Por que Laplanche?
Em seu texto "Contracorrente" (2003)
Laplanche aponta para o caráter singular da descoberta freudiana - o método - um
procedimento de investigação absolutamente novo, em que a terapêutica e a
teoria nada mais são que consequências dessa exploração e da conquista dessa
terra incógnita que é o inconsciente, abrindo para outras realidades
inteiramente despercebidas, ainda que para nós humanos, constitua-se em um
tormento imenso a descoberta em nós, do radicalmente outro.
Laplancheanos também louvam o fato dele destacar a função da metapsicologia em fazer a psicanálise trabalhar, ou de que a teoria deva ser rigorosamente estudada e ampliada para servir a uma clínica em constante movimento. Seus artigos e livros trouxeram contribuições fundamentais para que os psicanalistas pudessem compartilhar alguns conceitos comuns, procurando dar precisão epistemológica a conceitos fundamentais.
Laplancheanos também louvam o fato dele destacar a função da metapsicologia em fazer a psicanálise trabalhar, ou de que a teoria deva ser rigorosamente estudada e ampliada para servir a uma clínica em constante movimento. Seus artigos e livros trouxeram contribuições fundamentais para que os psicanalistas pudessem compartilhar alguns conceitos comuns, procurando dar precisão epistemológica a conceitos fundamentais.
Mas é o caráter de abertura de sua obra para o
surgimento de novos aportes teóricos que queremos destacar neste texto,
principalmente no que concerne a constituição psíquica dos sujeitos e por
decorrência na ampliação nas últimas décadas da clínica dos primórdios da vida
psíquica e mais recentemente nas tentativas de problematizar as questões de
gênero, tão caras à psicanálise na atualidade.
De forma resumida, em Laplanche, o surgimento do
psiquismo do infans é estabelecido
como decorrência de um movimento de sedução sexual oriundo dos adultos
cuidadores, uma situação assimétrica, em que a mensagem nunca se reduz à
intencionalidade de seus interlocutores, pois há sempre um excesso de conteúdo
que a torna opaca tanto para quem a produz quanto para quem a recebe.
Pela impossibilidade de se traduzi-la completamente, há sempre um resto não traduzido, e tal resto e opacidade instauram a pulsão no humano. Entre o discurso-desejo do adulto e a representação inconsciente do sujeito há um verdadeiro metabolismo, uma desqualificação e recomposição desse discurso de acordo com os elementos que a criança tem disponíveis para tentar traduzir o que lhe foi excessivo e enigmático. Suas tentativas de metabolização dos enigmas são sempre particulares e seu inconsciente jamais se reduz ao inconsciente da mãe ou do adulto, ao contrário, adquire uma composição própria.
Pela impossibilidade de se traduzi-la completamente, há sempre um resto não traduzido, e tal resto e opacidade instauram a pulsão no humano. Entre o discurso-desejo do adulto e a representação inconsciente do sujeito há um verdadeiro metabolismo, uma desqualificação e recomposição desse discurso de acordo com os elementos que a criança tem disponíveis para tentar traduzir o que lhe foi excessivo e enigmático. Suas tentativas de metabolização dos enigmas são sempre particulares e seu inconsciente jamais se reduz ao inconsciente da mãe ou do adulto, ao contrário, adquire uma composição própria.
Além disso, o que Laplanche chama de situação
antropológica fundamental - ou seja, o fato de os bebês humanos nascerem com
essa disparidade de línguas, de capacidade de simbolização, de existir ou não
enquanto sujeito dotado de intencionalidade, de ter ou não inconsciente e de
ser ou não marcado pela sexualidade , pode ser resultado de uma contingência,
um golpe do acaso na história da espécie humana.
Não há como saber como essa disparidade será representada ao longo da história da humanidade, e aqui podemos incluir a relação entre feminilidade e passividade, a existência do Édipo, a lógica fálica e outros, por mais universais que sejam em nosso tempo.
Não há como saber como essa disparidade será representada ao longo da história da humanidade, e aqui podemos incluir a relação entre feminilidade e passividade, a existência do Édipo, a lógica fálica e outros, por mais universais que sejam em nosso tempo.
Os gender
studies tem denunciado há décadas o fato da delimitação e definição das
categorias masculino e feminino servirem ao longo da história para criar grupos
desviantes, justificar mecanismos de dominação e de hierarquia e tornar impossível
o debate sobre a complexidade e a historicidade destas categorias. O que Judith Butler (2003) chamou de matriz
binária heterossexual do gênero marcou e ainda marca, em nossa sociedade,
apenas dois modos possíveis de identidade sexuada – o homem heterossexual e a
mulher heterossexual (de preferência brancos) -, excluindo toda uma gama de
identidades (homossexuais, transexuais, etc.). As práticas de
sexo-gênero-desejo ficaram necessariamente coladas e um corpo anatomicamente
masculino, por exemplo, deve ter o sexo masculino, desejar uma mulher e agir,
se vestir e pensar como se espera que um homem o faça.
No entanto, a partir das inúmeras mudanças sociais
ocorridas no campo das sexualidades deflagradas pelo movimento feminista dos
últimos 60 anos, pelas políticas de visibilidade da homossexualidade e, mais
recentemente, dos LBGTI, e, também, pelas novas configurações familiares, constatam-se
alguns deslocamentos identificatórios que permitem uma maior flexibilidade
entre posições antes vistas como naturais a cada sexo.
Embora de forma incipiente, trabalhos de
psicanalistas, alguns se referenciando em Laplanche, começam a trazer para o
debate a complexa questão do gênero em sua relação com a teoria psicanalítica e
sua conceituação de sexualidade. E não são poucos os aspectos polêmicos que dividem
os psicanalistas em suas ancoragens teóricas: o corpo-gênero, a transexualidade
como expressão da condição humana, o lugar e as consequências da assunção da
diferença sexual, a recusa da homofobia, o confronto entre ideais e os códigos
de comportamento e a forma pelas quais apreendem e reconhecem, na clínica, as
mudanças subjetivas provocadas pela cultura contemporânea.
Texto produzido pela equipe da seção Debate da Revista Percurso 56
Cristiane Abud Curi, Gisela Haddad, Thiago Majolo e Vera Zimmermann
Cristiane Abud Curi, Gisela Haddad, Thiago Majolo e Vera Zimmermann
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