sexta-feira, 6 de março de 2020

Sobre André Green


Vacância 

22 de janeiro de 2012, um domingo. Como a buscar pares que pudessem compartilhar o sentimento de orfandade muitos e-mails passaram a circular divulgando a morte de Andre Green. Ao longo das semanas seguiram-se biografias escritas por colegas de países diversos, como se ao sistematizar seu percurso e obra ou dimensionar suas contribuições, fosse possível circunscrever seu legado e diminuir a sensação de vazio pela sua ausência. Psicanalista egípcio radicado na França, Green conseguira ocupar espaços importantes no debate sobre a psicanálise contemporânea não só por transpor as fronteiras das instituições psicanalíticas ao fazer dialogar de modo fértil autores como Lacan, Melanie Klein, Bion e Winnicott, como por manter uma interlocução com a filosofia, a linguística e a antropologia. Para além do rigor e do cuidado com que agregou pensamentos de autores diversos ao seu trabalho clínico e teórico, é possível que sua morte ameaçasse deixar a comunidade psicanalítica órfã de uma posição política integradora entre espaços e grupos psicanalíticos. Ao articular a teoria pulsional e estrutural com as teorias das relações objetais, por exemplo, Green inaugurara uma abertura no modo de pesquisar, pensar e refletir sobre a clínica e a teoria psicanalítica que permitia ir além das problemáticas políticas e afiliações excessivamente devotas. Talvez um de seus maiores legados, ao se debruçar sobre a clínica dos limites ou do vazio Green ampliou de forma significativa o papel e a função do objeto destacando o trabalho do negativo, cuja importância poderia ser constatada nesta clinica justamente pela falência da ação necessária (estruturante) do negativo ao apresentar suas manifestações extremas (patológicas), um efeito combinado do desinvestimento, da destrutividade, da fusão com o objeto e da identificação com o objeto destruído pela separação. Tal função psíquica de desinvestimento e desligamento, bastante primitiva, marcada pela pulsão de morte e pelas características refratárias ou "depressivas" dos objetos primários seria o contraponto da função objetalizante, de ligação e investimento. E para Green pulsão e objeto estariam mutuamente  implicados, o objeto a conter as pulsões e também desperta-las e revela-las, e as pulsões a investir e “criar” objetos. Assim, a partir de impasses surgidos na relação analítica, os ataques ao enquadre, as defesas rígidas e resistentes, as respostas contratransferenciais inusitadas e intensas que exigiriam do analista uma forma de atuação diferenciada, quiçá mais implicada, construiu-se um extenso campo de discussão teórico-clínica que ampliou significativamente a compreensão da constituição subjetiva e seus avatares.
A morte de Andre Green parecia anunciar, portanto, um lugar vago na historia da psicanalise, aquele em que se praticaria uma psicanálise criativa e possível sem simplificações ou reduções, fora das fronteiras tantas vezes restritas e dogmáticas das instituições psicanalíticas. Uma psicanálise que postularia um sujeito em um processo de auto-organização permanente, um sistema aberto, uma realidade psíquica histórico-cultural . 


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