A expressão pão e circo remonta à lógica romana que acreditava que seu povo estaria satisfeito (e silencioso) diante do rumo de suas políticas sociais, religiosas ou éticas, se comida e prazer não lhe faltasse. Graças ao cinema, pudemos comprovar e até compartilhar do clima dos espetáculos que aconteciam nas arenas romanas, das competições e lutas sangrentas ou da catarse provocada pelas mortes em cena. Quanto ao percurso da cultura da fome, sabemos que nem sempre o pão esteve ligado ao circo. O comer e as práticas do cozinhar são considerados uma das primeiras expressões de cultura humana, que por estarem relacionadas à sua sobrevivência, continham um apelo permanente para transformar a natureza em algo exclusivo de sua espécie. E nesta passagem está implícito um quantum de prazer que foi sendo acrescentado ao ato de comer. Embora seja comum nos dias de hoje o uso desta dupla comer-prazer, o prazer do alimento já foi condenado e o ato de cozinhar e acrescentar iguarias para transformar um alimento natural em algo mais exótico e capaz de despertar o apetite e a paixão humana já foi encarado como uma alquimia de feiticeiras e bruxas prontas a exercer as tentações que culminariam com a perdição da alma humana. O jejum, assim como a reclusão e a abstinência sexual faziam parte do rol de repressões morais incentivadas a serem auto induzidas por cada crente a fim de se manterem longe dos pecados. Isso porque durante milênios os ideais religiosos foram os únicos grandes ideais, e, para alcançá-los, as pessoas deveriam aprender a se sacrificar, e até a sacrificar suas vidas. A moral moderna não perdeu seus valores, mas estes já não pressupõem sacrifícios tão severos. Por isso estão longe de nós os dias em que a função da comida deveria ser unicamente a da saciação de nossa fome. Hoje comemos com nossos olhos e podemos antecipar o prazer de degustar certas combinações de alimentos e especiarias somente com nossa imaginação. Desde o nosso nascimento,é comum que o ato de sermos alimentados com os nutrientes necessários ao nosso bom desenvolvimento físico,seja acompanhado de cuidados amorosos de nossos pais e familiares, que com histórias, caras e bocas nos oferecem ao longo de nossa existência infantil, uma enorme diversidade de gostos e delícias ( algumas nem tanto) à disposição neste nosso mundo de consumo. Cada um de nós marca em seu arquivo de memórias os cheiros e texturas destes alimentos da infância, compondo um estilo próprio ligado aos prazeres e desprazeres de então. Claro que mais tarde será possível ampliar esta experiência e levá-la a limites antes impensáveis , seja porque muito do ato de comer se liga hoje automaticamente ao prazer,seja porque o ato de cozinhar e preparar iguarias antes inimagináveis tornou-se uma prática a ser compartilhada prazerosamente a dois, ou junto aos bons e queridos amigos ou familiares. Ao menos parece que, à medida que a arte de degustar e apreciar uma cozinha diferenciada pressupõe a liberdade de experimentar o inusitado e o estranho, ampliando o espectro de nossas possibilidades, a alquimia concentra-se no endereçamento que fazemos aos que nos rodeiam.
Coluna do dia 05 de maio de 2009
segunda-feira, 6 de julho de 2009
domingo, 5 de julho de 2009
De qual azul falamos?
