sexta-feira, 6 de março de 2020

Dos cuidados com o bebê: quem se responsabilizará?


Dos cuidados com o bebê: quem se responsabilizará?
Gisela Haddad *                                                                                          

Já vou, será/eu quero ver/o mundo eu sei/não é esse lá/por onde andar/eu começo por onde a estrada vai/e não culpo a cidade, o pai/vou lá, andar e o que eu vou ver/eu sei lá (Primeiro Andar – Los Hermanos)

Esse mundo

Há apenas algumas décadas, as mudanças em valores sociopolíticos, culturais e morais que organizavam a sociedade cumpriam um prazo que permitiam às novas gerações assimila-los contrastando-os com aqueles transmitidos pelas gerações anteriores. O que se convencionou chamar de pós-modernidade, ao contrário, caracteriza-se não só por uma desconstrução às vezes radical de antigas crenças e modos de existência, mas por uma velocidade jamais vista.  Tal panorama inusitado e muito mais complexo tem instado pensadores de áreas diversas a tentar capturar o "zeitgeist" ou espírito da época, buscando elementos que contextualizem e articulem estas transformações com as aspirações e as angústias próprias deste momento. Freud afirmava que produzimos cultura na esperança de nos proteger dos perigos reais e imaginários, mas sempre permanece um resto que marca o limite da criação humana em sua tentativa de suprimir o mal-estar inerente ao humano. Há, portanto um movimento civilizatório incessante de produção de normas e compensações com a finalidade de conciliar o sujeito com a cultura e se o sofrimento toma as feições de cada época, é provável que na atualidade se articule às mudanças na vivência do tempo, às projeções do futuro, na percepção e na relação com o corpo, na relação com os outros sujeitos em que importam atributos como performance pessoal e aparência física, nos modos como se vive a interioridade, que adquire cada vez mais realidade psíquica no que é exterior.
Torna-se difícil às vezes avaliar de forma mais consistente o que significa viver em um mundo que nos oferece tantas facilidades tecnológicas, acesso imediato a quaisquer informações, inúmeras maneiras de cuidarmos de nossa saúde, mais tempo para inventarmos formas de lazer, liberdade para escolhermos pares, amigos, carreiras, estilos e vida sexual. São novas maneiras de se viver e ser reconhecido como membro da irmandade humana. Se de um lado o deslocamento da ética repressiva à ética do direito ao gozo e à felicidade incita a abolição do sofrimento, a recusa de qualquer signo da falta, do negativo e da imprevisibilidade  e oferece a certeza do conhecimento científico, a possibilidade de gestão das competências e habilidades pessoais e a eliminação de transtornos ou a correção de comportamentos desviantes como acessíveis a todos, o que nos parece que permanece velado é que esta dinâmica pressupõe necessariamente a criação de uma abertura para o novo e o incerto, não sem custos como se propaga.
A própria noção do que é humano, que antes nos representava pela diferença da noção de animal, encontra-se em mutação, e se transforma pelas tecnologias, pelas guerras, pelas mudanças climáticas, obrigando-nos a incluir em nossa condição humana nossa dependência das biotecnociencias. A noção de risco invade nosso cotidiano e impõe  vigilância, controle e reparação permanentes em todos os aspectos de nossas vidas seja nas formas de prazer ou nas experiências de mal-estar. É assim que, por traz da esperada autonomia do sujeito que muitas vezes é celebrada como conquista, percebe-se uma crescente dependência de discursos competentes cuja proliferação acaba por produzir menos um acúmulo de certezas do que uma angustiante e interminável errância.
Este texto pretende fazer um recorte deste gap entre as demandas de um ideal cultural prometeico e o vazio de referencias que pudessem se legitimar pelo social problematizando as funções daqueles que cuidam dos que nascem no cenário da família contemporânea, este grupo social especial que tem como principal objetivo acolher, cuidar e preparar os futuros cidadãos e oferecer meios para que se integrem na e construam seus destinos como parte de uma coletividade maior.

