quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Feridas expostas


Por ocasião das ultimas Olimpíadas de Londres várias reportagens de diferentes jornais aproveitaram o tema para publicarem textos que ressaltavam fatos da longa história deste evento, muitos sobre as tensões advindas das dificuldades da convivência inevitável com a diversidade dos povos e suas culturas. Uma delas relembrava a realizada em1936 em Berlim, palco das Olimpíadas de Hitler, que aproveitou a ocasião para fazer uma pomposa propaganda de seu regime tornando-a um momento histórico de sua glória, a despeito do desejo do Comitê Olímpico Internacional de vetar tal acontecimento diante do mal estar da ascensão do 3º Reich. Em 1972 a Alemanha sediava novamente as Olimpíadas e quem sabe pretendendo sacodir um pouco tanta poeira construiu a Vila Olímpica de Munique com capacidade para 16 mil pessoas, e um estádio (75 mil m²) que exibia uma inovadora obra de arquitetura, com teto suspenso de lona transparente. Mas na manhã do dia 5 de setembro, um grupo de palestinos da organização Setembro Negro invadiu os dormitórios da delegação israelense, assassinou dois de seus atletas e fez outros nove de reféns em troca da libertação de 200 árabes prisioneiros em Israel. Por muito pouco a Olimpíada não se interrompeu. Qualquer um que decida visitar Berlim nos tempos atuais não conseguirá deixar de lado a historia desta cidade que carrega as cicatrizes mais violentas da historia (e da alma) alemã. Afinal não é pouca coisa ter sido a sede da ascensão e queda do nazismo (e seus horrores) e em seguida ser dividida em duas, “cedendo” ao longo de anos uma parte de seu corpo ao regime comunista soviético. No entanto o que mais surpreende é perceber que hoje a cidade expõe suas feridas sem nenhuma concessão, lado a lado com as melhores atrações das vanguardas culturais, artísticas e musicais. Exemplo disso é a visita que se pode fazer a partir do histórico Portão de Brandemburgo, marco do inicio da cidade no século XIII, saqueado por Napoleão em 1806, terra de ninguém no período pós- segunda guerra e principal ícone da queda da Cortina de Ferro em 1989. Pode-se conferir como Berlim lida com seu passado ao caminhar alguns quarteirões a partir dali em direção ao Memorial do Holocausto (2005), uma enorme e contundente sequência de pilares retangulares de concreto cinza escuro que lembram lápides de túmulos, com alturas variadas. Idealizado pelo arquiteto americano Peter Eisenman em memória aos judeus mortos sob o regime de Hitler- embora não haja nenhuma menção às estas vítimas - convida o visitante tanto ao sentimento de paz e liberdade quanto ao de claustrofobia ao recriar um clima de isolamento e desorientação nos altos corredores. Próximo dali, em outro capítulo da história a céu aberto, é possível ver partes do Muro de Berlim ou suas cicatrizes marcadas nas ruas, visitar a sala do Silêncio (ONU) que incita os visitantes a refletirem sobre a paz, se inteirar sobre a vida do lado socialista de Berlim no memorial e Centro de Documentação do Muro que esmiúçam sua construção e queda, assim como os curiosos métodos utilizados para atravessar a fronteira. Tudo isso ao redor da agora moderníssima praça Potsdamer ,vinte e três anos atrás  cortada pelo muro (que chegou a ter mais de 150 quilômetros de extensão),em que também é possível visitar o recém aberto centro de documentação Topografia do Terror, construído sob os antigos calabouços do aparelho policial nazista, quartel-general da SS e da Gestapo, onde mais de 15 mil adversários do regime foram aprisionados e torturados. Intrigante é também perceber que este passado histórico e seus fantasmas não impedem Berlim de ser louvada por sua cultura, salsicha e cerveja, uma cidade que recebe de braços abertos muitos estrangeiros, muitos jovens, artistas, abriga uma enorme comunidade de turcos e exibe uma das melhores economias da Europa. Se é fato  que suas cicatrizes compõem sua identidade, não há como não reverenciar certa coragem na exposição de sua alma.

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