Idosos ao invés de velhos, afro-descendentes ao invés de negros/pretos/crioulos, portadores de necessidades especiais ao invés de deficientes. O dicionário do politicamente correto não só não cessa de aumentar, como funciona hoje mais como medida do certo e do errado e até do bem e do mal. Nascida nos USA, no intuito de fazer valer as leis dos direitos humanos contra os constrangimentos sociais provocados por quaisquer preconceitos ou discriminações, a expressão politicamente correto pretendia ser um arauto da igualdade entre os seres humanos, mas toma aos poucos um lugar de cartilha de bons costumes quase sem ligações com sua origem ideológica, reduzindo-se a um esforço de “elegância” ou “delicadeza”. Assim como esperamos que as pessoas não espirrem ou falem alto, as expressões do politicamente correto tornaram-se tentativas de agradar e ser cortês e não mais de evitar possíveis sentimentos hostis em nossa tarefa moral de reconhecer e respeitar o direito e a liberdade de cada semelhante para viver ou fazer as escolhas de vida que lhe cabem, sem que isto o coloque em situações desconfortáveis ou humilhantes. Por ser cartilha, passamos a fiscalizar e patrulhar os politicamente incorretos dos quais nosso presidente é um dos campeões. Rei de discursos inesperados e palavras mal colocadas, Lula causou polêmica com direito a vozes a favor e contra quando expressou seu ressentimento para com os brancos de olhos azuis, ou aqueles que em sua visão formariam a grande maioria da elite rica do ocidente, responsável pela quebradeira geral do mercado financeiro mundial. Sem pretensões de avaliar a fala de nosso presidente fartamente discutida pela mídia, apenas tomo-a como exemplo para refletir sobre o significado ambíguo do politicamente correto que muitas vezes faz uma discriminação ao contrário, apenas com o intuito de amenizar conflitos e polêmicas ou imputar o incorreto aos que assim julgamos inferiores. Na verdade a maior parte de nossas ações evita negar a nós mesmos o quanto escapamos ao controle de nossa razão e nos colocamos, sem nos darmos conta, sob o império de nossos desejos, seja para buscar satisfação, prazer e prestígio ou evitar frustrações. Também não notamos nossos sentimentos de inveja, desprezo ou raiva, e em um contínuo exercício de evitar ambigüidades optamos pelo “o inferno são os outros”. Assim, ao buscar um eterno retorno a alguma origem mítica em que haja só certezas e verdades sem questionamentos, ficamos a vontade em exercer nosso patrulhamento em qualquer fala espontânea ou irônica que deixe transparecer a fragilidade de nossos modelos, normas e convenções. Se o politicamente correto nasceu como uma reação aos preconceitos e à discriminação, hoje tornou-se caricatural e muitas vezes esconde sob sua máscara, uma velada censura a tudo o que confronta o esperado e o “normal” e desconstrói as expectativas. Mas este espaço "anormal" que tentamos evitar pode muito bem ser habitado pelo humor, aquele que inesperadamente nos mostra as fissuras de nossa tão sonhada perfeição e acusa com certa compaixão, nossa irmandade humana sempre ameaçada pelo desejo de poder, pela competição ou pela hostilidade. É no riso e porque não na gargalhada, que podemos nos sentir mais próximos uns dos outros, ao intuir que cada um tem seus limites, seus tropeços.
coluna do dia 07 de abril de 2009
coluna do dia 07 de abril de 2009
sábado, 4 de julho de 2009
Como 2 e 2 são 5
Há um consenso em torno do fato da literatura moderna ter sido um dos fatores que auxiliou o homem a aprender a falar de si. Desde que a leitura de livros tornou-se prática comum, é de praxe seguirmos indicando ou buscando indícios de narrativas que falem sobre o nosso mundinho e que contem estórias de personagens como nós, banais, às voltas com nossos desassossegos, angústias e dilemas, principalmente amorosos. Na semana passada noticiou-se o lançamento de mais um livro escrito por Chico Buarque, compositor de algumas das mais belas músicas brasileiras feitas nestas últimas décadas. Aguardado pela mídia que anunciou exaustivamente o sumiço do autor por estar concentrado neste projeto literário, Leite Derramado é a história narrada por seu próprio protagonista, o Sr. Eulálio Montenegro d'Assumpção ( com “p” mudo ), que tenta costurar as origens elitistas de sua família, sempre próxima ao poder, fosse do Império ou da República Velha, mas que se encontra abandonado em um hospital do Rio de Janeiro. Aos 100 anos, sem seus privilégios e poses, resta-lhe