quarta-feira, 1 de julho de 2009

O conforto da liberdade

A frase sempre repetida de que nunca se deve pertencer a um clube que nos queira como membro me soava estranha, mas talvez por ser demasiado familiar. Revirando as lembranças, tal frase passa a fazer sentido, já que evitei aceitar qualquer carteirinha que me filiasse à militância de alguma causa que exigisse paixão absoluta, mesmo que me custasse frustrar expectativas de algumas pessoas queridas. Na década de 70, por exemplo, época em que as universidades abrigavam um consistente movimento estudantil, esperava-se que cada aluno se filiasse a alguma das facções políticas. Os que se negavam a participar formavam o grupo dos “burgueses alienados”. Na outra ponta estavam os mais fanáticos, maoístas convictos, sempre prontos a catequizar aos que se dispusessem a estudar o sagrado livro vermelho e conhecer passo a passo a história da revolução chinesa. Para eles a China ainda mostraria ao resto do mundo (ao contrário da Rússia), que a ideologia marxista que apostava ser possível um mundo igual para todos, sairia vitoriosa e provaria ser viável social e politicamente. Aos olhos do mundo contemporâneo tal utopia não é só passado, mas ultrapassado, já que suas chances de realização se mostraram avessas às paixões humanas ocultas, estas que nos assediam implacavelmente e se derivam de nossa sede de poder e gozo, tornando a ambivalência a medida mais próxima de nossas aspirações solidárias e a tarefa de reconhecer a alteridade , exaustiva e infinita. Sabemos o quanto os sistemas totalitários destruíram em nome do amor, e legitimaram seu desejo de destruir pela exaltação apaixonada de muitos por uma mesma causa, ou seja comungando apaixonadamente pelo ódio ao diferente, efeito desastroso do amor ao idêntico. Mas a década de 70 também foi palco de uma das mais polêmicas e talvez a melhor revolução que a humanidade produziu. Esta revolução não foi imposta como uma cartilha a ser seguida ou como uma ideologia prêt-à-porter a ser engolida goela abaixo. Também não precisou de armas ou de aliciamentos. Ao contrário, ela foi uma revolução individualista, fruto do desejo de cada um de nós, que ao seu modo e à sua conveniência, ansiava por um mundo mais livre de constrangimentos, preconceitos e crenças sem sentidos que assolavam os costumes e as regras de convivência. Uma revolução de todos os que acreditavam sermos iguais na liberdade de decidir quem gostaríamos de ser, desde que isso não implicasse em prejuízos ao convívio com os outros. Quem assistir ao filme Milk – a voz da igualdade (Oscar de melhor ator para Sean Penn) poderá desfrutar do clima que os jovens da década de 70 viveram em torno de sua grande questão: encontrar um sentido, um propósito para suas vidas, baseados mais em suas próprias existências reais e em suas experiências cotidianas do que em antigas crenças, religiosas ou místicas, que ditavam verdades sem chances de contestações. Eram estas vivências que nos incitavam a buscar respostas sobre as razões de certas restrições aos nossos prazeres ou ainda os motivos pelos quais algumas pessoas deveriam ser rejeitadas, excluídas de seus direitos de cidadãos só por não terem a mesma cor de pele, a mesma religião, a mesma posição social ou ainda por fazerem escolhas sexuais diferentes do que era esperado. Passadas algumas décadas, podemos dizer que nossos filhos, mesmo à revelia de alguns, poderão desfrutar deste conforto. O conforto de serem livres para buscarem uma boa razão para viver em um mundo que oferece uma multiplicidade de opções para isso.

Coluna do dia 03 de março de 2009

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