quinta-feira, 2 de julho de 2009

In-certezas

O filósofo esloveno Zizek, que vive agitando de leste a oeste este nosso mundinho moderno com seus barulhentos discursos disse que vivemos tempos tão extraordinários, que precisamos compreender plenamente o que está acontecendo antes de podermos agir de modo sensato. “Me sinto como um mágico que mostra apenas cartolas, nunca coelhos", diz ele. Nossos conflitos não são mais direita contra esquerda, oriente contra ocidente, ou norte rico e sul pobre, apenas uma preocupação crescente e constante em cobrar das nações que respeitem os direitos humanos fundamentais de cada indivíduo e zelem pelos direitos econômicos e sociais. Zizek parece convidar-nos a refletir sobre o papel do filósofo na atualidade, que sem soluções definitivas para os caminhos humanos, busca incessantemente entender suas possibilidades. O fato é que o mundo tem se tornado de um lado um monte de indivíduos em busca de princípios seguros para viver e acreditar, e de outro instituições de quem se espera um discernimento na hora de protege-los contra os crimes e as violências dos que nunca irão cessar de transgredir. Foram poucos os que não se indignaram com o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho quando excomungou a mãe e a equipe médica que decidiu abortar os gêmeos que a criança de nove anos portava em seu útero, graças ao assédio sexual que sofria de seu “pai-drasto” desde os seis. Muitos dos mais fervorosos católicos sucumbiram diante do desumano destino da continuidade de tal gravidez. O fato não só suscitou discursos inflamados entre o presidente Lula e os representantes da igreja Católica, como repercutiu em toda mídia, abrindo ao público a possibilidade de refletir sobre as diferenças entre os discursos de fé de qualquer religião e os deveres de um Estado quando seus cidadãos são ameaçados em seus direitos de viver. Mas é interessante se deparar com comentários os mais diversos possíveis que, graças a internet, ficam ao acesso de todos que queiram buscar uma amostra da convivência dos diferentes discursos. Foi assim que pude ler em alguns blogs, comentários de católicos defendendo o bispo e suas convicções, o que traz a tona a questão que paira atrás desta disputa de verdades. Diante das leis católicas qualquer aborto é uma afronta contra a vida humana, a qual nenhum humano pode dispor ao seu bel prazer. Esta não é uma questão simples de se resolver já que para nós, ocidentais, a tradição da moral católica que exalta a condição humana a ser especial e não uma espécie animal que estaria no topo da escala evolutiva, proclama a vida intra-uterina como algo a ser zelado sem questionamento. Por outro lado, as religiões incitam seus seguidores a contemplarem o mundo dos não religiosos como um vasto teatro de imorais, condição para que cada seguidor possa se sentir íntegro e moralmente superior. Fica assim facilitado ao crente seguir sem pestanejar os preceitos de sua religião que em troca lhe promete as certezas sobre si, o mundo, a vida, a morte. O episódio da menina de nove anos que engravida do pai apenas vem mostrar que as máscaras de certezas são duras até que comecem a rachar. E as rachaduras não são mais do que as dúvidas que não podem parar de crescer e nem de mudar com o tempo, enquanto as certezas são caminhos sem saída. Não é fácil a ninguém pôr pontos de interrogação em suas certezas e se permitir duvidar sem perder o rumo. Resta, portanto a quem não crê em certezas absolutas, interrogar a tudo o que lhe é imposto contando apenas com sua confiança no valor da vida e tendo como companhia as incertezas. Os coelhos da mágica de Zizek seriam as promessas da certeza, que devem ser evitadas.


Coluna do dia 17 de março de 2009

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