segunda-feira, 12 de junho de 2017

A cura da loucura

A cura da loucura

Gisela Haddad

O título acima é intencional ao pretender um debate desta conjunção entre cura e loucura que para nós parece tão lógica, mas que nem sempre existiu na história da humanidade. A loucura nem sempre foi vista como o que foge a normalidade e nem sempre esteve associada à necessidade de cura, embora a partir do final da Idade Média sua história se confunda com a história de uma exclusão social.
A loucura está associada ao mental, ao psíquico. O psíquico que vem da palavra grega Psychê  e que quer dizer alma,foi desde os gregos, objeto de estudos. 

Um pouco de História: da Antiguidade ao Moderno

Espírito, alma, psychê---------------------------Razão

O problema da existência e do sentido da vida já estava no cerne do pensamento dos filósofos gregos, que questionavam a diferença entre coisas reais ou as coisas imaginadas e o saber e a verdade. Platão já vislumbrava o mundo visível (das aparências) e o mundo inteligível (das idéias). Embora a razão seja consensualmente  vista como o que diferencia o homem dos animais e permite-lhe  sobrepor-se aos seus instintos irracionais, o conceito de razão articulado por Platão  difere da noção de razão ocidental moderna, que não só deslocou a razão da alma humana como opôs  razão e alma.
Para os gregos, a  consciência do ser humano quanto à sua própria alma, deveria torná-los capaz de compreender as especificidades da condição humana.Entretanto pode se detectar divergências na maneira como era explicada tanto a origem quanto o sentido da alma e a da razão. 
Platão não só postulou a imortalidade da alma, idéia que foi depois utilizada pelo cristianismo, como a concebia separada do corpo.
Já Aristóteles via a alma como mortal e pertencente ao homem e ao seu corpo. Enquanto Platão via a razão como possibilidade de superar o mundo empírico e descobrir uma ordem transcendental, Aristóteles achava que a razão levava os homens a descobrir uma ordem imanente no próprio mundo empírico. Alguns teóricos apontam em Aristóteles uma primeira tentativa de sistematizar um saber sobre o mundo psíquico humano, que será retomado principalmente a partir da Renascença.
Tanto a revelação cristã como a razão aristotélica ajudaram na formação da visão do mundo do homem medieval. O Cristianismo originou novas concepções de vida, do homem e de Deus, que desafiaram o pensamento filosófico. Fazia-se necessária uma nova sistematização, elaborada a partir dos problemas já pensados pela filosofia grega e pagã, conjugados com os propostos pelo Cristianismo.  De cosmocêntrica ou geocêntrica, como na filosofia grega (principalmente a aristotélica), a filosofia cristã passa a homocêntrica, descobrindo que o seu verdadeiro problema é o homem; assim, dois grandes temas irão nortear a filosofia medieval: o homem e Deus. O ponto de viragem está na personalização do Logos, do divino. O Logos, que, na filosofia grega, se confundia com a estrutura impessoal, harmoniosa e divina do cosmos, vai, com o cristianismo, identificar-se com uma pessoa concreta - Cristo - com a promessa de que vamos ser salvos não só por uma pessoa, Cristo, mas também enquanto pessoas.
Durante os séculos cristãos podemos destacar dois pensadores cristãos que beberam  nas fontes  da filosofia grega :  Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. 
Santo Agostinho foi o primeiro filósofo cristão a tentar uma conciliação entre a razão e a fé, entre a filosofia pagã e a fé cristã, empenhado em dar uma explicação racional aos dogmas cristãos. Assim como Platão, concebia o homem dividido entre a alma e o corpo, e acreditava ser  a alma  a sede da razão. Para ele as verdades da fé não podiam ser demonstráveis,mas cabia à razão humana demonstrar  o acerto de se crer nelas. A razão relaciona-se duplamente com a fé: é necessário compreender para crer e crer para compreender.
Muitos séculos depois, São Tomás de Aquino já em um período mais conturbado social e politicamente assiste ao inicio dos questionamentos sobre a ideologia católica e os conhecimentos produzidos por ela nas relações entre o homem e Deus, movimento que culminará com a Reforma Protestante. Nas universidades da época havia uma grande difusão do pensamento aristotélico, que concebia a alma como forma do corpo e, como o corpo, sem nenhum fim sobrenatural, idéias que contrariavam totalmente a doutrina cristã, que apresentava uma alma imortal e um Deus criador e providente. São Tomás de Aquino se propõe a cristianizar  Aristóteles, construindo um sistema filosófico que, até hoje, é a base da filosofia católica. Partindo da razão e da fé, Tomás de Aquino, dizia não pode haver contradição entre ambas, porque as duas viriam de Deus. A verdade natural diz respeito à razão e a verdade sobrenatural, à fé. Com tal afirmação, ele não separava religião e filosofia, mas atribuía a cada uma delas um campo específico de estudo, mostrando que são distintas uma da outra, embora ambas devessem colaborar, já que há verdades que concernem à fé e à razão, como a existência de Deus e a imortalidade da alma. 
O reconhecimento do poder da razão para a aquisição do conhecimento natural  antecipou o humanismo renascentista. O homem renascentista poderia ser livre sem ser preciso ser religioso ou nobre, bastando que fosse rico. A liberdade do homem passa a refletir no seu conceito de universo. Apesar das reações da  igreja, que fortaleceu a ação inquisitória sobre os novos hereges, a busca do conhecimento sairá vitoriosa.
Embora protagonizando séculos de uma doutrina cristã dominante, a Idade Média é rica em acontecimentos, debates, lutas ideológicas e pensamentos religiosos importantes. Uma das heranças cristãs mais importantes seria seu acento no homem e não no cosmos. O cristianismo moveu a moral para o interior do homem e criou a necessidade de uma consciência crítica e individual: O que decide o que é moral e imoral não seriam mais os dons naturais, mas o uso que se fariam deles. Com isso, está implícito que o homem não deveria valorizar sua natureza e sim era livre para escolher sua fé e mudar sua vida. Muitas de suas práticas exigiam de seus seguidores um exercício de compromisso individual com sua fé, às vezes checada através de confissões ou reflexões sobre suas ações ou pensamentos. A Idade Média Cristã produziu uma grande quantidade de discursos referentes ao corpo e à sexualidade por meio do incentivo a confissão como forma de manter o controle sobre a vida religiosa e cotidiana do homem e da mulher medieval.  Sem dúvida, tais práticas inauguravam um contato com o si mesmo. Ao dar mais peso ao foro interior de cada individuo, estava plantada a base do que viria a ser o individualismo social moderno. Além disso, a tradição católica imprimiu um valor ao amor. Tradicionalmente, o eu dissolver-se-ia no grande Todo impessoal, mas o cristianismo promete a imortalidade na ressurreição dos mortos, garantida pelo Deus que é Amor e que pede o amor entre todos os homens.
A reforma protestante trará novas possibilidades ao mundo europeu, promovendo um desvencilhamento do poder da Igreja Católica com os governos, o que lhes permitirá uma liberdade não só para prescrever a fé local, como para proclamar suas leis protetoras da ordem social.