Famílias e o futuro

Se formos escolher, dentre as inúmeras mudanças que nossa época apresenta em relação à anterior é quase impossível escapar de um dos conceitos pilares da teoria psicanalítica, a família. Também é fato que as transformações da família, que não foram poucas, estão em parte articuladas à metamorfose ocorrida nos ideais daquela época, no permitido e proibido, normal e desviante, que ordenavam a sociedade de então, e que resultou na desconstrução de um modelo familiar hierárquico e rígido. O naufrágio deste modelo da família nuclear impõe-nos uma análise que não pode ser simples sobre as consequências de suas inúmeras e importantes alterações. Destas destacamos as conjugalidades que, ao contrário da estabilidade formalizada à priori nos antigos casamentos, baseia-se hoje em pactos entre os cônjuges que dependem exclusivamente da lealdade e do comprometimento mútuo, o que permite ou não compartilharem uma busca de metas em longo prazo que implique um adiamento de satisfações em troca de um futuro. Uma destas metas seria o projeto de criação de um filho, mas ser pai ou mãe, ou exercer uma função de parentalidade está hoje baseado principalmente em um comprometimento.
 A "função paterna" ou "materna" tão caras à psicanálise são funções de cuidados e responsabilidade com o desenvolvimento físico e psíquico do bebê e com sua inserção na cultura e, apesar das mudanças ou por causa delas, vem ganhando espaço e atenção, inclusive entre os psicanalistas, mantendo-se como foco constante de produção de saberes múltiplos que se dirigem ao acolhimento das necessidades do bebê e de seu futuro. Mas como saber ao certo qual a contribuição dessas diversas práticas de saúde, educação e cuidados produzidas em nossas sociedades? Afinal o que se espera de um acolhimento ao infans? Ao colocar a criança e a infância no centro das preocupações presentes e futuras, modelos normatizados e idealizados destas funções são criados, na expectativa de que estes pais ou cuidadores possam vir a serem eles mesmos, especialistas. Paradoxalmente o discurso prometeico da ciência muitas vezes os destitui de seu saber, e acomodando-os a um apassivamento. Instala-se um ethos terapêutico para a família e uma disciplinarização das funções do grupo familiar: engravidar ou não, como e quando engravidar, o que fazer quando não se consegue engravidar, como ser pai, como ser mãe. Em poucas décadas, foram construídas uma infinidade de informações, cartilhas e serviços e profissionais cada vez mais especializados na gestação, partos e primeiros cuidados. Com o advento das redes sociais proliferam blogs com depoimentos e testemunhos de futuros ou atuais mães e pais com dicas que vão desde a infinidade de objetos considerados imprescindíveis à tarefa dos primeiros cuidados, como temas mais viscerais como o sono do bebe, o choro, a amamentação, o uso da chupeta, o banho, as dores de barriga, onde dormir, como e quando toma-lo no colo, na expectativa de responder às angustias e incertezas que assombram aqueles que inauguram sua função de pais. Claro que muitos se beneficiam deste aparato, embora a profusão de informações e recomendações coloque-os frente a difícil tarefa de separar o joio do trigo, e acaba por impedir que muitos tentem buscar o que lhes pareça se encaixar melhor em seu modo de viver a vida. Acresce-se a isso o fato de que invariavelmente o bebê real desconstrói o modelo ideal que se tentou montar. Não há como evitar a surpresa, a estranheza e o enigmático que ronda esta passagem de um ser que demanda cuidados de todas as ordens e que precisará, graças a estes cuidados, ser adotado pelos pais e pela cultura. É inegável que no mundo contemporâneo há mais pais amorosos e preocupados em proporcionar um ambiente protegido aos seus filhos, mas muitos não sabem como fazê-lo e se sentem desamparados ao se deparar com a tarefa de construir cada um ao seu modo e possibilidades, sua função parental. Sabemos que a proposta de se manter o amor como base na tarefa de acolher, criar e educar as crianças, não garante a paz e a harmonia no interior de um grupo familiar. A dinâmica entre os membros de uma família é complexa e depende de uma rede de sentimentos e fantasias que se cruzam. Os excessos são em geral patológicos, as justas medidas difíceis e a tarefa de construir um espaço que possa suportar os conflitos entre as expectativas e os fracassos, os sentimentos de amor e ódio, de acolhimento