sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Ser pai, mãe, filho, filha...

A maioria de nós acredita ser a busca da felicidade um dos maiores valores de nossas vidas. E embora o que nos torne feliz ou a idéia de felicidade seja particular e se articule com o momento histórico em que vivemos, existem alguns ícones culturais que comungam de um certo consenso quanto a sua importância. A constituição de uma família é sem dúvida um destes valores sagrados. Por isso quase todos deitam seus olhares às famílias, julgam as condutas de seus membros, aprovam, desaprovam ou criticam como se tivessem certeza quanto aos lugares certos de cada coisa, tal como um jogo de sete erros em que basta assinalarmos na imagem o que está fora de lugar. A família como a conhecemos (pai, mãe e filhos) certamente carrega desde sempre esta idealização, assim como suas contradições. Sofremos muito com nossas culpas ao imaginar que nossas famílias em nada se parecem com esta imagem feliz (claramente idealizada) em que o pai tinha autoridade e sabia como educar seus filhos, os rituais eram seguidos à risca, a mãe se ocupava do bem estar de todos, os filhos cresciam “normais” e preparados para seguirem seus destinos. Ficamos entre esta versão nostálgica e queixosa ou buscamos de forma gratuitua o modelo oposto da família “moderninha”, com pais fraternos e inseguros, mães libertas e permissivas, filhos e filhas críticos e/ou desajustados. Por onde buscar o que é ser homem, o que é ser mulher, o que é ser pai, mãe, filhos? Questão complexa, já que vivemos em um mundo com novas regras. Piores? Melhores? Diferentes, com certeza. Não somos mais os mesmos pais, mães e filhos. Nem os mesmos homens e mulheres. Ficamos sem muitas referencias e nestas últimas 50 décadas tivemos que construir na “raça” novos modelos. Entre erros e acertos, sabemos hoje que não se nasce homem ou mulher e tornar-se um deles implica em um tumultuado percurso. Se o lugar social destinado às mulheres teve um deslocamento gigante, é claro que isto teve conseqüência para o lugar destinado aos homens. Se nós mulheres passamos a desejar, a amar, a ter uma profissão, a nos divertir, a fazer parte integral da cultura e da sociedade, era mais do que esperado que tais mudanças questionassem o mundo aparentemente arrumado dos homens, cujas novas gerações já começam a encarar a si próprios. Neste sentido não só as mulheres, mas também os homens se encontram em pleno estado de errância, em um mundo novo em que deveriam estar mais autorizadas as falhas e as inseguranças. Sem um chefe da família, os casamentos são parcerias, com pactos que cada dupla constrói para gerenciar seus direitos e deveres, assim como as separações não são mais evitadas quando estes pactos afundam e se perdem. E a decisão de ser pais? Questão difícil, envolta em mitos e crenças em torno de um modelo de mãe sagrada, cujo instinto maternal por si só já lhe concederia os requisitos necessários para exercer esta função de entrega amorosa aos filhos. Quem é ou foi mãe sabe bem que ter um filho é se afastar do mundinho conhecido, mais ainda daquele idealizado, com promessas de felicidade absoluta. Não só não habitamos o nirvana quando nos tonarmos mães, como muitas vezes nos descabelamos, sentimos raiva, choramos desesperadas, nos arrependemos, nos sentimos loucas. Assunto tabu, mantido em segredo, difícil de ser partilhado mesmo entre mulheres que se sentem envergonhadas e culpadas ao imaginar que estes sentimentos são provas de incompetência e de incapacidade de amar seu(s) filho(s). Se a maternidade é este túnel sem final à vista, no qual só se entra quando se quer muito, ou quando não se tem opção, a paternidade também não está mais descrita previamente. Longe do modelo autoritário, muitos pais começam a escrever novas páginas sobre suas difíceis experiências de paternidade. No mais que bem-vindo mundo compartilhado, muitos trocam fraldas