quarta-feira, 1 de julho de 2009

Trapaça, sorte, destino e criatividade

Conta a lenda que o diretor britânico Danny Boyle se irritou com aqueles que compararam seu filme ( Quem quer ser um milionário, prêmio de melhor filme no Oscar deste ano) ao brasileiro Cidade de Deus. A comparação não é fortuita, a começar pelo nome original em inglês, Slumdog Millionaire, referência direta ao favelado Jamal que participa de um programa televisivo de perguntas e respostas de enorme audiência na Índia e está prestes a se tornar um milionário. Além disso, o filme explora as tentativas de sobrevivência destas crianças excluídas de qualquer possibilidade de uma rota de vida decente, ao mostrar as mais variadas soluções que os três mosqueteiros ( dois irmãos e uma menina) encontram para driblar sua orfandade prematura e seu desamparo absoluto. Com todo o esmero da produção de Bollywood, o promissor setor cinematográfico e motivo de orgulho dos indianos, não é a história, quase um conto de fadas contemporâneo, que faz deste filme um vencedor. Também não é só o peso da miséria mostrada em seu lado mais cru e o seu contraponto, ou seja, toda a impotência dos que vivem à margem de qualquer assistência privada ou pública e que por isso ficam sujeitos a todos os tipos de exploração. A genialidade é do diretor, que soube aproveitar tais ingredientes para seu roteiro e criar uma nova linguagem , transformando a vida comum dos favelados do mundo em algo instigante. O trio formado pelos dois irmãos, Salim e Jamal e pela linda Latika, três sobreviventes de um ataque de hindus aos favelados muçulmanos de Mumbai, tenta seguir vivendo no jogo de vida e morte que lhes demanda um drible constante, mas deixa suas marcas e impõe suas escolhas. Nada que nossos meninos de rua também não façam, como servir de guias a qualquer tipo de turismo ou pedir dinheiro nos faróis acompanhados de bebês nos colos ou de crianças cegas, ou seja, fazendo uso de qualquer artifício que possa seduzir ou constranger aos que deixarão algumas moedas. O que transforma em beleza este espetáculo sórdido é o forte laço selado entre os três. Salim cumpre sua sina de irmão mais velho sob a lembrança do grito de sua mãe para que fujam e escapem da morte. Ele vai cuidar e proteger seu irmão. Jamal se encarrega de cuidar de Latika, a menina que ele adota à revelia de seu irmão, mais preocupado com as rasteiras de todas as ordens que ele terá que se livrar. Assim o filme anuncia desde o seu início que o privilegiado e, portanto premiado com a sorte maior, será Jamal. É ele quem deverá ser poupado por seu irmão de toda a cumplicidade obrigatória que o mundo do crime demanda. É ainda ele quem deverá receber o amor de Latika , que jamais deixará de reconhecer o carinho com que Jamal a embalou. Por isso a mensagem do filme é e não é ao mesmo tempo aquele tipo de frase que diz que o amor pode salvar. Na verdade, quando é possível que o espaço do amor entre as pessoas sobreviva, ele, o amor, pode funcionar como uma aposta. Não é pouco saber que se é amado.


Coluna do dia 24 de fevereiro de 2009

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