e autonomia, são infinitas. Também é fato que no mundo atual a criança se tornou fruto de um alto investimento dos pais, e passa a carregar descabidas e por vezes equivocadas expectativas por parte destes. Esta via dupla da dívida amorosa pode se converter em sentimentos de culpa e vergonha pela incapacidade de cumprir o que se espera de um e outro ou pela sensação de não se amar ou não ser amado tanto quanto se queria. Embutido neste mal-estar está a promessa de felicidade que toda criança carrega em parte como possibilidade de realizar o que os que cuidam não puderam, o que aumenta a tensão entre o normal e o “desviante” definidos pela cultura e produz o insuficiente, o atrapalhado, o mal sucedido, categorizados como fracassados por si e pelos demais.
O nascimento de um novo bebê, além de um fato físico, social e político, é também um fato psíquico que pressupõe que alguém lhe antecipou um lugar e que será investido para que possa ser reconhecido como parte de uma organização social ao receber as heranças da cultura a fim de se tornar um sujeito. Tanto o fato físico quanto o social são meros acordos, não pressupõe que os pais sejam biológicos e sim que reconheçam a criança como filho e se encarreguem de seus cuidados. Ao perder sua importância social na constituição da parentalidade, a consanguinidade vem dando lugar a um critério considerado crucial pela psicanálise: todas as crianças ao nascer precisam ser adotadas por seus cuidadores, sejam elas ou não filhas biológicas. E este “adotar” é um processo quase sem fim. O bebê humano depende deste investimento e comprometimento para sobreviver física e psiquicamente e para que lhe seja transmitido o patrimônio cultural simbólico. A transmissão simbólica tem garantido aos novos seres um lugar na cultura para que possam ser inseridos e reconhecidos e que permita a estes construir novos discursos para estas mesmas funções parentais com novas referencias simbólicas. Se não se pode deixar de destacar a importância das referencias simbólicas há que se lembrar contudo, que não existem definições únicas ou normativas para o acesso a ordem simbólica ou para as relações entre os humanos : não há um modo único de subjetivação. As peculiaridades das organizações subjetivas de cada época apontam constantemente para novas formas de constituição subjetiva. Em uma cultura em que o indivíduo tem mais valor do que a comunidade os laços muitas vezes visam menos as alianças e tradições do que a satisfação pessoal, assim como as identidades podem ser negociadas e apoiadas prioritariamente no real dos atos, como o corpo, a etnia, a indumentária, a preferência sexual, e menos na cadeia das filiações simbólicas e geracionais.
De um modo geral o desenvolvimento psíquico está articulado a um processo de subjetivação que se dá no e pelo espaço constituído com um outro significativo, e em contínua apropriação reflexiva de experiências  que promovem a simbolização. As falhas deste processo e as defesas contra estas falhas (psicopatologias) que em geral acontecem nos primeiros dois anos e comprometem o processo de simbolização, dificultam a apropriação subjetiva da própria vida. Por estas razões a clínica psicanalítica tem se debruçado mais sobre os dois primeiros anos de vida, o que traz para a cena principal a questão da presença, da ausência e da influencia de um sujeito sobre outro (a identificação), as angústias de intrusão ou de abandono e cuidadores que não puderam ou não conseguiram exercer seu papel de refletir ao bebê quem é ele ou servirem-lhe de intérpretes do mundo. Espera-se que  os cuidadores possam assumir as funções de sustentar, conter, reconhecer, espelhar, interpelar e convocar para que a criança possa construir uma referencia para si mesma, tornando-se ela mesma capaz de vivenciar e dar nome as suas próprias emoções. No atual espaço clínico da psicanálise da infância, os cuidadores passam a ser benvindos, convidados a participar e quiçá auxiliados a se autorizar ao exercício de suas funções parentais com suas dificuldades e incertezas. Uma tarefa de cuidados importante, pois se há uma certeza é a de que tornar-se um cuidador (pai ou mãe) é uma passagem complexa e difícil para todos que a enfrentam.
Passemos ao fato politico do nascimento de um bebê, que na convergência entre o fato psíquico e o social, revela a dimensão politica do cuidado e abre uma reflexão sobre a relação de cada sujeito com a sociedade.

