No dia 04 de julho de 2013 o programa Milênio do
canal Globo News exibiu uma entrevista com o autor do livro “O Leitor” - o
jurista e escritor Bernhard Schlink - em
que este declarava que ser alemão tinha um peso à parte, referindo-se ao fato
de seu país ter que conviver com um dos maiores crimes cometidos contra a
humanidade durante a segunda guerra mundial. Uma carga especial, uma culpa
específica, da qual ninguém poderia escapar. Mas também revelava que, embora as
novas gerações soubessem dessa dívida, o que era muito bom, a sensação de culpa
tendia a diminuir, mas a responsabilidade não poderia jamais. O livro foi
escrito nos anos 90 sobre os anos 50, 60 quando na Alemanha ainda aconteciam
julgamentos de alemães que haviam servido o regime nazista. Em 2008 o livro
ganhou versão para o cinema, com direito ao Oscar de melhor atriz para Kate
Winslet. Muito bonito, o filme conta a história de Michael Berg, um garoto de
15 anos que conhece casualmente Hanna Schmitz, uns 20 anos mais velha, por quem
se apaixona e com quem vive intensamente suas primeiras experiências sexuais.
Sem revelar muito sobre si, Hanna, que não sabe ler e sente muita vergonha disso,
vive momentos de felicidade com o ritual das leituras dos clássicos de
literatura que o rapaz faz em seus encontros eróticos. Mas de forma misteriosa
desaparece sem deixar vestígios. Anos mais tarde, já como estudante de direito,
ao comparecer com seu professor e colegas para assistir a um julgamento de
criminosos do regime nazista, Michael reconhece Hanna no banco dos réus. Para
uma Alemanha pós-guerra, está ali contemplado muitos dos conflitos vividos pelas
gerações mais novas que questionavam incessantemente os pais/familiares pela
colaboração ou omissão diante das atrocidades cometidas pelo Terceiro Reich.
Lembrei-me desta Hanna ao assistir recentemente o filme sobre outra, a filósofa
judia "Hannah Arendt", em que se relata sua decisão de presenciar o
julgamento de Adolf Eichmann em Israel, em1960 (um dos últimos líderes nazistas
vivos então), com o compromisso de escrever cinco artigos para a revista New
Yorker, que viriam a dar origem ao livro "Eichmann em Jerusalém – um
relato sobre a banalidade do mal". Aproveitando algumas imagens reais
deste julgamento o filme privilegia as expressões /reflexões da surpresa de
Hannah diante de um Eichman que para ela teria praticado uma "normalidade
burocrática", por ser incapaz de pensar/avaliar o mal de suas ações. São
estes os sentimentos - ambivalentes, duros, difíceis- que o estudante de
direito Michael vive no julgamento de “sua” Hanna. Imaginando poder ganhar mais
como funcionária nazista, ela teria aceitado a troca oferecida para sair da
Siemens, onde trabalhava. Seu sonho? Aprender a ler e a escrever. Ao ser
questionada pelo júri sobre seus atos durante este período, demonstra não
perceber a implicação das ordens a que se submetera como guarda de prisioneiros
judeus, todos mortos. Seu pecado? Escolhia algumas mulheres que pudessem ler
livros para ela. Suas colegas, todas rés e sob as mesmas acusações se
aproveitam de seu alheamento, deixando para ela o fardo da culpa de todas. Uma
cumpridora de regras, diria Hannah Arendt. Perplexo e paralisado, Michael
assiste ao julgamento em meio às lembranças de “daquela” Hanna, a sua. Tenso, não
pode revelar este passado singelo e “vergonhoso” aos pares, mas “sabe” que
precisa abater da culpa de Hanna, sua alienação. A banalidade do mal seria essa “desistência”
ou impossibilidade de pensar sobre o que se é e, portanto preferir ou deixar-se
colonizar pelo desejo de um outro. Esta seria a matriz do alheamento em relação
a si e paradoxalmente da crueldade para com o próximo. Para muitos, uma forma
de se proteger do “inferno”, ou melhor, dos custos de se viver.
Para conferir:
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