contar e recontar ( entre delírios e devaneios) sua vida aparentemente venturosa. Agradável e irônico, o livro tenta mostrar os ingredientes da ginga e do jeitinho brasileiro diante de questões de peso como a presença da escravidão, a convivência ambígua dos “brasileiros” com as diversas etnias que os compõem, a atração pelos privilégios de classe e sua capacidade corruptora de abrir portas sociais e bons negócios com os governos, mas traz como eixo principal e motor das lembranças deste ancião, sua paixão por Matilde. Morena de cor escura, mulata não confessa e bem ao gosto do desejo masculino, Matilde provoca lembranças ambíguas a este marido e narrador, que mesmo contra as expectativas de sua mãe, casa-se com ela e é em seguida abandonado em pleno período de amamentação de sua filha Maria Eulália. Os relatos de Eulálio se concentram neste breve mas intenso casamento, em que felicidade e traição serão o mote para as ficções que ele, bem ao modo de Bentinho e suas suspeitas não comprovadas sobre Capitu, irá construir a respeito do destino e das razões do sumiço de sua amada,odiada e desprezada esposa. Tal como o alicerce de qualquer construção, os romances nos capturam pela via destes elementos, mesmo que nos tragam informações históricas ou reflexões filosóficas mais nobres. O desejo de um homem por uma mulher ou a grande paixão de uma mulher por algum homem, os percalços desta busca humana por alguém especial que comprove, ainda que por algum tempo, que se pode ser amado, a descrição das dores provocadas pelo ciúme, sempre presente, sejam os motivos reais ou fantasiosos. Este trivial triângulo amor-ódio- ciúmes é o responsável pelas fantásticas cores de felicidade, prazeres, dores e sofrimento, que fazem parte das relações amorosas de todos. São nossas relações amorosas desde nossa infância, as responsáveis pela construção de nossas ficções. São elas que servem de ponte de contato com o mundo e nos auxiliam na composição de um lugar para nós, além de nos fornecer uma história que poderemos achar especial, mas que trará em seu bojo a repetição destes anseios de cada um.
coluna do dia 03 de março de 2009
coluna do dia 03 de março de 2009
quinta-feira, 2 de julho de 2009
heróis e/ou vítimas
São inúmeros os filmes americanos que trazem a figura de veteranos da guerra do Vietnã, em geral vítimas de um heroísmo culposo, em que as insígnias ou medalhas recebidas como reconhecimento, são guardadas ao lado da memória trágica de mortes sem sentido. Muitas vezes estas figuras são apenas sobreviventes que lutam sem cessar com suas lembranças. Afinal a guerra, é bom que não esqueçamos nunca, é aquele período em que matar um outro ser humano, em geral um interdito universalmente aceito, passa a ser não só permitido como incentivado, a ponto de nomearmos como inimigos às vezes, pessoas que fazem (ou faziam ou ainda farão) parte de nosso cotidiano. O herói de guerra em geral reverenciado pelo seu país, vive quase sempre esta mistura ingrata entre ocupar um lugar idealizado e romântico de homem destemido e corajoso, capaz de lutar pelas causas mais nobres e resolver sem pestanejar os mais difíceis obstáculos, ao lado de seu inferno de lembranças que coloca em dúvida quase sempre, a própria capacidade humana ( incluída a de si próprio) de ser capaz de amar e conviver com seu semelhante. Ninguém melhor do que Clint Eastwood para encarnar tal herói. Em seu último filme, Gran Torino, em cartaz na capital, ele dirige e encena um ex-combatente da guerra da Coréia que mora em um decadente bairro americano de Detroit invadido por imigrantes. Seus vizinhos são “chinos”, assustados e impotentes diante da guerra das gangues (mexicanos, coreanos e negros) que buscam aliciar seus conterrâneos para engordar suas equipes e fazerem parte de um mundinho paralelo de poder em troca de proteção e dinheiro. "Não há escolha para os meninos," diz Sue, referindo-se ao destino de seu irmão, assediado insistentemente pela gangue de sua etnia. Não estamos longe dos pequenos brasileiros que se infiltram no mundo do tráfico das favelas por falta de outras alternativas. Walt Kowalski, personagem de Clint, encarna a contradição do herói de guerra vietnamita que tem horror às suas lembranças de matador, mas não só guarda todos os tipos de armas prontas para serem usadas contra possíveis perturbadores, como odeia a invasão de seu bairro por estes “chinos” que mal falam sua língua, não cortam sua grama e não cuidam dos telhados de suas casas. Ainda