terça-feira, 7 de julho de 2009

Lóki

Quem não conhece a história dos Mutantes, grupo musical dos anos 70 que, junto ao movimento tropicália, foi responsável pelas mais criativas e irreverentes produções da época? Dali sairiam alguns hinos entoados por muitas gerações de jovens, além de nossa musa do rock brasileiro, Rita Lee. Casados, Rita e Arnaldo também sugeriam a formação de um par inovador, cujos comportamentos indicavam total consonância com os valores da contracultura, o movimento paz e amor, a estética psicodélica. Como todos os artistas que faziam parte deste momento cultural, as drogas, entre elas o chamado LSD, eram parte integrante de suas vidas. Mas os anos dourados desta formação de sucesso se desfez quando o casal se separou, culminando com a saída de Rita do conjunto. Apesar do espaço conquistado pelas letras criativas de Arnaldo Batista, a impressão que ficou no ar, é que ele não teria conseguido superar tal separação. Na semana passada, entrou em cartaz em São Paulo um documentário, Lóki, que tenta costurar este tempo em que o artista esteve vivendo in “off”. Idealizado por produtores mais jovens, que não tiveram a oportunidade de viver esta época áurea dos Mutantes, o filme contém este sentimento de descoberta amorosa e de tentativa de recuperar a importância do artista, surpreendendo o público ao divulgar depoimentos de fãs espalhados pelo mundo inteiro, dentre estes alguns de peso como Kurt Cobain ou Sean Lennon. Para quem viveu, curtiu e cantou como eu, as produções musicais da década de 70, o filme resgata o clima da época e o compromisso da maioria dos artistas jovens com um novo mundo que se abria, mais descompromissado com alguns valores tradicionais e mais livre para ousar e criar novos discursos, estilos e modos de ser e viver. Mas o documentário tem também um lado trágico: o mergulho de Arnaldo em um mundo paralelo, só seu. Embora seu irmão e colegas façam um discurso uníssono em torno da grandeza de sua arte e do papel decisivo do uso indiscriminado de LSD, há aqui e ali alguns indícios de que sua separação de Rita Lee teria provocado um rombo irrecuperável em seu mundo subjetivo. Longe de utilizar uma psicologia barata que junta trauma a um culpado, o filme tenta captar a complexidade de seu percurso, os limites de suas possibilidades e suas tentativas atuais de juntar seus pedaços nas telas que compõe compulsivamente. Jovens e adolescentes, os Mutantes despontaram do interior dos bairros paulistanos para o mundo novo da televisão e da fama. Sabemos como a adolescência é este período em que não somos mais crianças mas também não ganhamos ainda a reverencia do mundo adulto. Ficamos neste vão entre dizer o adeus necessário ao aconchego idealizado de nossa infância, e buscar alternativas fora deste mundinho infantil que passamos a não respeitar mais. É justamente por isso que a juventude se constitui no momento mais original da produção cultural e da renovação dos costumes. Particularmente nas décadas conhecidas pelo movimento da contracultura, havia no plano social um espaço importante de recepção deste novo, o que contribuiu para que as “revoluções adolescentes” fossem muito mais radicais. Mas a verdade é que nem sempre estamos preparados para enfrentar as conseqüências de vôos ousados e sem destino certo em uma etapa da vida em que nossa fragilidade é imensa e nossa auto-imagem incerta. Parabéns aos idealizadores do documentário que souberam evitar um enfoque estereotipado e preconceituoso sobre Arnaldo Batista, ao acolher com extrema delicadeza, a linguagem diferente e muitas vezes perturbadora de sua visão sobre si, sobre a vida e o futuro. Temos um mito.

Coluna do dia 23 de junho de 2009

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