       # 1300 - Dante escreve “A Divina Comédia”.
       # entre 1475 e 1478 – Leonardo da Vinci pinta o quadro “Anunciação”.
      # 1484 – Boticelli pinta o “Nascimento de Vênus”.
       # 1501- Michelangelo esculpe o “Davi”.
       # 1513- Maquiavel escreve “O Príncipe”, obra clássica da política.

O Renascimento anuncia as transformações radicais que o mundo europeu irá viver. Com as grandes navegações e a descoberta de novos continentes, povos e culturas, a urbanização das cidades e uma demanda de novos serviços, o homem começa a se empenhar para sair do obscurantismo e da ignorância e constituir um conhecimento sobre si e o mundo, livre dos dogmas religiosos. A passagem da era das trevas para as luzes é marcada por um projeto racional, sendo Descartes seu maior expoente. Ícone da modernidade, o projeto cartesiano aposta em seu método racionalista e na constituição de um sujeito do conhecimento. Nasce a ciência e o homem racional que privilegia a razão, única fonte de conhecimento e certezas. Na base da preocupação moderna está a necessidade de delimitar, objetivar, classificar, ordenar, registrar e explicar o que puder ser observado  ou categorizado. Mas a crença de que a razão, a ciência e o conhecimento seriam capazes de dar conta de todos os aspectos da vida humana, admitia constestações, e dentre estas podemos citar as ideias de Marx e Freud. No campo político, Marx tornou relativa a idéia de uma razão livre e autônoma ao formular a noção de ideologia - o poder social e invisível que nos faz pensar como pensamos e agir como agimos. No campo da psique, Freud abalou o edifício das ciências psicológicas ao descobrir a noção de inconsciente - como poder que atua sem o controle da consciência.
As respostas às perguntas que o homem fará para se conhecer ou conviver com os ruídos de seu corpo,  alimentam a dimensão do sensível. O Romantismo será o maior representante das paixões humanas na modernidade, e avançando paralelo ao cientificismo,  irá valorizar os sentidos que nutrem a razão e promover o aparecimento de uma dimensão de interioridade. Tem início a cultura do psicológico e as ciências humanas em geral. Vale notar que o eixo ideológico da cultura ocidental moderna privilegia o interesse individual sobre os compromissos coletivos. Ao contrário da visão tradicional de mundo, marcado pelo sagrado, pela transcendência e pela identidade previamente estabelecida, a especificidade do moderno é um mundo de sujeitos autônomos individualizados.