que romanceado, o filme vai tratar dos caminhos desta dificil convivência, mas nos lembra um cenário cada vez mais comum da “guerra” surda que se assiste em alguns lugares da Europa e dos Estados Unidos a respeito das relações entre os nativos e os imigrantes. Em períodos de crise financeira mundial, em que estas duas grandes potências assistem sua economia ser solapada, seus imigrantes que quase sempre elegeram os novos lugares para sobreviver,não só ficam jogados à sua própria sorte, mas ao serem nomeados inimigos, passam a encarnar o mesmo e velho fantasma que alimentam as grandes e pequenas guerras: transformam-se em objetos não desejados, passíveis de serem odiados em sua diferença e algumas vezes eliminados como dejetos sem valor humano.
coluna do dia 25 de março de 2009
coluna do dia 25 de março de 2009
In-certezas
O filósofo esloveno Zizek, que vive agitando de leste a oeste este nosso mundinho moderno com seus barulhentos discursos disse que vivemos tempos tão extraordinários, que precisamos compreender plenamente o que está acontecendo antes de podermos agir de modo sensato. “Me sinto como um mágico que mostra apenas cartolas, nunca coelhos", diz ele. Nossos conflitos não são mais direita contra esquerda, oriente contra ocidente, ou norte rico e sul pobre, apenas uma preocupação crescente e constante em cobrar das nações que respeitem os direitos humanos fundamentais de cada indivíduo e zelem pelos direitos econômicos e sociais. Zizek parece convidar-nos a refletir sobre o papel do filósofo na atualidade, que sem soluções definitivas para os caminhos humanos, busca incessantemente entender suas possibilidades. O fato é que o mundo tem se tornado de um lado um monte de indivíduos em busca de princípios seguros para viver e acreditar, e de outro instituições de quem se espera um discernimento na hora de protege-los contra os crimes e as violências dos que nunca irão cessar de transgredir. Foram poucos os que não se indignaram com o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho quando excomungou a mãe e a equipe médica que decidiu abortar os gêmeos que a criança de nove anos portava em seu útero, graças ao assédio sexual que sofria de seu “pai-drasto” desde os seis. Muitos dos mais fervorosos católicos sucumbiram diante do desumano destino da continuidade de tal gravidez. O fato não só suscitou discursos inflamados entre o presidente Lula e os representantes da igreja Católica, como repercutiu em toda mídia, abrindo ao público a possibilidade de refletir sobre as diferenças entre os discursos de fé de qualquer religião e os deveres de um Estado quando seus cidadãos são ameaçados em seus direitos de viver. Mas é interessante se deparar com comentários os mais diversos possíveis que, graças a internet, ficam ao acesso de todos que queiram buscar uma amostra da convivência dos diferentes discursos. Foi assim que pude ler em alguns blogs, comentários de católicos defendendo o bispo e suas convicções, o que traz a tona a questão que paira atrás desta disputa de verdades. Diante das leis católicas qualquer aborto é uma afronta contra a vida humana, a qual nenhum humano pode dispor ao seu bel prazer. Esta não é uma questão simples de se resolver já que para nós, ocidentais, a tradição da moral católica que exalta a condição humana a ser especial e não uma espécie animal que estaria no topo da escala evolutiva, proclama a vida intra-uterina como algo a ser zelado sem questionamento. Por outro lado, as religiões incitam seus seguidores a contemplarem o mundo dos não religiosos como um vasto teatro de imorais, condição para que cada seguidor possa se sentir íntegro e moralmente superior. Fica assim facilitado ao crente seguir sem pestanejar os preceitos de sua religião que em troca lhe promete as certezas sobre si, o mundo, a vida, a morte. O episódio da menina de nove anos que engravida do pai apenas vem mostrar que as máscaras de certezas são duras até que comecem a rachar. E as rachaduras não são mais do que as dúvidas que não podem parar de crescer e nem de mudar com o tempo, enquanto as certezas são caminhos sem saída. Não é fácil a ninguém pôr pontos de interrogação em suas certezas e se permitir duvidar sem perder o rumo. Resta, portanto a quem não crê em certezas absolutas, interrogar a tudo o que lhe é imposto contando apenas com sua confiança no valor da vida e tendo como companhia as incertezas. Os coelhos da mágica de Zizek seriam as promessas da certeza, que devem ser evitadas.
