quarta-feira, 8 de julho de 2009

Menina –moça

A imagem da menina -moça Maisa, a nova sensação do programa do apresentador Silvio Santos, pode ser vista como um paradigma da complexidade de nosso mundinho atual, já que ela é ao mesmo tempo o protótipo das bizarrices sedutoras que a mídia pode oferecer ao público, e o resultado do grau de liberdade e de acesso que todos podem sonhar em alcançar em sua busca de sucesso e prestígio. Maisa e seus 7 aninhos,aparece em público vestida conforme o modelo da menina prodígio dos anos 30-40 de Hollywood , a atriz Shirley Temple, que muitos não devem se lembrar, mas que marcou o início de uma época em que as crianças passariam a ser atrizes. Assim, em uma jogada mercadológica, pretendeu-se juntar em uma mesma imagem, a lembrança nostálgica da infância inocente , com seus cabelos cacheados e loiros e a caricatura de um adulto em miniatura que em um passe de mágica, é independente e espontâneo, além de rápido e inteligente em suas respostas. Crianças- adultos que prometem a nós, seus pais, que poderão enfim realizar nossos sonhos de felicidade: zero de sofrimento com muito dinheiro fácil. Nada demais se tudo se passasse no plano encantado do imaginário, e não precisássemos lembrar que atrás desta menina pulsa um ser humano infantil. Com poucas exceções, a mídia tem preferido seguir a ideologia das estatísticas do IBOPE , a mesma do mestre Silvio Santos e divulgar as gafes, os choros, as tiradas infames, ou seja os acertos e erros de Maisa, ao invés de questionar os usos e abusos de sua imagem de criança e portanto de sua condição “real” de ser humano que necessita não só de cuidados, mas de referências, limites e princípios humanos norteadores. É certo que o modelo da adultez infantil nos fascina, ao acenar com a possibilidade de manter nossas crianças em um permanente “seja feliz”, sem que tenhamos que nos deparar com nossa responsabilidade de transmissão e, portanto de limites e restrições para a obtenção de valores humanos de respeito, de privacidade, de verdade, de identidade, de preservação. Discordo, porém, dos clamores que tentam moralizar nossa cultura como se ela fosse um simulacro enganador, assim como não acredito na volta aos antigos valores tradicionais para garantir uma “ordem e trabalho” que não encontra mais eco no bonde da história, que é bom lembrar, pode até parar, ir devagar, mas não tem volta. Acredito também que não podemos deixar de valorizar o fato de nunca termos sido tão livres e soberanos para discordarmos das ideologias, legislarmos sobre nossas crenças ou escolhermos sobre nosso agir moral. Mas se de um lado, ganhamos em mais liberdade, por outro, muitas vezes nos sentimos vulneráveis e carentes de orientação na adequação de nossas ações e das dúvidas entre o certo e o errado. Diante da fogueira das vaidades, sucumbimos facilmente às promessas de prestígio e visibilidade, o que muitas vezes nos aproxima de uma versão cínica do nosso agir moral, aquela em que não há avaliação objetiva de nossos atos e nossas motivações são apenas interesseiras, fronteira tênue para a sociopatia, em que o desprezo e a incapacidade de se conformar às normas sociais, permite que se engane e se manipule os outros sem remorso nem responsabilidade,impondo suas próprias regras ainda que estas desrespeitem o coletivo. Este talvez seja nosso grande desafio: sem muitas referências passadas, nossas apostas de uma boa vida no presente e no futuro dependem cada vez mais do nosso preparo para enfrentar nossas responsabilidades para com o próximo, filhos aí devidamente incluídos.



Texto publicado em 26 de maio de 2009

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