Documenta de Kassel? Já tinha ouvido falar sobre
esta exposição de arte contemporânea que acontece a cada cinco anos na Alemanha
e me empolguei com a ideia ir até lá conferir sua fama. Depois de uma semana de
mergulho na cultura berlinense nada parecia mais apropriado, inclusive pela oportunidade
de viajar pelos moderníssimos trens alemães. Cidade de uns 200 mil habitantes,
Kassel recebe a todos que chegam a sua estação para a Documenta com um tapete
vermelho. Um jeito simpático e de certa maneira despojado de anunciar a
importância deste período de cem dias em que a cidade é sede desta respeitada mostra.
Também um jeito de avisar os desavisados (meu caso) que se está diante de um
evento muito maior do que se imagina. Em sua 13ª edição, a primeira foi idealizada
em 1955 por Arnold Bode, professor de arte e design que, diante de uma Alemanha
pós-guerra devastada (também) culturalmente pela ditadura nazista, pretendia
abrir um amplo debate sobre as artes, preservar as tendências e reposicionar a
Alemanha no circuito internacional cultural. Quando se é um visitante do país
na atualidade, não é difícil se deparar com este espírito de reconstrução não
só geográfica, política ou cultural, mas moral. Há um grande empenho não mais
em romper com a herança sombria do passado, mas em repara-la continuamente. O
primeiro olhar de quem desce na estação central da cidade fica capturado pelo
“colorido” formado pelas pessoas. São muitos os que fazem parte do mundo das
artes e se organizam para estar em algum momento na cidade. E quando se tem
apenas dois dias um planejamento dos espaços e artistas a serem visitados é
mais do que necessário. De cara somos imersos em um mundo habitado por pessoas
que pensam a arte atual como uma forma de surpreender, de trazer novos sentidos
ao que já se conhece. De apresentar nosso mundo arte-cultural como um enorme
espaço sem fronteiras, mesmo quando são apresentadas suas diferenças e marcas. Uma
arte engajada, que quer pensar o futuro da vida humana por meio de todos os
debates possíveis, em relação à natureza, as novas formas de política, a
sustentabilidade ou ainda nas formas de sobrevivências econômicas, éticas e emocionais.
Arte em movimento, sempre a absorver os novos conhecimentos, a se renovar. Para
a curadora desta edição, a escritora ítalo-americana Carolyn
Christov-Bakargiev, uma arte que não é feita apenas por artistas, mas que inclui
historiadores, filósofos, físicos, ativistas ambientais, todos convidados a
refletir sobre as incertezas e os riscos que nos rondam, sobre a situação do
mundo atual. Por isso seu time foi composto por gestores provenientes das áreas
de artes, filosofia, biologia, física, antropologia, política, arquitetura e economia,
e as obras de 150 artistas de 55 países, escolhidas sem que o critério fosse necessariamente
fazer parte das estrelas do cenário contemporâneo. Utilizando, além dos museus
e o parque, um grande e eclético numero de espaços espalhados pela cidade para
as obras - a nova e a velha estação de trem, hotéis, bunker, campo de
concentração, um hospital desativado - o panorama geral estava mais para o
sensível e significativo do que para o espetacular e majestoso. Talvez o
exemplo mais interessante desta caracterização seja os dois trabalhos da dupla
canadense Janet Cardiff e George Miller.
Em um deles, talvez o mais genial, cada visitante deveria seguir o monitor de um
Ipod em uma visita guiada pela voz da artista na movimentada estação de trem,
percorrendo o mesmo percurso que ela fez no dia da gravação do vídeo,
surpreendendo-se com as intervenções de bandas, bailarinas, vozes, sons de pelotões
nazistas, silêncios ou ainda interrupções artificiais. É inevitável que o passado
e o presente, o real e o virtual se entrelacem. A mesma dupla assina outro
emocionante “sound art”, com caixas instaladas entre as árvores do Karlsaue
Park ( o majestoso parque da cidade) que recriam os bombardeios da segunda
guerra mundial, o transporte de judeus aos campos de concentração e termina com
vozes maravilhosas de um coral. Belíssimo!
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