A loucura

Sendo tão antiga quanto a humanidade, até a Idade Média a loucura era vista como diversidade, carregada de conteúdo místico e tratada através de exorcismo ou sacrifício. Em seguida  passou a exercer um certo fascínio pelo saber que dela decorria e assumir um estatuto de espaço oracular por guardar  uma verdade sobre o humano.  Loucura e razão passaram a ter uma relação muito próxima e até confundirem-se entre si.
A partir da Renascença no século XVI, a face da loucura passa a assombrar a imaginação humana. Com as mudanças sócio-politicas , os espaços sociais e de trabalho se modificam consolidando um processo de segregação de todos os que ameaçam a ordem social: mendigos, doentes, loucos, ociosos e prostitutas são excluídos e confinados. A miséria e a loucura deixam de ter a positividade  mística herdada pela Igreja  e passam a ser um obstáculo contra a boa marcha do Estado. Sem a referencia do sagrado para os miseráveis e loucos, estes passam a ser confinados por serem ociosos  ou incapacitados para o trabalho. Tal confinamento interna no mesmo lugar o enfermo, o libertino, a prostituta, o imbecil e o insano. Com o desenvolvimento da medicina, esta confusão entre loucos e criminosos  passa a ser revista e a loucura começa a ser entendida como uma limitação humana que provocava incapacitação para o trabalho.
Com a revolução francesa a reforma política econômica e administrativa nas relações sociais faz com que a loucura deixe de ser um objeto do poder judiciário e passe a ser encargo da medicina. O projeto moderno de separar o certo do errado e a norma do desvio coloca a loucura na mira dos que apostam no aprimoramento do espírito humano e no entendimento da loucura. É Pinel quem - há mais de 200 anos - encabeça um movimento de separação do louco em relação aos criminosos e a transformação  da loucura em doença mental, o que promove o nascimento da Psiquiatria como ciência e do asilo como espaço de tratamento da alienação mental. A loucura passa a ser objeto de uma terapêutica e de um saber médico, uma doença específica, distinta das doenças de órgão e curável por métodos apropriados. Os loucos passam a ser encarados não mais com poderes sobrenaturais e sim com limitações humanas o que lhes dava possibilidades de um retorno à razão. Os métodos utilizados baseavam-se na idéia de desvio, sendo então proposto um tratamento que visava eliminar as idéias loucas através de disciplina, ameaças e recompensas. A estratégia de tratamento utilizada visava silenciar as manifestações que passam a ser vistas como doenças.
Os médicos assumem o lugar de tutor  desta população insensata, estranha e irresponsável, com direitos para receitar restrições  e regular sua liberdade. Sai o desatino entra a desrazão, depois tornada patologia. Embora sutil,o que fica aqui cindido é a possibilidade de interrogar o desatino, ou melhor a verdade sobre a loucura. A Psiquiatria nasce cuidando não dos caminhos desta desrazão e sim com o objetivo de resgatar a razão. Neste sentido é negada ao louco a faculdade de responder pelo que diz e de exercer os atos da vida social e civil.
A Psicanálise de Freud nasce no vácuo aberto pela ciência e a razão, espaço das paixões da alma humana. A complexidade do psiquismo humano não aceitava os critérios de objetividade da ciência. Médico neurologista, Freud se interessa pelos estudos da histeria que Charcot desenvolve na França, o que o faz  seguir seus passos junto a Breuer, seu mestre e colega na Alemanha. Aos poucos, Freud passa a perceber que em seu discurso, as histéricas revelavam motivações e causas inconscientes para seus sintomas, ou seja, fora de seu conhecimento consciente. Ao apontar a força do inconsciente ou a dimensão da alma inacessível por recursos racionais, Freud promovia uma ferida na proposta racional moderna e indicava a importância das perturbações do espírito na vida de cada indivíduo.
Claro que nestes mais de 200 anos que nos separam da obra de Pinel, o médico francês que ligou seu nome à libertação dos loucos, muitas  mudanças ocorreram no tratamento da loucura, principalmente  a partir do questionamento da própria ordem psiquiátrica feito nas ultimas décadas.