e aprendem sem constrangimentos a difícil arte de cuidar de seus bebês. Para complicar, os pais e mães têm que conviver não só com suas próprias expectativas em relação ao futuro de seus filhos, mas com o acúmulo de atenções da cultura sobre a infância em geral, o que aumenta e muito seus sentimentos de incompetência e sua insegurança diante de suas frágeis ferramentas parentais. Sabemos apenas que nossos pimpolhos precisam de nossos cuidados e muitos de nós queremos fazer o melhor. Assim, sem muitos caminhos a seguir, tentando construir pontes mais resistentes, ser pai e mãe são hoje apenas destinos possíveis, erguidos com trabalho, encima de sucessos e fracassos reiterados. E podem ser melhores se deixarmos de lado a figura mítica da família idealizada,este paraíso perdido que insistimos em manter como referencia de uma feliz eficiência.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Razão e sensibilidade

Aos 80 anos o ator e diretor Clint Eastwood parece habitar aquele limbo perseguido por alguns, a tal da sabedoria, que longe de ser um acúmulo de conhecimentos, é uma conquista que exige converter o que se aprende em algo que faça sentido, que conceda respostas sobre si e o mundo. Figura tarimbada e antiga do cinema acostumamo-nos a vê-lo desfilar os tipos hollywoodianos como ator, antes que ele começasse a se deslocar para as câmeras e utilizá-las como lentes de sua visão de mundo. Apostando que o cinema pode sim intervir na consciência da realidade e que um bom filme pode fazer um retrato histórico daquele momento que apreende e ajuda a recontar o passado, ele coloca alguns holofotes para iluminar um pedaço importante da historia da África do Sul e seus conflitos. “Invictus” começa com a eleição de Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul, um líder político reverenciado pela população negra e por uma minoria branca politizada, mas que ficou confinado durante quase três décadas em uma prisão em Robben Island. As leis de segregação racial já existiam na África antes da segunda guerra mundial, mas ganharam força a partir de 1948 com a vitória do Partido Nacional ( os“afrikaners”) que estabeleceu a existência de quatro grupos distintos na sociedade, brancos, negros, mulatos e asiáticos, vivendo em locais determinados, bem definidos socialmente e separados entre si. O apartheid atingia assim a habitação, o emprego, a educação e os serviços públicos e favorecia ostensivamente a permanência no poder de uma minoria branca. À maioria negra restavam trabalhos forçados e condições de vida precária. Foi só a partir de 1990, que o então presidente Frederick de Klerk, acuado pelas pressões estrangeiras que passaram a condenar oficialmente o apartheid, liberta seus líderes políticos. O mundo globalizado imanava seus ideais de homogeneidade e exigia dos regimes políticos e das religiões o fim das diversas formas de preconceito e segregação. Mandela assume um país imerso em uma das piores crises econômicas, ciente de que sua eleição intensifica a rusga entre brancos e negros. Sua África está à beira de uma guerra civil. A partir daí Clint Eastwood nos dá a impressão de fazer das idéias e pensamentos deste líder, as suas palavras. Na época com 75 anos, Mandela intui que não basta fazer um vago e benevolente apelo à tolerância e ao respeito, nem proclamar a existência da igualdade como se ela fosse natural e essencializada. Que a diferença, sendo algo que nós produzimos, não é algo que se apaga ou se ignora e que uma intervenção na produção da diferença exige estratégias que dêem conta da dinâmica e da complexidade das questões humanas e das relações de poder que permeiam as definições de quem é igual e quem é diferente. “Invictus” é também o poema de um autor inglês, lido e relido por Mandela, que o utilizou para manter a esperança e a sanidade durante os longos anos que esteve preso. Um trecho em especial, dá o tom da mensagem de Clint, pelas idéias de Mandela : "Não importa o quão estreito seja o portão e quão repleta de castigos seja a sentença, eu sou o dono do meu destino, eu sou o capitão da minha alma". É o futuro e a coragem de encarar seu leque de possibilidades que pode permitir o confronto com os conflitos e abrir caminhos para novas verdades. Se o esporte pode unir países, etnias e inimigos em torno de uma paixão, o rúgbi (ícone da “tribo” branca sul-africana) será usado para reconciliar negros ressentidos e brancos temerosos.