segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Um pouco do que somos no que seremos


 
Desde o seu lançamento nos USA, o tão esperado filme sobre a vida de Steve Jobs, o criador da Apple e um dos maiores gênios da tecnologia contemporânea, tem frustrado a maioria das expectativas. Em cartaz desde o início de setembro/2013 no Brasil, “Jobs” parece desfrutar de uma espécie de consenso quanto às (más?) escolhas feitas por seu diretor diante das 632 páginas da biografia publicada em 2011 logo após a morte do protagonista. Em um rápido passeio pelas resenhas de alguns críticos as cobranças concentram-se tanto na falta dos fatos importantes de sua carreira como de detalhes de sua vida pessoal como os conflitos com seus colegas de juventude que tanto contribuíram para seu sucesso. Embora tenha assistido ao filme já contaminada por estas impressões e sem grandes expectativas, não posso dizer que não tenha me surpreendido. As primeiras cenas já anunciam (ou denunciam) o recorte pretendido pelo diretor. Em seu compasso diferente e solitário, Steve estaciona o carro e, como faz usualmente, dirige-se calado, sem olhar para os lados, a um pequeno e lotado auditório onde é ovacionado e anuncia ao microfone a mais recente e bombástica criação da Apple: o I-Pod. Ao final de um discurso rápido, mas orgulhoso, ele retira de seu bolso um aparelho que promete armazenar mil músicas em formato digital. Era o ano de 2001. Enquanto assistia, fiz rapidamente a conta desses 12 anos e pensei, emocionada, como esta invenção havia mudado para sempre a vida de pessoas comuns (como eu), amantes da música. Motivo de chacota de meus familiares, antes desta data e durante uns bons anos eu havia produzido ao menos oito fitas cassetes que pudessem compor um mix de minhas músicas preferidas, retiradas pacientemente de meu acervo de CDs. Em muitos momentos do filme, Jobs vai reiterar este propósito antecipatório, ao realizar desejos que nem sonhávamos que tínhamos. Sonhos de uma vida mais prática e confortável, que na atualidade passaram a ser mais possíveis para quem se dispõe a realiza-los. Corta. Desta cena retornamos ao Steve Jobs dos anos 70 na Califórnia, que acaba de desistir de sua faculdade, anda descalço, assiste apenas às aulas que lhe interessam como observador, viaja para a Índia e busca ansiosamente um sentido para a sua vida. Assim como muitos de sua época, ele engrossa o círculo dos “esquisitos” (nerds, hippies, místicos, militantes) desta pequena década dos anos 70, intensa em suas rupturas com a tradição e a partir da qual surgiriam inúmeros movimentos questionadores/transformadores na cultura ocidental. Quando Jobs tenta convencer seu amigo Woz (Steve Wozniak) sobre a ideia de transformar os computadores da época em pessoais ou domésticos, insiste que o acesso à internet e ao mundo virtual significava o mesmo que a invenção da roda, a partir da qual o mundo não teria sido o mesmo. Ainda que o filme dispense muitos detalhes da vida de Jobs, ele mantém um compromisso com a história recente ao problematizar o lugar do homem contemporâneo. Muito mais responsável pela sua própria existência, desejando romper com os destinos pré-estabelecidos pela família e pela cultura, Jobs é um homem que busca (e precisa) se auto inventar. O contraponto da jornada de invenção de si (presente e futura) é seu encimesmamento, um disfarce e uma proteção de suas fragilidades na árdua tarefa de tentar encontrar novas balizas. Passadas algumas décadas sabemos um pouco mais sobre os custos desta tão complexa tarefa que requer na almejada gestão de nós mesmos, um bom trânsito no contato conosco, nossa mente, nosso corpo, nossa história e com todas as pessoas, trabalho, ações, ideais, etc, intimados que somos a nos inventar, criar e recriar, construir-se, desconstruir-se, flexibilizar-se. Se Jobs perseguiu sua crença de realizar sonhos humanos inimagináveis dedicando-se “full time” a pensa-los, parece que foi ao custo de evitar sistematicamente tais contatos. Mas fica aqui minha reverencia a ele que pensou, idealizou e criou celulares e computadores cada vez mais sofisticadas e funcionais que facilitaram a vida de todas as pessoas e causaram uma verdadeira revolução antropológica.

Para conferir:  Jobs ( USA 2013)

Elenco: Ashton Kutcher, Josh Gad, Annika Bertea

Direção: Joshua Michael Stern

Nenhum comentário:

Postar um comentário