As comunidades terapêuticas, o movimento da antipsiquiatria, a psicoterapia institucional, a psiquiatria democrática realizaram uma critica profunda da cultura asilar e manicomial. Mesmo que os asilos ainda permaneçam aqui e acolá, as transformações ocorridas na assistência psiquiátrica foram inúmeras. O que hoje leva o nome de  Reforma Psiquiátrica pretendeu tanto desconstruir a cultura manicomial  hegemônica, criada em torno do asilo, suas práticas de exclusão e  redução da loucura à doença mental, quanto criar um novo campo de atenção psicossocial. Reformular as práticas terapêuticas, criar leis , mudar a imagem da loucura no imaginário social, no entanto, é um processo complexo que  aponta não só para  uma mudança política quanto clínica.
O deslocamento do louco como objeto humano desprovido de razão para um sujeito que precisa ser tratado  tanto  na sua dimensão psíquica como social (relação com a família, grupos sociais, escola, trabalho, comunidade e lazer) coloca em foco o seu sofrimento psíquico e uma perspectiva de cuidados e não de cura. Aqui no Brasil, após a reforma ocorrida na década de 90, proliferam  hospitais-dia,  lares abrigados e  CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) que substituíram os antigos asilos e que oferecem uma alternativa de tratamento multidisciplinar para a população carente.
A defesa da cidadania do louco, de seus direitos, a exigência de respeito social à sua diferença, a criação de espaços de sociabilidade para ele, estão entre as reivindicações e conquistas mais buscadas pelos profissionais de saúde  que lutam pela inserção do louco na cultura.
O Acompanhante Terapêutico, atividade recente que vem ampliando sua difusão, tem se mostrado  um bom dispositivo  na tentativa de inserção do louco na sociedade, e faz parte de uma preocupação atual dos profissionais que visam sua reabilitação psicossocial inclusive como uma exigência ética, para a (re) construção do exercício da cidadania e de um lugar efetivo  na casa, no trabalho e na rede social.
Mas é importante apontar a complexidade desta tarefa que pretende intervir na existência e no sofrimento destas pessoas, e não confundi-la com mero entretenimento, ou com adestramento. Vale notar que, apesar da criação desta rede, os modos tradicionais de tratar a loucura ainda permanecem e isto também se deve à reincidência da resistência humana  em contestar sua relação com o louco e a recusa em ouvir sua linguagem perturbadora e aparentemente estranha.
Porque a loucura mantém esta dimensão de repudio, de estranheza, e muitas vezes de fascínio?
O estigma social que caracteriza a história da loucura  diz respeito a manifestação radical de uma diferença. A exclusão do louco é quase sempre resultado da negação que a sociedade faz de sua própria loucura, que ao ser depositada na figura do louco permite à comunidade, por oposição  imaginar-se sã.
Há pouco mais de 100 anos, ao apontar os caminhos complexos dos sintomas psíquicos, Freud  mostrou que não seria preciso opor a loucura à normalidade.Na verdade a loucura não deveria ser associada ao registro do erro e sim a um modo particular do sujeito dizer sobre si. Isto porque  a loucura mostra o que de certa maneira já estava no inconsciente de cada um. Os loucos seriam aqueles sujeitos  que  sucumbem a uma luta que seria a mesma para todos. Ao contrário da concepção psiquiátrica, Freud não só valorizou como escutou o discurso do psicótico e suas produções, e percebeu que este discurso falava dele, de seus desejos, ainda que ele mesmo não pudesse se reconhecer. O delírio, por exemplo, seria um veiculo de comunicação de seu sintoma, e paradoxalmente uma tentativa de cura. A escuta da loucura não marca apenas uma  possibilidade de humanização da relação do louco com quem o assiste ou com os demais, mas principalmente  um respeito a sua palavra e uma implicação efetiva na possibilidade dele poder fazer parte da sociedade. É isto que marca  a diferença com as assistências alienantes, que tratam o louco como  um objeto que não porta nenhum saber sobre si mesmo e que demanda cuidados de proteção definidos a priori tal e qual um bebê, o que o torna  refém de  uma prtica moral educativa. Perde-se assim  a escuta do novo, o reconhecimento e respeito pela diferença e cai-se em um cuidado formal, uma prática do exercício de caridade ou piedade. Se há comunicação entre razão e desrazão, isto permite desvendar a singularidade de cada sujeito no enfrentamento de um conflito que é de todos ainda que ganhe destinos diferentes. Como vimos os loucos ainda hoje exercem este duplo fascínio: ao mesmo tempo em que impõem aos cidadãos métodos efetivos para tratá-los e inseri-los na sociedade, recuperando sua autonomia e cidadania, mantêm sua condição de objeto de repúdio e de estranheza.