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A condição humana

Provavelmente nenhum leitor de jornal desconhece a coluna do nosso querido Veríssimo, há anos habitando a última página do caderno de Cultura de domingo do Estadão. E para seus fãs, é sempre alentador e muitas vezes surpreendente, compartilhar de seu humor crítico. Dividida entre uma tira que disseca os dilemas de uma família média brasileira (As aventuras da família brasil) e um pequeno texto contendo algum tema analisado de forma irônica, sua coluna traz juntos a leveza e a profundidade e deixa transparecer toda a sua sensibilidade para analisar nossa condição humana. Pode-se dizer que o humor, hoje, é um recurso largamente usado na mídia, que da reportagem à charge tenta atenuar certas verdades, imprimir leveza às críticas e, claro conquistar seu leitor. Bem empregado, o humor pode contrabalançar os aspectos conflitivos e polêmicos do dia a dia, abordar temas tabus como o sexo e a morte ou ainda desfilar as dificuldades sociais, econômicas ou pessoais de certos momentos de nossa história. Em sua coluna do dia 24 de janeiro último, Veríssimo faz uma paródia com a peça “Esperando Godot” do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), conhecido como um autor do teatro do absurdo. Em “Esperando Godot” dois vagabundos (Vladimir e Estragon ) conversam sob uma árvore de onde não podem se afastar porque precisam esperar por um Godot que nunca chega. O espectador é convidado a compartilhar daquela espera e passa de inquieto e instigado à impaciente já que nada muda, nada acontece e nem mesmo Godot aparece. Durante décadas seus críticos questionaram o que o autor teria tentado dizer: seria esta impotência parte da condição humana, que condena a todos por seu desamparo, à espera de um Godot ( Deus?) que lhe traga alguma esperança? É sobre esta polêmica que Veríssimo decide intervir ao nomear sua crônica de “Entra Godot”. No mesmo cenário em que Vladimir e Estragon esperam Godot, eis que ele finalmente aparece e desconcerta aos dois personagens que já estariam acostumados a encenar indefinidamente a peça sem sua presença. Godot passa então a reivindicar sua parte na trama já que seu nome figura no título, mas se vê obrigado a contra argumentar diante do sentido que sua ausência teria para os outros personagens. É justamente por não se saber quem é ele, se existe ou não, se ele é Deus ou simplesmente representa a condição de solidão da humanidade e/ou sua crença em alguma salvação divina, que os demais personagens ganham forma em sua espera. Com a presença de Godot a espera fatalmente acabaria, e isso desconcerta a todos. O que fazer? Godot, Vladimir e Estragon acabam concordando que o fim da espera pode apontar para a liberdade ao invés da impotência. Graças ao livre-arbítrio do homem, Godot pode entrar na peça à revelia de seu autor e eles podem sim improvisar um novo fim. Sem dúvida uma bem humorada sacada que convida à reflexão sobre nossa condição humana, esta que pode ser interpretada como trágica em seu estreito nascer, viver e morrer ou simplesmente como algo em devir, que aposta na capacidade de cada ser humano em inventar e dirigir o complexo leme de sua vida. O próprio humor pode ser uma das lentes para se olhá-la.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O Haiti (não) é aqui

“...pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados...
presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos”

Esta parte da letra da música de Caetano Veloso nos oferece a oportunidade de pensar sobre o Haiti, palco de uma das piores tragédias do início desta nova década. E como esquecer? Como ficar indiferente às cenas que retratam de forma chocante o horror das mortes e da destruição das cidades e o olhar de impotência ou mesmo a penúria dos que assistem e sofrem? E muito mais do que questionar a fúria da natureza é tomar conhecimento do desastre que a precedia, ou seja, da precariedade e da miséria material em que viviam (vivem?) a grande maioria de sua população. É saber que neste país, tomado por tropas estrangeiras ( lideradas pelo Brasil) em missão de paz da ONU (ou militar?) que se dispunham a reconstruí-lo, nada funciona: há uma falência total do Estado e de qualquer serviço público para socorrer as vítimas. Não há bombeiros, não há defesa civil, não há atendimento médico e não existe governo. Sem “cimento”, as construções precárias feitas de tijolos de areia desmoronam como água. O Haiti é o país mais pobre da América, ali falta energia elétrica todos os dias e cerca de 80% da população está desempregada. Quem sabe, como diz a letra de Caetano, os haitianos sejam pobres demais e negros demais para ter os mesmos direitos que outros cidadãos do mundo e habitam um país pequeno, um ponto escuro e negro da América, sobre o qual pouco se sabe e que desde a sua independência da França, em 1804, ficou de certa forma à margem da comunidade internacional, desinvestido. Entretanto, motivo de orgulho de todo haitiano, o Haiti é o único país onde os escravos conseguiram se libertar e constituir a primeira República negra do mundo em um processo de independência diferente de outras nações, geralmente comandados pela burguesia. E o que será do Haiti quando as cenas de saque, revolta e sofrimento pela falta de comida e água saírem do cotidiano de nossos noticiários? A mídia mostrava há poucos dias os entreveros e disputas dos países para efetivar uma ajuda humanitária. O Haiti e sua gigantesca miséria têm sido terreno fértil para ONGs que trabalham ali há décadas e recebem grandes financiamentos. Mas parece que a maioria destas ONGs seguem uma lógica que não e é a da ajuda, da prevenção e da estabilização visando à reconstrução da infraestrutura e à construção de serviços públicos no país e sim a lógica das políticas econômicas de países ricos em relação à países pobres e em desenvolvimento. Em meio a tantas, funciona como oásis ler os textos de alguns estudantes de antropologia da Unicamp que estavam no Haiti para pesquisar seu povo e sua cultura (acesso pelo blog http://lacitadelle.wordpress.com/ ). É alentador perceber que existem jovens que perseguem a profundidade política e social com pitadas de perspicácia emocional o que lhes concede a sensibilidade para almejar um mundo onde a diversidade seja realmente respeitada, em que todos sejam valorizados pelo que são e pelo que conseguem fazer. Em que as discriminações sejam impedidas e a igualdade, efetivamente promovida, deixando de ser mera retórica. Jovens que buscam caminhos para que possam existir ações específicas em favor de grupos e segmentos sociais em situações de privação e sem condições de fazer uso adequado das políticas mais universais. Na música de Caetano, o Haiti poderia ser em qualquer lugar, este lugar que revela o lado selvagem do humano. Pensem no Haiti, rezem pelo Haiti.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Retrospectiva

O final do ano de 2009 ficou marcado pela fúria com que a Natureza reagiu à ocupação de seus espaços sem uma política que inclua um cuidado e uma análise sobre a sua sustentabilidade. E por tabela nos ofereceu a oportunidade de refletir sobre os nossos tempos, nosso país e nossa cultura. É comum assistirmos filmes em que são retratadas as diferenças culturais entre a Europa e os USA, ou ainda entre os países do Velho Mundo com sua tradição aristocrática e as Américas, este Novo Mundo que passou a fazer parte da história das civilizações somente a partir do século XV, e inventou novos modos de viver ao ter que desbravar territórios virgens, se adaptar a diferentes climas e escolher incluir, excluir ou se misturar aos seus nativos. Também são comuns as análises entre as diferenças culturais das Américas a depender de seus colonizadores: Espanha e Inglaterra foram hegemônicas em suas conquistas e coube a nós sermos parte de Portugal. Tal resumo pretende apenas marcar nossas idiossincrasias, fruto destas heranças históricas que incluem uma mistura singular da cultura e da política de nossa colônia portuguesa, com o clima