segunda-feira, 6 de julho de 2009

Panis et circenses

A expressão pão e circo remonta à lógica romana que acreditava que seu povo estaria satisfeito (e silencioso) diante do rumo de suas políticas sociais, religiosas ou éticas, se comida e prazer não lhe faltasse. Graças ao cinema, pudemos comprovar e até compartilhar do clima dos espetáculos que aconteciam nas arenas romanas, das competições e lutas sangrentas ou da catarse provocada pelas mortes em cena. Quanto ao percurso da cultura da fome, sabemos que nem sempre o pão esteve ligado ao circo. O comer e as práticas do cozinhar são considerados uma das primeiras expressões de cultura humana, que por estarem relacionadas à sua sobrevivência, continham um apelo permanente para transformar a natureza em algo exclusivo de sua espécie. E nesta passagem está implícito um quantum de prazer que foi sendo acrescentado ao ato de comer. Embora seja comum nos dias de hoje o uso desta dupla comer-prazer, o prazer do alimento já foi condenado e o ato de cozinhar e acrescentar iguarias para transformar um alimento natural em algo mais exótico e capaz de despertar o apetite e a paixão humana já foi encarado como uma alquimia de feiticeiras e bruxas prontas a exercer as tentações que culminariam com a perdição da alma humana. O jejum, assim como a reclusão e a abstinência sexual faziam parte do rol de repressões morais incentivadas a serem auto induzidas por cada crente a fim de se manterem longe dos pecados. Isso porque durante milênios os ideais religiosos foram os únicos grandes ideais, e, para alcançá-los, as pessoas deveriam aprender a se sacrificar, e até a sacrificar suas vidas. A moral moderna não perdeu seus valores, mas estes já não pressupõem sacrifícios tão severos. Por isso estão longe de nós os dias em que a função da comida deveria ser unicamente a da saciação de nossa fome. Hoje comemos com nossos olhos e podemos antecipar o prazer de degustar certas combinações de alimentos e especiarias somente com nossa imaginação. Desde o nosso nascimento,é comum que o ato de sermos alimentados com os nutrientes necessários ao nosso bom desenvolvimento físico,seja acompanhado de cuidados amorosos de nossos pais e familiares, que com histórias, caras e bocas nos oferecem ao longo de nossa existência infantil, uma enorme diversidade de gostos e delícias ( algumas nem tanto) à disposição neste nosso mundo de consumo. Cada um de nós marca em seu arquivo de memórias os cheiros e texturas destes alimentos da infância, compondo um estilo próprio ligado aos prazeres e desprazeres de então. Claro que mais tarde será possível ampliar esta experiência e levá-la a limites antes impensáveis , seja porque muito do ato de comer se liga hoje automaticamente ao prazer,seja porque o ato de cozinhar e preparar iguarias antes inimagináveis tornou-se uma prática a ser compartilhada prazerosamente a dois, ou junto aos bons e queridos amigos ou familiares. Ao menos parece que, à medida que a arte de degustar e apreciar uma cozinha diferenciada pressupõe a liberdade de experimentar o inusitado e o estranho, ampliando o espectro de nossas possibilidades, a alquimia concentra-se no endereçamento que fazemos aos que nos rodeiam.





Coluna do dia 05 de maio de 2009

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