Coluna do dia 17 de março de 2009
Coluna do dia 17 de março de 2009
quarta-feira, 1 de julho de 2009
As mulheres e os homens
Só faz três décadas, mas pelo menos na cultura mais ocidentalizada, o dia internacional da mulher já está incorporado ao calendário de todos. Nossas caixas de e-mails se enchem de textos enaltecendo nossas garras, nossos feitos, nossas conquistas. Ganhamos cumprimentos, flores, trocamos umas com as outras elogios, enfim, sentimo-nos a altura da importância concedida pelo mundo ao nosso gênero. Vale lembrar que o dia 8 de março não foi escolhido aleatoriamente já que buscava marcar uma data histórica na luta das mulheres por seus direitos, acontecida em uma fábrica de Nova York no ano de 1857. Lá se vão um século e um tanto e podemos dizer, sem que isso soe como um anseio otimista, que o lugar reservado às mulheres na cena social (e sexual) foi alterado e ampliado. Teóricos de todos os campos se dedicam não só a apontar as mudanças importantes nas condições sócio-políticas da mulher e as simetrias quanto a distribuição de poder e de autonomia em relação ao sexo masculino, como também tentam prever qual será o cenário das próximas décadas diante destas transformações. Enfim, podemos dizer que neste último século, as luzes estiveram nos iluminando e os holofotes tentaram cobrir nossa história e as crenças, superstições, medos e enigmas com os quais os homens tentaram entender nossos desejos, nossa capacidade de gerar e criar outros humanos e nossos anseios de sair da margem das decisões sobre os rumos da humanidade. Mas estas mesmas luzes fizeram com que passássemos a olhar mais de perto um mundo masculino que se manteve intacto e inquestionável. Quem são, o que querem, de que precisam e o que temem os homens? Sempre chamados a defender, proteger e lutar para manter os tesouros, a pátria e a descendência ou buscar soluções para os desafios que a natureza impunha, os homens jamais puderam questionar seu lugar de dono de todas as coisas e, portanto de machos fortes, viris e corajosos. Ser homem sempre significou não ser passivo, frágil ou covarde, além de ter que criar e mostrar o tempo todo aos outros homens as marcas de sua virilidade. Muitas vezes esta marca significou utilizar a mulher como um troféu, fosse pela destreza da conquista da dama mais cobiçada ou mesmo pela quantidade de mulheres seduzidas. Ainda que persista na cultura um pouco destas duas imagens, a das mulheres sem muito direito a escolhas e a dos homens que passam a vida provando sua masculinidade, sabemos que as próximas gerações de homens e mulheres terão que desenhar novas rotas para seus gêneros. Nem lá e nem cá, homens e mulheres são diferentes e assim deverão continuar. Mas homens e mulheres podem deixar estes antigos e mofados cânones cujas regras são prévias e ultrapassadas e construir caminhos mais criativos que combinem mais com nosso colorido e diversificado mundo contemporâneo. Atrasada, mas em tempo, parabéns a todas as mulheres neste 2009. E aos homens cuja sensibilidade permite saber serem elas uma parte importante de suas vidas.