quente e a exuberância de nossa natureza, para pensar o Rio de Janeiro como o reduto que mais se aproxima desta vertiginosa alquimia. De passagem por esta cidade no início deste ano, andei por suas ruas apreciando seu cenário natural imponente, atenta aos sons de suas ruas fartamente habitadas. Ocorreu-me que a partir de meados de dezembro até o carnaval algumas cidades do Brasil se transformam em territórios super povoados de pessoas que buscam aproveitar este mix de feriado, sol, praia, diversão, o que marcaria uma entre muitas de nossas diferenças com o Norte do hemisfério global, que enfrenta neve e temperaturas baixíssimas neste período do ano. Os que já viveram em países mais frios e cinzentos sabem como o sol e sua luminosidade podem fazer diferença nos humores e nos amores. No Rio de Janeiro desfilam tipos caricatos que compõem nossa brasilidade, aquela que apesar de nossos protestos encanta a grande parte dos estrangeiros, seja por sua cordialidade espontânea, pela hospitalidade (muitas vezes temperada com certa displicência e muita precariedade) ou pelo interessante convívio entre classes e etnias. Além disso, o jeito carioca de ser inclui a espantosa mistura entre as precauções diante da ameaça constante de assaltos ou conflitos entre polícia e traficantes, ao lado de uma extrema confiança na capacidade de cada cidadão em exercer a solidariedade. Basta perder-se por suas ruas e praias para perceber que seu povo faz ativamente uma troca espontânea de cuidados, sugestões e conversas, o que passa a idéia de que cada um sabe da existência do outro e aposta que pode contar com ele. Longe de tentar complexizar estas constatações ou articulá-las aos nossos mitos de origem, a maneira com que as pessoas se relacionam umas com as outras, os estilos das trocas que fazem e a capacidade destas de transformar estranhos em conhecidos ou em pessoas íntimas, inimigos em amigos, amigos em melhores amigos, não é pouca coisa. Solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos na realidade? Pode ser. Se formos este povo meio indeterminado que reúne tantos contrastes ( étnicos, religiosos, sociais) impossíveis de se ajustarem, talvez nossa propagada “ginga”possa auxiliar-nos a constituirmos um coletivo ( rede) à qual lá no íntimo acreditamos fazer parte. No excesso do calor ou das chuvas ainda podemos apostar em um 2010 que nos faça mais sentido.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Balançando a década

De um lado as comemorações pelos 20 anos da queda do muro de Berlim, celebradas em torno do tema que talvez seja o mais caro para nós modernos, a liberdade, tanto como um ideal arduamente buscado por muitas gerações, quanto pelo custo que sua conquista demanda permanentemente. De outro, a frustrada tentativa em Copenhagen de construir um acordo multilateral, uma política ambiental global em que principalmente os países desenvolvidos pudessem se comprometer com medidas importantes para um desenvolvimento sustentável, ajudando assim a lembrar a todos os habitantes do planeta, sua responsabilidade para com o futuro. Ambos os fatos, a gestão de nossa liberdade e da sustentabilidade não só marcam o ano ( e a década) que se encerrou, como trazem em seu bojo questões que nos afetam e pedem direções futuras. Grande parte da população mundial assistiu emocionado o fim da fronteira que separou o lado ocidental e o oriental da cidade de Berlim por quase três décadas. Junto com a Alemanha, pudemos celebrar a vitória de sua liberdade econômica, política e moral . Construído em 1961, o muro foi palco de uma infinidade de filmes feitos por ocidentais que retratavam os perversos caminhos percorridos pelo exercício arbitrário do poder e da autoridade. Mas após sua queda, alguns diretores “nativos” puderam refletir de forma mais apurada sobre este período ao buscar pontuar sua complexidade atrás de um sentido. Lembremos que nas décadas que antecederam e sucederam a construção do muro, o mundo assistia a uma divisão maniqueísta entre direita e esquerda, socialismo e capitalismo, USA e União Soviética, o que acirrava a disputa e alimentava ambos os lados que se acreditavam senhores de uma verdade absoluta. Vivíamos uma era de grandes ideais políticos que incitava a todos compartilhar horizontes comuns, o que talvez explique a submissão (servidão?) de um povo a uma ideologia que, com a promessa de um mundo melhor e mais justo, passa a restringir de forma gradual e ascendente sua liberdade de informação e de expressão, acenando com uma felicidade etiquetada, que aos poucos se mostra deserta, sem espaços para as aspirações, pensamentos, projetos. Podemos dizer no entanto que os ideólogos