Por ocasião das ultimas Olimpíadas de Londres várias
reportagens de diferentes jornais aproveitaram o tema para publicarem textos
que ressaltavam fatos da longa história deste evento, muitos sobre as tensões advindas
das dificuldades da convivência inevitável com a diversidade dos povos e suas
culturas. Uma delas relembrava a realizada em1936 em Berlim, palco das
Olimpíadas de Hitler, que aproveitou a ocasião para fazer uma pomposa propaganda
de seu regime tornando-a um momento histórico de sua glória, a despeito do
desejo do Comitê Olímpico Internacional de vetar tal acontecimento diante do
mal estar da ascensão do 3º Reich. Em 1972 a Alemanha sediava novamente as
Olimpíadas e quem sabe pretendendo sacodir um pouco tanta poeira construiu a
Vila Olímpica de Munique com capacidade para 16 mil pessoas, e um estádio (75
mil m²) que exibia uma inovadora obra de arquitetura, com teto suspenso de lona
transparente. Mas na manhã do dia 5 de setembro, um grupo de palestinos da
organização Setembro Negro invadiu os dormitórios da delegação israelense,
assassinou dois de seus atletas e fez outros nove de reféns em troca da
libertação de 200 árabes prisioneiros em Israel. Por muito pouco a Olimpíada
não se interrompeu. Qualquer um que decida visitar Berlim nos tempos atuais não
conseguirá deixar de lado a historia desta cidade que carrega as cicatrizes
mais violentas da historia (e da alma) alemã. Afinal não é pouca coisa ter sido
a sede da ascensão e queda do nazismo (e seus horrores) e em seguida ser
dividida em duas, “cedendo” ao longo de anos uma parte de seu corpo ao regime comunista
soviético. No entanto o que mais surpreende é perceber que hoje a cidade expõe suas
feridas sem nenhuma concessão, lado a lado com as melhores atrações das vanguardas
culturais, artísticas e musicais. Exemplo disso é a visita que se pode fazer a
partir do histórico Portão de Brandemburgo, marco do inicio da
cidade no século XIII, saqueado por Napoleão em 1806, terra de ninguém no
período pós- segunda guerra e principal ícone da queda da Cortina de Ferro em
1989. Pode-se conferir como Berlim lida com seu passado ao caminhar alguns
quarteirões a partir dali em direção ao Memorial do Holocausto (2005), uma
enorme e contundente sequência de pilares retangulares de concreto cinza escuro
que lembram lápides de túmulos, com alturas variadas. Idealizado pelo arquiteto
americano Peter Eisenman em memória aos judeus mortos sob o regime de Hitler-
embora não haja nenhuma menção às estas vítimas - convida o visitante tanto ao
sentimento de paz e liberdade quanto ao de claustrofobia ao recriar um clima de
isolamento e desorientação nos altos corredores. Próximo dali, em outro capítulo
da história a céu aberto, é possível ver partes do Muro de Berlim ou suas
cicatrizes marcadas nas ruas, visitar a sala do Silêncio (ONU) que incita os
visitantes a refletirem sobre a paz, se inteirar sobre a vida do lado
socialista de Berlim no memorial e Centro de Documentação do Muro que esmiúçam sua
construção e queda, assim como os curiosos métodos utilizados para atravessar a
fronteira. Tudo isso ao redor da agora moderníssima praça Potsdamer ,vinte e
três anos atrás cortada pelo muro (que chegou
a ter mais de 150 quilômetros de extensão),em que também é possível visitar o
recém aberto centro de documentação Topografia do Terror, construído sob os
antigos calabouços do aparelho policial nazista, quartel-general da SS e da
Gestapo, onde mais de 15 mil adversários do regime foram aprisionados e
torturados. Intrigante é também perceber que este passado histórico e seus
fantasmas não impedem Berlim de ser louvada por sua cultura, salsicha e
cerveja, uma cidade que recebe de braços abertos muitos estrangeiros, muitos
jovens, artistas, abriga uma enorme comunidade de turcos e exibe uma das
melhores economias da Europa. Se é fato que
suas cicatrizes compõem sua identidade, não há como não reverenciar certa
coragem na exposição de sua alma.
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