Os ciúmes infantis
Gisela Haddad
Dor-de-cotovelo
Caetano Veloso
O ciúme
dói nos cotovelos
Na raiz dos cabelos
Gela a sola dos pés
Faz os músculos ficarem moles
E o estômago vão e sem fome
Dói da flor da pele ao pó do osso
Rói do cóccix até o pescoço
Acende uma luz branca em seu umbigo
Você ama o inimigo
E se torna inimigo do amor
O ciúme dói do leito à margem
Dói pra fora na paisagem
Arde ao sol do fim do dia
Corre pelas veias na ramagem
Atravessa a voz e a melodia
Na raiz dos cabelos
Gela a sola dos pés
Faz os músculos ficarem moles
E o estômago vão e sem fome
Dói da flor da pele ao pó do osso
Rói do cóccix até o pescoço
Acende uma luz branca em seu umbigo
Você ama o inimigo
E se torna inimigo do amor
O ciúme dói do leito à margem
Dói pra fora na paisagem
Arde ao sol do fim do dia
Corre pelas veias na ramagem
Atravessa a voz e a melodia
A chegada de mais
um bebê na família costuma mobilizar os pais no sentido de evitar que o mais
velho sinta ciúmes do mais novo. Alguns pais se empenham bastante nisso, preparando
o irmão ou irmã mais velha de forma a tentar assegurá-lo de que ele é amado,
seguindo passos e regras que acreditam poder eliminar este desconforto causado
pela perda de um lugar de privilégio. Às vezes o empenho pode ser excessivo sugerindo
uma tentativa de negar por parte de um dos pais ou dos dois, o fato de que o ciúmes seja inevitável. Podemos dizer que a
maneira como os pais vivem a eminência dos ciúmes entre os irmãos está ligada a sua própria história e o significado desta trama em sua infância.
Dizer que os ciúmes são humanos é redundante. Assim como o luto, os ciúmes é um
afeto que faz parte da vida subjetiva de todos, provoca sentimentos de dor e
aciona o medo da perda do amor dos pais, no caso de um novo nascimento. Dependendo
de como ele será gerenciado, suportado ou significado para a criança poderá ou não
desembocar em sintomas e inibições ou definir a maneira como ele irá se
relacionar com as pessoas.
Ciúmes,
famílias atuais, pais.
Os ciúmes é um afeto difícil de
suportar. Sentir-se excluído é extremamente doloroso, pois nos remete a nossa
perda originária, ao elo inicial com a mãe vivido como capaz de nos completar plenamente.
A perda da exclusividade acarreta a necessidade de renúncias e sacrifícios que
necessitam ser negociados no seio familiar e nas novas possibilidades que a
criança desvenda em seu futuro que lhe prometem o retorno deste “amor perdido”.
Neste sentido o ciúme é a base das futuras relações da criança com os outros.
Quando nasce um irmão esta perda é
acionada e a criança ora deseja retornar a este lugar imaginário de completude,
ora se compraz de suas novas aquisições no confronto com este semelhante. O
nascimento de um irmão é raramente vivido com indiferença e em geral quando
isso acontece é porque os próprios pais não podem deixar um espaço para que as
palavras e os atos da criança pudessem expressá-lo. Neste caso o ódio recalcado
volta-se contra a própria criança, que fica sem os recursos necessários para
enfrentar as situações de competição ou concorrência, evitando-as ou
colocando-se como indiferente. É muito comum o novo irmão ser alvo de ódio e
amor por parte do mais velho, que ora deseja destrui-lo, ora deseja ser ele. Se
o nascimento do irmão aciona a demanda de amor absoluto e pleno na criança,
isso precisa ser conhecido e não sufocado. Mas não é tarefa fácil.
De qualquer forma o ciúme é
estruturante e precisa ser encenado no seio da família. Esta encenação da
destruição do outro é necessária para que a agressividade possa ser expressa.
Os pais são essenciais nesta encenação e suportar ou não esta encenação definirá
o significado que esta terá para cada um deles em sua infância. Será na maneira
como as manifestações de ciúmes serão tratadas, se com humor, com palavras que
possam traduzir os sentimentos, com limites certeiros ou se com censura
excessiva ou respostas agressivas.
A agressividade poderá ou não ser
absorvida pelos jogos e dizeres, tornando-se ou não compreensível e digerível. Neste
sentido fraternidade e parentalidade se articulam. Como os pais só conseguem
responder aos ciúmes de seus filhos com sua própria história, podemos dizer que
o caminho da socialização passa pela experiência dos[g1] ciúmes.
O processo de
instauração do semelhante passa pela relação com o irmão, que estabelece a
horizontalidade das relações. Neste sentido, a rivalidade entre os irmãos teria
uma função positiva na constituição do sujeito, na produção do semelhante. Além
da rivalidade pelo amor dos pais, o irmão é rival em relação a sua própria
imagem narcísica e pode funcionar como duplo tanto pela máxima semelhança
quanto pela diferença inevitável.Neste sentido o irmão força o rompimento da
prisão especular, do idêntico a si mesmo, assim como balança o sentimento de
ser o objeto de desejo da mãe.
O que muda nas famílias atuais?As
novas composições familiares com novos pais e/ou novos irmãos favorecem a
fraternidade ou a convivência entre os irmãos?
Os ciúmes e o sentimento fraterno de
cumplicidade e parceria não são excludentes. Convivem. Os ciúmes entre irmãos
precisam ser vividos, enfrentado, negociado. É necessário que cada irmão lute
por um lugar na família e isso necessariamente passa pelo desejo de destruir,
agredir, etc. Só lutando eles poderão aprender a dividir espaços e carinhos,
resolver conflitos às vezes na guerra, às vezes na paz. Em geral o irmão pode
significar um acréscimo na experiência subjetiva da criança.
Quando os ciúmes não são explicitados
é sinal que a criança não foi acompanhada na expressão de seus sentimentos, que
precisaram ser calados. Isso pode acarretar um não saber sobre si, sobre sua intimidade.
O ciúme expressa o desejo de
controlar e possuir unicamente para si a pessoa que se quer bem. Nasce de uma
demanda de exclusividade, do desejo de ser tudo para alguém, da situação de não
suportar dividir a atenção da pessoa amada com mais ninguém e traz consigo uma grande angústia de ser
excluído, sentir-se fora dos jogos amorosos de nosso bem-amado e correr o risco
de perder sua atenção e seu amor. Uma das tarefas mais difíceis do crescimento
é superar a forma infantil de amar, que permanece pulsando na penumbra. A
criança atemporal que vive escondida em nós é exclusivista, possessiva,
onipotente e não quer saber de autonomia e independência do outro. O adulto precisa conter, de forma transfigurada,
a intensidade infantil, povoada de indestrutíveis desejos de perfeição, posse,
exclusividade e controle. Há em nós uma criança cheia de onipotência, raiva,
desespero, desamparo, medo de abandono: ela luta com seus fantasmas bons e
maus, com suas fantásticas figuras imaginárias - as imagos que criadas que não
a deixam em paz.
Texto criado para Entrevista sobre ciumes entre irmãos
Programa Fantástico 2005
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