Tornar-se humanos e cidadãos

Em seu recente livro “Cuidado, saúde e cultura” Luís Claudio Figueiredo analisa, à luz da psicanálise, as íntimas relações entre os processos de saúde (física e psíquica) e os processos e objetos da cultura. Para ele as práticas de cuidado - tema que vem abordando desde seu livro anterior “As diversas faces do cuidar” - atravessam e costuram saúde e cultura. A saúde aqui tomada no sentido amplo é pensada como a possibilidade de sustentar as capacidades vitais em sua máxima potência, como um aparelho para cuidar, deixar-se cuidar e ser cuidado seja em uma dimensão interpessoal, pessoal ou cultural. O tema do cuidado é problematizado e analisado de forma minuciosa e rigorosa tanto para os que exigem cuidados de diferentes agentes como é o caso dos bebês e seus cuidadores, como os inúmeros agentes cuidadores, entre eles os psicanalistas em suas complexas e delicadas formas de cuidar. A ética do cuidado seria esta dimensão da disposição do mundo humano em receber seus novos membros a fim de propiciar uma possibilidade de “fazer sentido” de suas vidas e constituir uma experiência integrada, algo que não seria possível caso esta experiência não pudesse ser exercida, transmitida e facilitada por aqueles que cuidam. É assim que, tal como uma roda viva, cada sujeito que é recebido na vida, no mundo e na história humana, deve ele mesmo se tornar um participante ativo desses processos do cuidar, algo a ser transmitido pelo cuidado que lhe foi oferecido, ressaltando-se ainda a importância dos efeitos de transformação a que ambos ficam sujeitos. Mas o que define um bom cuidador ou um bom receptor de cuidados? O que diferencia um sujeito para que ele se torne mais ou menos apto a exercer as funções cuidadoras?
Tomando como premissa que uma das metas dos cuidados é a de levar aquele que está sendo cuidado a desenvolver as capacidades criadoras, a partir de consistentes referências psicanalíticas muitas delas contemporâneas, Figueiredo faz uma tentativa de validar das infinitas maneiras de nos subjetivar, aquelas que seriam as ideais para um sujeito vir a ser um bom cuidador ou exercer o seu cuidar como algo prazeroso e lúdico. Através de uma psicopatologia das funções cuidadoras, vai nomeando os acertos e desvios, algo como um modelo mais ou menos calcado em um desenvolvimento psíquico saudável, longe de fanáticos, obsessivos, apáticos ou sádicos, em um equilíbrio dinâmico entre as funções de presença implicada e presença reservada. Seus textos parecem querer encontrar respostas a algumas perguntas importantes de nossa era: quem cuidará de nossos bebês, futuros cidadãos deste mundo? Como deverão ser estes cuidados? Que contribuições a psicanálise, como um dos agentes cuidadores, pode dar?  Não são poucas as articulações que os textos trazem entre as práticas de cuidado e um rigoroso mapeamento da atividade psíquica, seu funcionamento e desenvolvimento, a clínica psicanalítica e o trabalho do analista, etc. Cumpre com maestria a ideia de uma teoria geral de cuidados.
No final do capítulo sobre a metapsicologia do cuidado, no entanto, Figueiredo descreve uma cena interessante, possivelmente algo que experenciou e que de certa forma problematiza os limites de um modelo de cuidados e cuidadores. Em uma visita a um familiar internado em um hospital com recursos tecnológicos de primeira linha, em que é possível se maravilhar com a assepsia ou com o nível técnico de seus atendentes, parece não haver cuidadores. Não há ali alguém preparado para atender as pequenas demandas dos pacientes, suas inquietações, seus medos, suas manias. Tornou-se comum a própria família se encarregar de levar seu cuidador para exercer tais funções. Ali o cuidado ficou sem um lugar, quase invisível. É neste contexto que Figueiredo resgata o performático trabalho dos Doutores da Alegria, incansável em sua afirmação da importância do cuidado, oferecido em doses de alegria e humor. Eles seriam objetos transformadores na medida em que tentam dar visibilidade para o que as normas hegemônicas da cultura tornam invisíveis.
