domingo, 13 de outubro de 2013

A humanidade do mal


No dia 04 de julho de 2013 o programa Milênio do canal Globo News exibiu uma entrevista com o autor do livro “O Leitor” - o jurista e escritor  Bernhard Schlink - em que este declarava que ser alemão tinha um peso à parte, referindo-se ao fato de seu país ter que conviver com um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade durante a segunda guerra mundial. Uma carga especial, uma culpa específica, da qual ninguém poderia escapar. Mas também revelava que, embora as novas gerações soubessem dessa dívida, o que era muito bom, a sensação de culpa tendia a diminuir, mas a responsabilidade não poderia jamais. O livro foi escrito nos anos 90 sobre os anos 50, 60 quando na Alemanha ainda aconteciam julgamentos de alemães que haviam servido o regime nazista. Em 2008 o livro ganhou versão para o cinema, com direito ao Oscar de melhor atriz para Kate Winslet. Muito bonito, o filme conta a história de Michael Berg, um garoto de 15 anos que conhece casualmente Hanna Schmitz, uns 20 anos mais velha, por quem se apaixona e com quem vive intensamente suas primeiras experiências sexuais. Sem revelar muito sobre si, Hanna, que não sabe ler e sente muita vergonha disso, vive momentos de felicidade com o ritual das leituras dos clássicos de literatura que o rapaz faz em seus encontros eróticos. Mas de forma misteriosa desaparece sem deixar vestígios. Anos mais tarde, já como estudante de direito, ao comparecer com seu professor e colegas para assistir a um julgamento de criminosos do regime nazista, Michael reconhece Hanna no banco dos réus. Para uma Alemanha pós-guerra, está ali contemplado muitos dos conflitos vividos pelas gerações mais novas que questionavam incessantemente os pais/familiares pela colaboração ou omissão diante das atrocidades cometidas pelo Terceiro Reich. Lembrei-me desta Hanna ao assistir recentemente o filme sobre outra, a filósofa judia "Hannah Arendt", em que se relata sua decisão de presenciar o julgamento de Adolf Eichmann em Israel, em1960 (um dos últimos líderes nazistas vivos então), com o compromisso de escrever cinco artigos para a revista New Yorker, que viriam a dar origem ao livro "Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal". Aproveitando algumas imagens reais deste julgamento o filme privilegia as expressões /reflexões da surpresa de Hannah diante de um Eichman que para ela teria praticado uma "normalidade burocrática", por ser incapaz de pensar/avaliar o mal de suas ações. São estes os sentimentos - ambivalentes, duros, difíceis- que o estudante de direito Michael vive no julgamento de “sua” Hanna. Imaginando poder ganhar mais como funcionária nazista, ela teria aceitado a troca oferecida para sair da Siemens, onde trabalhava. Seu sonho? Aprender a ler e a escrever. Ao ser questionada pelo júri sobre seus atos durante este período, demonstra não perceber a implicação das ordens a que se submetera como guarda de prisioneiros judeus, todos mortos. Seu pecado? Escolhia algumas mulheres que pudessem ler livros para ela. Suas colegas, todas rés e sob as mesmas acusações se aproveitam de seu alheamento, deixando para ela o fardo da culpa de todas. Uma cumpridora de regras, diria Hannah Arendt. Perplexo e paralisado, Michael assiste ao julgamento em meio às lembranças de “daquela” Hanna, a sua. Tenso, não pode revelar este passado singelo e “vergonhoso” aos pares, mas “sabe” que precisa abater da culpa de Hanna, sua alienação. A banalidade do mal seria essa “desistência” ou impossibilidade de pensar sobre o que se é e, portanto preferir ou deixar-se colonizar pelo desejo de um outro. Esta seria a matriz do alheamento em relação a si e paradoxalmente da crueldade para com o próximo. Para muitos, uma forma de se proteger do “inferno”, ou melhor, dos custos de se viver.

Para conferir:

O Leitor - direção Stephen Daldry , com Kate Winslet, Ralph Fiennes, EUA , Alemanha 2008

Hannah Arendt – direção Margarethe Von Trotta , com Barbara Sukowa, Axel Milberg


 

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