Estamira

Ao contrário de Bicho de 7 cabeças, que denuncia o sistema manicomial, Estamira é um filme cuja proposta de seu diretor é “escutar”, durante 4 anos, o que esta louca senhorinha tem a dizer sobre si, seu mundo, suas crenças, seus desejos, enquanto que vive entre sua casa e o lixão onde trabalha. 
Apesar de seu discurso expor uma percepção do mundo e de si confusa e delirante, (o psicótico precisa inventar sozinho um sentido para a sua presença no mundo)  muitas vezes é possível ouvi-la falar de questões que podemos identificar como nossas, tais como as que desvendam o desamparo humano social, econômico e político. A diferença entre as crenças e a visão de mundo de Estamira e as nossas é que as nossas são amparadas por uma credibilidade por serem compartilhadas pela maioria.
O filme não  pretende fazer denúncias sobre a exclusão e nem busca uma idealização do louco, mas coloca em evidência a humanidade da loucura, mostrando-a como uma possibilidade, por vezes a única, do sujeito  sobreviver.
O louco permanece sendo para a sociedade, alguém que recebe tanto nosso olhar compassivo como o de exclusão, zombaria ou ódio.
Em geral nosso ódio ou desprezo pelo diferente está ligado a nossa necessidade de expulsar em nós mesmos a semelhança que nos assombra.
No plano  cultural e menos pessoal, a loucura interroga diretamente a capacidade dos humanos de estarem juntos, se agruparem, fazer trocas, ou mesmo  viver em sociedade, ao nos confrontar com os enigmas do que acontece no espaço entre humanos, quando os códigos sociais convencionais falham.

A psiquiatria clínica contemporânea - neurociências e psicofármacos

Os tempos de loucura e manicômio fazem parte de um passado na psiquiatria atual. A psiquiatria hoje não transita pelo espaço fechado do asilo nem faz uma distinção rígida entre a loucura e a normalidade, mas na indeterminação dos limites entre o normal e o patológico. Depressão, pânico, hiperatividade, fobia social, impotência, são alguns dos mais freqüentes transtornos mentais. A impressão é a de que assim como a medicina que ao invés da saúde trata a doença, a psiquiatria segue o mercado dos psicofármacos e passa a servir as desordens ou as dificuldades da existência que surgem no desenho do corpo, da performance ou da personalidade. Tomemos como exemplo as Depressões e seu tratamento por antidepressivos. Segundo a psiquiatria, os antidepressivos contem uma substância que aumenta a quantidade de um neurotransmissor no cérebro, a serotonina, que seria responsável pelo bom humor e por isso capaz de aliviar a tristeza e a morosidade que se manifestam numa variedade de situações de vida e de quadros clínicos. Mas o uso dos antidepressivos é empírico. A definição padrão da depressão é comportamental, afetiva e discursiva, não química, pois é difícil verificar o nível de serotonina no cérebro das pessoas. É possível que muitas depressões se enquadrem ao padrão comportamental e afetivo estabelecido, mas  se expressem por alterações químicas diferentes da insuficiência de serotonina; Assim como haveria depressões que não se expressam pela insuficiência da serotonina, ou ainda que mesmo sem um quadro de depressão, tristezas se expressem por uma falta de serotonina. Ao receitar antidepressivos, portanto o médico não sabe em qual destas possibilidades seu paciente se enquadra. Não estamos com isso fazendo qualquer discurso contra os psicofármacos e sim quanto ao uso indiscriminado, além de questionarmos  a possibilidade do paciente se inteirar dos motivos de sua tristeza.