Em entrevista a última publicação da Revista Percurso de Psicanálise, Benilton Bezerra Jr., seguindo a obra de Georges Canguilhem afirma que para compreender a diferença entre normalidade, anomalia (atipia)  e anormalidade ( patologia) e o conceito de saúde, é necessário o conceito de normatividade pois de outra forma ficamos presos ao que nos diferentes contextos históricos, são acordos que delimitam a fronteira entre patologia e normalidade. A normatividade seria a capacidade permanente em um ser vivo de se auto preservar, reproduzir e criar novas formas para si, e nos humanos também de modificar o ambiente e as formas de vida coletiva. Se a prática psicanalítica se sustenta por um lado na aposta de que a normatividade é inerente à condição humana, alimenta-se do fato de que a errância humana sempre pode surpreender e subverter a lógica normativa. Se a cultura atual pode aceitar a premissa de que a normalidade é apenas uma convenção transitória, muito se deve a luta de certos grupos que vem reinventando seu modo de presença social, dentre eles os deficientes, autistas, transsexuais.   
Esta tem sido o que a filósofa Judith Butler chama de sua militância. Em sua recente passagem pelo Brasil, ela que de forma consistente e corajosa problematizou o tema da identidade de gênero questionando o binarismo masculino/feminino e o lugar de abjeto daqueles que não se enquadram nestas categorias, falou sobre seu mais recente livro “Quadros de guerra - quando a vida é passível de luto”, em que amplia sua pesquisa para a precariedade e as mobilizações globais contra as desigualdades econômicas, sociais e políticas, que produzem cada vez mais populações “designadas como dispensáveis e indignas de luto”. Segundo ela a cultura, em todas as formas de discurso, jurídico, científico ou meios de comunicação, contribui para a produção do “abjeto” e tal diferenciação precisa ser analisada e desmontada para que a liberdade de existir como se é possa entrar em cena. Butler chama de “performatividade” o caráter ativo da relação entre o sujeito e a sociedade, ou para o fato de que as palavras provocam ações e atuações. Ou seja, é preciso fazer uma leitura minuciosa e constante e ficar atento às pautas hegemônicas de valores que cada cultura elege e o que fica na invisibilidade. Butler convida-nos a apostar em nossa capacidade de intervir na ordem vital e reinventar um modo de presença social com base em uma assunção mais decidida de uma posição subjetiva resistente a normas impostas pela cultura.  
Se há um movimento civilizatório incessante de produção de normas e compensações com a finalidade de conciliar o sujeito com a cultura, se  estes assumem novas feições a cada época, talvez o resto que demarca o limite na tentativa de suprimir o mal-estar inerente ao humano seja sempre o custo desta conciliação. As formas de cuidar deveriam levar em conta a dificuldade em refletir sobre o que significa conviver com a consciência da contingência como ônus da liberdade, espaço indispensável para estar apto  às "possibilidades indeterminadas" de um futuro que exige um movimento permanente de criação de um destino. Esta seria a dimensão politica por excelência, a qual todos os agentes cuidadores da cultura deveriam incluir em seus horizontes. Até a “velha e boa psicanálise” (expressão utilizada por uma jovem paciente quando decidiu se submeter a uma terapia psicanalítica).
Na ordem do dia e na escala da performatividade, talvez possamos incluir um projeto que vem se difundindo pelo mundo entre alguns jovens e que atende pelo sugestivo nome de laboratórios cidadãos.  Seriam espaços em que pessoas com diferentes conhecimentos e diferentes graus de especialização se reúnem para desenvolver projetos ligados a exploração de formas de experimentação e de aprendizagem colaborativa, prática que surgiu a partir das redes digitais para promover processos de inovação cidadã. Qual? Os espaços são abertos à participação de qualquer cidadão e os projetos trabalhados e criados nestes laboratórios buscam uma transformação social que contribua para o desenvolvimento cultural, social e econômico do país. 
Querem outro exemplo? As pequenas mãozinhas brincam com as mãos marcadas pelo tempo e de movimentos lentos em Seattle, nos Estados Unidos. As brincadeiras e as atividades poderiam confundir o visitante desavisado. Trata-se de uma casa de repouso para idosos ou uma pré-escola? O Intergenerational Learning Center juntou as duas coisas. O local abriga crianças de até cinco anos que realizam atividades cotidianamente com os mais de 400 idosos atendidos no espaço. De um lado, as crianças aprendem a se relacionar com diferentes gerações, a respeitar os mais velhos e a conviver com pessoas com limitações físicas. Já os idosos recebem carinho e são estimulados intelectual e fisicamente pelos exercícios com os alunos.
A se pensar, e criar.

Gisela Haddad é psicanalista, mestre em Psicologia Clínica e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. É autora do livro Amor e Fidelidade (Coleção Psicanalítica, Casa do Psicólogo - 2009)  e Amor (Coleção Emoções, Editora Duetto – 2010).

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