Para quem não
conhece, os filmes do diretor canadense David Cronenberg, embora cultuados,
dirigem-se àquela parcela que curte e está sempre ligada à sétima arte e seus
artistas (autores) singulares, já que em geral são bizarros e violentos
principalmente por privilegiar os aspectos mais “animalescos” da espécie
humana. Mas não era esta temática que ele anunciava no ultimo festival de
Cannes (maio/2012), quando apareceu para a mídia ao lado do super-queridinho, o
“bom e sedutor” vampiro Robert Pattinson da saga Crepúsculo, para falar de seu
novo filme “Cosmópolis” cuja estreia no Brasil aconteceu no inicio deste mês. Ainda
que considerado difícil e pesado pela crítica em geral, a estória pretende ser
uma sátira-filosófica da crise geral de nossos tempos. No papel de um jovem e bem
sucedido investidor da era digital, assiste-se ao personagem de RP passar um
dia dentro de sua arrojadíssima limusine equipada para ser seu escritório,
tentando chegar ao destino desejado, um barbeiro de infância com o qual quer
cortar seu cabelo. É neste trajeto que ele irá rever o sentido de sua vida ao
ser confrontado com situações inesperadas. Durante este percurso, cada
personagem dos muitos que entram e saem de seu “office-car” estará
representando e questionando uma fração significativa do modo de viver
contemporâneo. Embora o diretor tenha dito em várias entrevistas que seu filme
é sobre a esperança e que para se falar de esperança é necessário criticar duramente
os modelos falidos criados por nós, os personagens, o diálogo, a intensidade, o
humor acabam por produzir um certo mal estar, um tom excessivo. Na semana
passada, em sua coluna semanal da Folha de SP, Vladimir Safatle parecia
surpreso diante da resposta de sua filha de 12 anos a uma pergunta sua sobre
como ela supunha ser o mundo em 2030. Imaginando que uma criança pudesse ter
uma visão de um mundo que poderia ser moldado segundo seu desejo, a filha, ao
contrário, apontava um futuro em que as cidades precisariam controlar as
pessoas, as pessoas seriam obesas e os celulares funcionariam com hologramas,
um espectro nem tão positivo. De certa maneira Safatle conclui como Cronenberg,
que em momentos como estes, em que parece que vivemos uma grande crise, um certo
caos e a falta de futuros à vista a anunciar o fim de uma era da sociedade como
a conhecemos, há mais a criticar do que a sonhar. Por isso é mais cauteloso com
a esperança, ao concluir que em um primeiro momento ela é recusada (como sua
filha mostrou) para então retornar quando certas portas e saídas se abrem. Nesta
semana entrou em São Paulo Tropicália, um documentário que apresenta um recorte
da arte e da cultura do Brasil entre os anos 1967 e 1972, quando Caetano e Gil retornam
de seu exilio em Londres. A década de 60 é lembrada pela historia ocidental
como aquela em que os jovens de vários países quebraram inúmeros tabus e
reivindicaram a liberdade de pensar, de agir, de amar, de cantar e de mudar
muitas das falidas convenções. Embora o Brasil neste período tenha sido
assolado pela censura cada vez mais dura da ditadura militar, o movimento
tropicalista foi um aglutinador da cultura da época ao criar um tempero que
incluía da música dos Beatles aos Mutantes e à Jovem Guarda, da banda de Pífaros
de Caruaru aos sons afrobaianos, da bossa nova ao samba, do teatro de Zé Celso
Martinez ao cinema novo de Glauber, além
da arte inovadora de Oiticica. Era um Brasil que buscava alguma identidade, uma
cara nova. No final do documentário, as imagens da festa que recepcionava os
baianos recém-chegados do exilio também aparecem sendo assistida pelos dois setentões,
Gil e Caetano, emocionados, olhos marejados, como a conferir no pós- tempo, os
resultados das intuições vividas na época sem que eles o soubessem. Demasiadamente
humanos, os artistas (e os jovens) de todas as épocas costumam antecipar
caminhos que eles mesmos desconhecem, ainda. Talvez porque o espírito da época
não nos pertença, nós é que pertencemos a ele.
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