desta facção, ao assumirem o poder , não agiram de forma tão surpreendente. Basta uma visada geral pelos políticos que hoje nos representam para perceber que na verdade eles portam uma parte do que somos ou do que faríamos se ali estivéssemos: relativizam suas próprias (más) condutas , transformam sua corrupção em favores, neutralizam sua displicência no trato da coisa pública, praticam a meritocracia em favor do nepotismo. Continuamos a ser estes seres ambíguos, principalmente quando o que está em questão são nossas escolhas morais. Mas ganhamos em liberdade, o que nos permite sempre abalizar os prós e contras que nos são impostos. Voltemos nossas luzes para Copenhagen. Das certezas absolutas daquelas décadas para o mar de incertezas de nosso mundo atual, precisamos construir novas referencias para viver o presente e o futuro e estas parecem exigir uma partilha na luta pela sobrevivência tanto nossa quanto de nosso mundo. Copenhagen é apenas um começo para a prática de um novo exercício, o de imaginarmos cenários mais desejáveis e compartilháveis para o nosso futuro. Que venha a próxima década!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Dalva e Herivelto

Parceiros de vida e de profissão, ambos com talento reconhecido pelo público brasileiro em geral, esta dupla de compositor/cantores foi palco de uma história de amor e ódio entre as décadas de 40 e 50 no Rio de Janeiro. De forma inusitada, já que ainda não havia uma mídia de imagens e notícias instantâneas e de longo alcance, grande parte de seus fãs puderam acompanhar tanto o enlace amoroso que gerou a formação de uma família e uma carreira de sucesso, quanto o final desta “felicidade” e a troca sem fim dos ressentimentos e ódios entre um e o outro, graças às suas composições (ou de amigos), todas endereçadas, primeiro ao amor, depois aos labirintos da vingança e seus coadjuvantes. Com início na última segunda-feira dia 4 de janeiro, esta minissérie da Rede Globo pretende remexer neste passado dramático, que de certa forma habitou os corações de algumas gerações. É possível enumerarmos algumas boas razões para se revisar a vida desta dupla pela mídia. Ambos são personagens importantes e queridos da história do samba e da música carioca, já não estão mais entre nós, seu filho mais conhecido (o cantor Peri Ribeiro) não só deu seu aval, como ofereceu um relato bibliográfico sobre o casamento e a separação de seus pais. Ou simplesmente por vivermos hoje em um mundo menos idealizado e mais diversificado no que diz respeito aos caminhos das relações amorosas, o que abriria um espaço novo para a aceitação de alguns de seus tristes destinos. Será? Uma radiografia mais apurada sobre nossos anseios e dilemas certamente nos revelaria que ainda dói e muito, a todos, acompanhar o final de uma história de amor. Dor que pode se intensificar se os motivos desta ruptura amorosa girar em torno de infidelidades. Resta-nos refletir por que compactuamos tão facilmente com quem padece as dores do amor e porque as infidelidades tanto dilaceram o coração de quem as sofre como provocam a comiseração dos as assistem. E por mais que tenhamos a chance de explicá-las de forma razoável em geral não conseguimos deixar de torcer pelo time dos que as condenam. De certa forma, em nossa sociedade moderna, o mito do amor romântico ainda nos impregna e adquire facilmente o lugar de algo que nos ultrapassa e ainda pode nos prometer uma união perfeita que acene com um sentido às nossas vidas. Tanto o amor entre pais e filhos quanto entre parceiros consegue desfrutar de uma certa unanimidade quanto ao seu valor e alimenta em cada um de nós, um percurso geralmente árduo de busca pelo parceiro(a) ideal, aquele que imaginamos poder aplacar nosso vazio e se encaixar em nossas faltas. Mas quanto mais idealizado é o lugar que imaginariamente construímos para este outro, mais nos afastamos das agruras cotidianas de qualquer convivência entre seres humanos, nos perdendo em nossos anseios de sermos especiais e exclusivos para alguém. É assim que a fidelidade passa a ocupar um lugar de prova deste amor que apostamos ser incondicional. Quem sabe insistimos nestes dogmas do amor pela dificuldade em abrir mão de uma espécie de garantia que o romance nos parece dar quanto ao desfecho das historias de amor que imaginamos. Demoramos para perceber (e muitos de nós não conseguem) que as relações amorosas não sobrevivem sem investimentos, cuidados, negociações e rearranjos permanentes. É este trabalho sem fim que poderá manter o amor e serão os pactos revistos indefinidamente que poderão administrar as infidelidades, não só as relativas ao exercício da sexualidade.