Desde o seu lançamento nos USA, o tão esperado filme
sobre a vida de Steve Jobs, o criador da Apple e um dos maiores gênios da
tecnologia contemporânea, tem frustrado a maioria das expectativas. Em cartaz
desde o início de setembro/2013 no Brasil, “Jobs” parece desfrutar de uma
espécie de consenso quanto às (más?) escolhas feitas por seu diretor diante das
632 páginas da biografia publicada em 2011 logo após a morte do protagonista.
Em um rápido passeio pelas resenhas de alguns críticos as cobranças
concentram-se tanto na falta dos fatos importantes de sua carreira como de
detalhes de sua vida pessoal como os conflitos com seus colegas de juventude
que tanto contribuíram para seu sucesso. Embora tenha assistido ao filme já
contaminada por estas impressões e sem grandes expectativas, não posso dizer
que não tenha me surpreendido. As primeiras cenas já anunciam (ou denunciam) o
recorte pretendido pelo diretor. Em seu compasso diferente e solitário, Steve estaciona
o carro e, como faz usualmente, dirige-se calado, sem olhar para os lados, a um
pequeno e lotado auditório onde é ovacionado e anuncia ao microfone a mais
recente e bombástica criação da Apple: o I-Pod. Ao final de um discurso rápido,
mas orgulhoso, ele retira de seu bolso um aparelho que promete armazenar mil
músicas em formato digital. Era o ano de 2001. Enquanto assistia, fiz
rapidamente a conta desses 12 anos e pensei, emocionada, como esta invenção
havia mudado para sempre a vida de pessoas comuns (como eu), amantes da música.
Motivo de chacota de meus familiares, antes desta data e durante uns bons anos
eu havia produzido ao menos oito fitas cassetes que pudessem compor um mix de
minhas músicas preferidas, retiradas pacientemente de meu acervo de CDs. Em
muitos momentos do filme, Jobs vai reiterar este propósito antecipatório, ao
realizar desejos que nem sonhávamos que tínhamos. Sonhos de uma vida mais prática
e confortável, que na atualidade passaram a ser mais possíveis para quem se
dispõe a realiza-los. Corta. Desta cena retornamos ao Steve Jobs dos anos 70 na
Califórnia, que acaba de desistir de sua faculdade, anda descalço, assiste
apenas às aulas que lhe interessam como observador, viaja para a Índia e busca
ansiosamente um sentido para a sua vida. Assim como muitos de sua época, ele engrossa
o círculo dos “esquisitos” (nerds, hippies, místicos, militantes) desta pequena
década dos anos 70, intensa em suas rupturas com a tradição e a partir da qual
surgiriam inúmeros movimentos questionadores/transformadores na cultura
ocidental. Quando Jobs tenta convencer seu amigo Woz (Steve Wozniak) sobre a
ideia de transformar os computadores da época em pessoais ou domésticos,
insiste que o acesso à internet e ao mundo virtual significava o mesmo que a
invenção da roda, a partir da qual o mundo não teria sido o mesmo. Ainda que o filme
dispense muitos detalhes da vida de Jobs, ele mantém um compromisso com a
história recente ao problematizar o lugar do homem contemporâneo. Muito mais
responsável pela sua própria existência, desejando romper com os destinos pré-estabelecidos
pela família e pela cultura, Jobs é um homem que busca (e precisa) se auto
inventar. O contraponto da jornada de invenção de si (presente e futura) é seu
encimesmamento, um disfarce e uma proteção de suas fragilidades na árdua tarefa
de tentar encontrar novas balizas. Passadas algumas décadas sabemos um pouco
mais sobre os custos desta tão complexa tarefa que requer na almejada gestão de
nós mesmos, um bom trânsito no contato conosco, nossa mente, nosso corpo, nossa
história e com todas as pessoas, trabalho, ações, ideais, etc, intimados que somos
a nos inventar, criar e recriar, construir-se, desconstruir-se,
flexibilizar-se. Se Jobs perseguiu sua crença de realizar sonhos humanos inimagináveis
dedicando-se “full time” a pensa-los, parece que foi ao custo de evitar
sistematicamente tais contatos. Mas fica aqui minha reverencia a ele que
pensou, idealizou e criou celulares e computadores cada vez mais sofisticadas e
funcionais que facilitaram a vida de todas as pessoas e causaram uma verdadeira
revolução antropológica.
Para conferir: Jobs ( USA 2013)
Elenco: Ashton Kutcher, Josh Gad, Annika Bertea
Direção: Joshua Michael Stern
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