo.Tantas regalias e boas novas levaram-me a perguntar à jovem que nos guiava se ela acreditava naquele modelo Google, ou seja, se também para ela ali seria um dos melhores lugares para se trabalhar. Ela nos contou que havia sim uma preocupação importante com o bem estar dos funcionários e um incentivo interessante para o convívio amistoso e de trocas em diversas dimensões. Mas confessou que há dois anos alocada  na área de advocacia, a qual pretendia inicialmente desenvolver com cursos extras, havia descoberto que sua antiga paixão - tornar-se enfermeira- precisava ser revista com mais carinho. Estava decidida a ir atrás deste sonho. Pensei que na verdade não há garantias - por parte de empresa alguma - de que ali você será finalmente feliz. Também não há garantias por parte dos funcionários de que eles serão eternamente gratos ou fisgados por quaisquer benefícios oferecidos pelas empresas. Mas é bom saber que em alguns lugares, empresa e trabalhador podem conviver em um ambiente de trocas de responsabilidades e compromissos, um lugar em que a liberdade seja um valor para ambos.

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