Ficar, namorar, casar
Gisela Haddad
Já sei namorar
Já sei beijar de língua
Agora, só me resta sonhar
Já sei onde ir
Já sei onde ficar
Agora, só me falta sair
Já sei beijar de língua
Agora, só me resta sonhar
Já sei onde ir
Já sei onde ficar
Agora, só me falta sair
Já sei namorar ,Tribalistas
Foi a partir da
Modernidade que o par amor e sexo guiou a formação das
famílias pelo casamento. A sociedade passou a ser organizada pelos
sentimentos e, além de só se casar por amor, os laços de sangue passaram a
valer menos que os laços de afetos abrindo espaço para que o
amor fosse condição dos laços. O amor inaugurou uma nova
maneira de existir mais centrada na tarefa amorosa de cuidado com as
crianças e na ânsia de ser amado e reconhecido pelos pares.
Mas o modelo da
família nuclear, fechada sobre si mesma e voltada para a produção de bem-estar
nunca foi um mar de rosas e muitas vezes transformou-se em um
canteiro de violência psicológica. Os filhos podiam frustrar as expectativas
dos pais e vice-versa, o amor podia se transformar em barganha ou chantagem
mútua e a esperança de entendimento entre cada um podia ficar obstruído pela
culpa.
Ao longo do último
século a busca de relacionamentos mais satisfatórios implicou grandes mudanças
nas relações entre pais e filhos, entre os pares amorosos e por consequência no
modelo familiar. As novas gerações separam amor, sexo e casamento,
antes fusionados pelo ideal de amor romântico e se desenvolvem em
torno de inúmeras possibilidades identificatórias, ao contrário das gerações
anteriores que seguiam modelos binários (pai ou mãe, feminino ou
masculino). A virilidade e a feminilidade passeiam entre os gêneros
e ajudam a compor esta diversidade identitária. Como consequência mudou a forma
como cada um pensa sua própria identidade e realiza suas relações
com os outros, trazendo uma renovação nos repertórios de condutas e nos modelos
de convivência.
A partir da década de
sessenta, com os reposicionamentos sociais e as redefinições dos papéis
sexuais, homens e mulheres e, sobretudo os jovens começaram a ver e a viver a
sexualidade de forma totalmente diversa. O advento da pílula anticoncepcional e
a liberação do aborto permitiram que se morasse juntos, tivesse
relações sexuais fora de uma conjugalidade mais séria, separasse-se quando não
houvesse mais motivos para se estar juntos, e assumisse preferências sexuais
mesmo quando estas não pertencessem ao modo tradicional das relações
heterossexuais.
Não há idade certa
para se casar, alguns casais apenas moram juntos, outros se casam mas não tem
filhos ou tem filhos sem se casar. A liberdade sexual incentiva
a busca e não condena mais o prazer físico e, embora todos
continuemos a buscar realizações sentimentais e satisfações sexuais,
estamos mais livres para decidir sobre o que fazer (e como fazer)
com os nossos corpos.
Estas mudanças que
hoje já estão mais digeridas pela cultura ocidental, mudaram a paisagem social
e admitiram uma nova ética da sexualidade. Amor e sexo estão separados e
o ficar, prática que se consolidou entre os adolescentes, hoje
permeia as relações de todas as idades ao abrir um espaço inusitado para
relacionamentos passageiros, fortuitos, que não visam compromissos futuros e em
que predomina a sensorialidade. Nem por isso deixou de existir o
espaço privilegiado das relações amorosas que buscam um envolvimento mais
efetivo entre os pares e por isso preveem uma confluência de interesses e
desejos continuamente negociados. Apostando ainda em sua durabilidade, estas
relações incluem a possibilidade de uma ruptura, caso haja a finitude de
interesse de uma ou ambas as partes ou quando os pactos que as asseguravam se
desfazem.
O
casamento deixou de ser uma instituição, tornando-se apenas uma
formalidade que tenta administrar as expectativas de laços
conjugais mais duráveis com uma experiência sexual
prazerosa. Os novos parceiros se formam em regime de
simetria e como cada um é o único legislador de sua relação amorosa,
precisa negociar e investir constantemente no parceiro, se o objetivo de ambos
for prolongar o relacionamento. A duração do casamento, a capacidade de viver
junto por um longo tempo, as tentativas do casal de manter o interesse sexual
recíproco, o cuidado com a gerência da vida familiar e o desgaste do casamento
por problemas relacionados aos filhos ou às finanças, são alguns
dos fatores que surgem no cenário atual e pedem soluções
aos envolvidos. Transgressiva por natureza, a sexualidade como ingrediente de
valor, não cessa de impor negociações.
O preço por nossa
maior autonomia e liberdade para escolher e viver nossa vida amorosa são nossas
incertezas e nossa maior dependência de um olhar amoroso, o que nos
faz mais vulneráveis aos fracassos e ao sentimento de impotência. O sucesso de
nossa vida amorosa depende de um investimento infinito das partes envolvidas e
principalmente da possibilidade de cada uma destas partes suportar a
individualidade do outro, mas todos sabem que no terreno do amor e do sexo, não
há como eliminar a contingência, a ambiguidade e a dúvida.
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