quinta-feira, 2 de julho de 2009

heróis e/ou vítimas

São inúmeros os filmes americanos que trazem a figura de veteranos da guerra do Vietnã, em geral vítimas de um heroísmo culposo, em que as insígnias ou medalhas recebidas como reconhecimento, são guardadas ao lado da memória trágica de mortes sem sentido. Muitas vezes estas figuras são apenas sobreviventes que lutam sem cessar com suas lembranças. Afinal a guerra, é bom que não esqueçamos nunca, é aquele período em que matar um outro ser humano, em geral um interdito universalmente aceito, passa a ser não só permitido como incentivado, a ponto de nomearmos como inimigos às vezes, pessoas que fazem (ou faziam ou ainda farão) parte de nosso cotidiano. O herói de guerra em geral reverenciado pelo seu país, vive quase sempre esta mistura ingrata entre ocupar um lugar idealizado e romântico de homem destemido e corajoso, capaz de lutar pelas causas mais nobres e resolver sem pestanejar os mais difíceis obstáculos, ao lado de seu inferno de lembranças que coloca em dúvida quase sempre, a própria capacidade humana ( incluída a de si próprio) de ser capaz de amar e conviver com seu semelhante. Ninguém melhor do que Clint Eastwood para encarnar tal herói. Em seu último filme, Gran Torino, em cartaz na capital, ele dirige e encena um ex-combatente da guerra da Coréia que mora em um decadente bairro americano de Detroit invadido por imigrantes. Seus vizinhos são “chinos”, assustados e impotentes diante da guerra das gangues (mexicanos, coreanos e negros) que buscam aliciar seus conterrâneos para engordar suas equipes e fazerem parte de um mundinho paralelo de poder em troca de proteção e dinheiro. "Não há escolha para os meninos," diz Sue, referindo-se ao destino de seu irmão, assediado insistentemente pela gangue de sua etnia. Não estamos longe dos pequenos brasileiros que se infiltram no mundo do tráfico das favelas por falta de outras alternativas. Walt Kowalski, personagem de Clint, encarna a contradição do herói de guerra vietnamita que tem horror às suas lembranças de matador, mas não só guarda todos os tipos de armas prontas para serem usadas contra possíveis perturbadores, como odeia a invasão de seu bairro por estes “chinos” que mal falam sua língua, não cortam sua grama e não cuidam dos telhados de suas casas. Ainda que romanceado, o filme vai tratar dos caminhos desta dificil convivência, mas nos lembra um cenário cada vez mais comum da “guerra” surda que se assiste em alguns lugares da Europa e dos Estados Unidos a respeito das relações entre os nativos e os imigrantes. Em períodos de crise financeira mundial, em que estas duas grandes potências assistem sua economia ser solapada, seus imigrantes que quase sempre elegeram os novos lugares para sobreviver,não só ficam jogados à sua própria sorte, mas ao serem nomeados inimigos, passam a encarnar o mesmo e velho fantasma que alimentam as grandes e pequenas guerras: transformam-se em objetos não desejados, passíveis de serem odiados em sua diferença e algumas vezes eliminados como dejetos sem valor humano.

coluna do dia 25 de março de 2009

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