domingo, 5 de julho de 2009

De qual azul falamos?

Idosos ao invés de velhos, afro-descendentes ao invés de negros/pretos/crioulos, portadores de necessidades especiais ao invés de deficientes. O dicionário do politicamente correto não só não cessa de aumentar, como funciona hoje mais como medida do certo e do errado e até do bem e do mal. Nascida nos USA, no intuito de fazer valer as leis dos direitos humanos contra os constrangimentos sociais provocados por quaisquer preconceitos ou discriminações, a expressão politicamente correto pretendia ser um arauto da igualdade entre os seres humanos, mas toma aos poucos um lugar de cartilha de bons costumes quase sem ligações com sua origem ideológica, reduzindo-se a um esforço de “elegância” ou “delicadeza”. Assim como esperamos que as pessoas não espirrem ou falem alto, as expressões do politicamente correto tornaram-se tentativas de agradar e ser cortês e não mais de evitar possíveis sentimentos hostis em nossa tarefa moral de reconhecer e respeitar o direito e a liberdade de cada semelhante para viver ou fazer as escolhas de vida que lhe cabem, sem que isto o coloque em situações desconfortáveis ou humilhantes. Por ser cartilha, passamos a fiscalizar e patrulhar os politicamente incorretos dos quais nosso presidente é um dos campeões. Rei de discursos inesperados e palavras mal colocadas, Lula causou polêmica com direito a vozes a favor e contra quando expressou seu ressentimento para com os brancos de olhos azuis, ou aqueles que em sua visão formariam a grande maioria da elite rica do ocidente, responsável pela quebradeira geral do mercado financeiro mundial. Sem pretensões de avaliar a fala de nosso presidente fartamente discutida pela mídia, apenas tomo-a como exemplo para refletir sobre o significado ambíguo do politicamente correto que muitas vezes faz uma discriminação ao contrário, apenas com o intuito de amenizar conflitos e polêmicas ou imputar o incorreto aos que assim julgamos inferiores. Na verdade a maior parte de nossas ações evita negar a nós mesmos o quanto escapamos ao controle de nossa razão e nos colocamos, sem nos darmos conta, sob o império de nossos desejos, seja para buscar satisfação, prazer e prestígio ou evitar frustrações. Também não notamos nossos sentimentos de inveja, desprezo ou raiva, e em um contínuo exercício de evitar ambigüidades optamos pelo “o inferno são os outros”. Assim, ao buscar um eterno retorno a alguma origem mítica em que haja só certezas e verdades sem questionamentos, ficamos a vontade em exercer nosso patrulhamento em qualquer fala espontânea ou irônica que deixe transparecer a fragilidade de nossos modelos, normas e convenções. Se o politicamente correto nasceu como uma reação aos preconceitos e à discriminação, hoje tornou-se caricatural e muitas vezes esconde sob sua máscara, uma velada censura a tudo o que confronta o esperado e o “normal” e desconstrói as expectativas. Mas este espaço "anormal" que tentamos evitar pode muito bem ser habitado pelo humor, aquele que inesperadamente nos mostra as fissuras de nossa tão sonhada perfeição e acusa com certa compaixão, nossa irmandade humana sempre ameaçada pelo desejo de poder, pela competição ou pela hostilidade. É no riso e porque não na gargalhada, que podemos nos sentir mais próximos uns dos outros, ao intuir que cada um tem seus limites, seus tropeços.


coluna do dia 07 de abril de 2009

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