Vacância
22 de janeiro de 2012, um domingo. Como a buscar pares que
pudessem compartilhar o sentimento de orfandade muitos e-mails passaram a
circular divulgando a morte de Andre Green. Ao longo das semanas seguiram-se
biografias escritas por colegas de países diversos, como se ao sistematizar seu
percurso e obra ou dimensionar suas contribuições, fosse possível circunscrever
seu legado e diminuir a sensação de vazio pela sua ausência. Psicanalista
egípcio radicado na França, Green conseguira ocupar espaços importantes no
debate sobre a psicanálise contemporânea não só por transpor as fronteiras das
instituições psicanalíticas ao fazer dialogar de modo fértil autores como
Lacan, Melanie Klein, Bion e Winnicott, como por manter uma interlocução com a
filosofia, a linguística e a antropologia. Para além do rigor e do cuidado com
que agregou pensamentos de autores diversos ao seu trabalho clínico e teórico,
é possível que sua morte ameaçasse deixar a comunidade psicanalítica órfã de
uma posição política integradora entre espaços e grupos psicanalíticos. Ao
articular a teoria pulsional e estrutural com as teorias das relações objetais,
por exemplo, Green inaugurara uma abertura no modo de pesquisar, pensar e
refletir sobre a clínica e a teoria psicanalítica que permitia ir além das
problemáticas políticas e afiliações excessivamente devotas. Talvez um de seus
maiores legados, ao se debruçar sobre a clínica dos limites ou do vazio Green
ampliou de forma significativa o papel e a função do objeto destacando o
trabalho do negativo, cuja importância poderia ser constatada nesta clinica
justamente pela falência da ação necessária (estruturante) do negativo ao
apresentar suas manifestações extremas (patológicas), um efeito combinado do
desinvestimento, da destrutividade, da fusão com o objeto e da identificação
com o objeto destruído pela separação. Tal função psíquica de desinvestimento e
desligamento, bastante primitiva, marcada pela pulsão de morte e pelas
características refratárias ou "depressivas" dos objetos primários
seria o contraponto da função objetalizante, de ligação e investimento. E para
Green pulsão e objeto estariam mutuamente implicados, o objeto a conter
as pulsões e também desperta-las e revela-las, e as pulsões a investir e
“criar” objetos. Assim, a partir de impasses surgidos na relação analítica, os
ataques ao enquadre, as defesas rígidas e resistentes, as respostas
contratransferenciais inusitadas e intensas que exigiriam do analista uma forma
de atuação diferenciada, quiçá mais implicada, construiu-se um extenso campo de
discussão teórico-clínica que ampliou significativamente a compreensão da
constituição subjetiva e seus avatares.
A morte de Andre Green parecia anunciar, portanto, um lugar vago
na historia da psicanalise, aquele em que se praticaria uma psicanálise
criativa e possível sem simplificações ou reduções, fora das fronteiras tantas
vezes restritas e dogmáticas das instituições psicanalíticas. Uma psicanálise
que postularia um sujeito em um processo de auto-organização permanente, um
sistema aberto, uma realidade psíquica histórico-cultural .
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