O sujeito contemporâneo

Entre o inicio da modernidade e os tempos atuais o mundo sofreu mudanças bastante significativas. Estivemos falando sobre a psique humana sob uma perspectiva histórica. Vimos como desde os filósofos gregos, havia uma preocupação em contrapor o homem ao animal e a natureza com a cultura. Sem dúvida, depois de muitos séculos de existência, a humanidade pode se fazer perguntas novas sobre o sentido de sua existência e sobre o seu destino. Por outro lado a cultura humana construída até aqui, guarda um acervo diferenciado nos modos de existir nas diferentes épocas da historia. Podemos dizer que o subjetivo é o espaço da experiência humana em relação ao simbólico de cada cultura, expressado através de seus impulsos, sua conduta, expectativas crenças e valores. As formas de subjetivação são historicamente determinadas e as mudanças no contexto político-econômico interferem na criação de certos ideais, na valorização de modelos de pensamento, na propagação de certos repertórios de conduta, na difusão de metáforas que se incorporam ao senso comum, enfim, na criação de novos jogos de linguagem, repertórios de sentido ou jogos de verdade que dão consistência ao imaginário de uma época, imaginário por meio do qual o mundo, a existência e a experiência pessoal ganham consistência e significação. Cada cultura produz uma estética, etiqueta e ética.
É assim que as formações sociais são uma importante estrutura na definição do saber sobre os sujeitos, seus conflitos e significantes, ou seja, sobre a condição humana.
A ideia de progresso humano como percurso racional sofreu um duro golpe com a ascensão dos regimes totalitários, como o nazismo, o fascismo e o stalinismo. O desencanto tomou o lugar da confiança que existia anteriormente na idéia de uma razão triunfante. Para fazer face a essa realidade, um grupo de intelectuais alemães elaborou uma teoria que ficou conhecida como teoria crítica. Esse pensamento distingue a razão instrumental da razão crítica. O que seria a razão instrumental? Aquela que transforma as ciências e as técnicas num meio de intimidação do homem, e não de libertação. E a razão crítica? É a que estuda os limites e os riscos da aplicação da razão instrumental.

Conferência realizada na Semana de Psicologia da UNIP Sorocaba  2009


1- Para os gregos, o homem é um ser natural, dotado de corpo e alma, esta possuindo uma parte superior e imortal que é o intelecto ou razão; para os cristãos, o homem é um ser misto, natural por seu corpo, mas sobrenatural por sua alma imortal;

2- Para os gregos, a liberdade humana é uma forma de ação, isto é, a capacidade da razão para orientar e governar a vontade, a fim de que esta escolha o que é bom, justo e virtuoso; para os cristãos, o homem é livre porque sua vontade é uma capacidade para escolher tanto o bem quanto o mal, sendo mais poderosa do que a razão e, pelo pecado, destinada à perversidade e ao vício, de modo que a ação moral só será boa, justa e virtuosa se for guiada pela fé e pela Revelação;

3- Para os gregos, o conhecimento é uma atividade do intelecto (o êxtase místico de que falavam os neoplatônicos não era algo misterioso ou irracional, mas a forma mais alta da intuição intelectual); para os cristãos, a razão humana é limitada e imperfeita, incapaz de, por si mesma e sozinha, alcançar a verdade, precisando ser socorrida e corrigida pela fé e pela Revelação

Razão-----------------alma        razão, alma, transcendência
corpo---------mente                                 corpo-  gregos 
 ,                                                                           cristãos
                                                 razão, alma, imanência
                                                 razão se opõe a alma

razão------------alma 

loucura------------ desatino -------------------exclusão

loucura-------------desrazão-------------------doença

                                            normal

doença mental--------------                        cura
                                            patológico

Cura-------------------------mediciana              mal psíquico
                                         psicologia              mal somático

psicanálise------------------o “louco” é portador de sua verdade

psiquiatria atual------------sai a cura
psicologia                         entram os cuidados multidisciplinares
psicanálise                        promoção de saúde e socialização

                                          sai internação
                                          entra atendimento no “território”
                                          CAPs
                                          hospital dia

Referências Bibliográficas

Nascimento Júnior, A F , Fragmentos da historia das concepções de mundo na construção das ciências dadas certezas medievais as duvidas pré-modernas, in Revista Ciência & Educação, v. 9, n. 2, p. 277-299, 2003

FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. 1997. São Paulo, Perspectiva.
FREUD, S. Obras Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1996.
________.(1893-5) “Estudos sobre histeria”. Em Obras completas, vol. II, Rio de Janeiro: Imago, 1996.




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