coluna do dia 10 de março de 2009
coluna do dia 10 de março de 2009
O conforto da liberdade
A frase sempre repetida de que nunca se deve pertencer a um clube que nos queira como membro me soava estranha, mas talvez por ser demasiado familiar. Revirando as lembranças, tal frase passa a fazer sentido, já que evitei aceitar qualquer carteirinha que me filiasse à militância de alguma causa que exigisse paixão absoluta, mesmo que me custasse frustrar expectativas de algumas pessoas queridas. Na década de 70, por exemplo, época em que as universidades abrigavam um consistente movimento estudantil, esperava-se que cada aluno se filiasse a alguma das facções políticas. Os que se negavam a participar formavam o grupo dos “burgueses alienados”. Na outra ponta estavam os mais fanáticos, maoístas convictos, sempre prontos a catequizar aos que se dispusessem a estudar o sagrado livro vermelho e conhecer passo a passo a história da revolução chinesa. Para eles a China ainda mostraria ao resto do mundo (ao contrário da Rússia), que a ideologia marxista que apostava ser possível um mundo igual para todos, sairia vitoriosa e provaria ser viável social e politicamente. Aos olhos do mundo contemporâneo tal utopia não é só passado, mas ultrapassado, já que suas chances de realização se mostraram avessas às paixões humanas ocultas, estas que nos assediam implacavelmente e se derivam de nossa sede de poder e gozo, tornando a ambivalência a medida mais próxima de nossas aspirações solidárias e a tarefa de reconhecer a alteridade , exaustiva e infinita. Sabemos o quanto os sistemas totalitários destruíram em nome do amor, e legitimaram seu desejo de destruir pela exaltação apaixonada de muitos por uma mesma causa, ou seja comungando apaixonadamente pelo ódio ao diferente, efeito desastroso do amor ao idêntico. Mas a década de 70 também foi palco de uma das mais polêmicas e talvez a melhor revolução que a humanidade produziu. Esta revolução não foi imposta como uma cartilha a ser seguida ou como uma ideologia prêt-à-porter a ser engolida goela abaixo. Também não precisou de armas ou de aliciamentos. Ao contrário, ela foi uma revolução individualista, fruto do desejo de cada um de nós, que ao seu modo e à sua conveniência, ansiava por um mundo mais livre de constrangimentos, preconceitos e crenças sem sentidos que assolavam os costumes e as regras de convivência. Uma revolução de todos os que acreditavam sermos iguais na liberdade de decidir quem gostaríamos de ser, desde que isso não implicasse em prejuízos ao convívio com os outros. Quem assistir ao filme Milk – a voz da igualdade (Oscar de melhor ator para Sean Penn) poderá desfrutar do clima que os jovens da década de 70 viveram em torno de sua grande questão: encontrar um sentido, um propósito para suas vidas, baseados mais em suas próprias existências reais e em suas experiências cotidianas do que em antigas crenças, religiosas ou místicas, que ditavam verdades sem chances de contestações. Eram estas vivências que nos incitavam a buscar respostas sobre as razões de certas restrições aos nossos prazeres ou ainda os motivos pelos quais algumas pessoas deveriam ser rejeitadas, excluídas de seus direitos de cidadãos só por não terem a mesma cor de pele, a mesma religião, a mesma posição social ou ainda por fazerem escolhas sexuais diferentes do que era esperado. Passadas algumas décadas, podemos dizer que nossos filhos, mesmo à revelia de alguns, poderão desfrutar deste conforto. O conforto de serem livres para buscarem uma boa razão para viver em um mundo que oferece uma multiplicidade de opções para isso.
Coluna do dia 03 de março de 2009
Coluna do dia 03 de março de 2009
Assinar:
Postagens (Atom)