KASSEL: UM CERTO OLHAR (2012)
GISELA
HADDAD1
Documenta de
Kassel? Já tinha ouvido falar sobre esta exposição de arte contemporânea que
acontece a cada cinco anos na Alemanha e me empolguei com a ideia ir até lá
conferir sua fama. Depois de uma semana de mergulho na cultura berlinense, nada
parecia mais apropriado, inclusive pela oportunidade de viajar pelos
moderníssimos trens alemães.
Cidade
de uns 200 mil habitantes, Kassel recebe a todos que chegam a sua estação para
a Documenta com um tapete vermelho.
Um jeito simpático e de certa maneira despojado de anunciar a importância deste
período de cem dias em que a cidade é sede desta respeitada mostra. Também um
jeito de avisar os desavisados como eu que se está diante de um evento muito
maior do que se imagina. Em sua 13ª edição - a primeira foi idealizada em 1955
por Arnold Bode, professor de arte e design que, diante de uma Alemanha
pós-guerra devastada (também) culturalmente pela ditadura nazista, pretendia
abrir um amplo debate sobre as artes, preservar as tendências e reposicionar a
Alemanha no circuito internacional cultural.
Quando
se é um visitante do país, na atualidade, não é difícil se deparar com este
espírito de reconstrução - não só geográfica, política ou cultural, mas também
moral. Há um grande empenho não mais em romper com a herança sombria do
passado, mas em repará-la continuamente. Berlim, em especial, expõe suas
feridas sem nenhuma concessão, lado a lado com as melhores atrações das
vanguardas culturais, artísticas e musicais.
Quem desce na estação central de
Kassel é capturado pelo “colorido” formado pelas pessoas. São muitos os que
fazem parte do mundo das artes e se organizam para estar em algum momento na
cidade. E, quando se tem apenas dois dias, um planejamento dos espaços e
artistas a serem visitados é mais do que necessário, incluindo aí a apreciação
das obras das quatro artistas brasileiras desta edição - as esculturas de Maria
Martins (1894-1973) e a produção atual de Anna Maria Maiolino (1942), Maria
Thereza Alves (1961) e Renata Lucas (1971).
Na
continuidade, imerge-se em um mundo habitado por pessoas que pensam a arte
atual como uma forma de surpreender, de trazer novos sentidos ao que já se
conhece. De apresentar nosso mundo arte-cultural como um enorme espaço sem fronteiras,
mesmo quando são apresentadas suas diferenças e marcas. Uma arte engajada, que
se propõe pensar o futuro da vida humana por meio de todos os debates
possíveis, em relação à natureza, às novas formas de política, à
sustentabilidade ou ainda às formas de sobrevivências econômicas, éticas e
emocionais. Arte em movimento, sempre a absorver os novos conhecimentos, a se
renovar.
Para
a curadora desta edição, a escritora ítalo-americana Carolyn
Christov-Bakargiev, uma arte que não é feita apenas por artistas, mas que
inclui historiadores, filósofos, físicos, ativistas ambientais, todos
convidados a refletir sobre as incertezas e os riscos que nos rondam, sobre a
situação do mundo atual. Por isso seu time foi composto por gestores
provenientes das áreas de artes, filosofia, biologia, física, antropologia,
política, arquitetura e economia, e as obras de 150 artistas de 55 países,
escolhidas sem que o critério fosse necessariamente fazer parte das estrelas do
cenário contemporâneo. Utilizando para as obras, além dos museus e do parque,
um grande e eclético número de espaços espalhados pela cidade - a nova e a
velha estação de trem, um hotel, um bunker,
um campo de concentração, um hospital desativado - o panorama geral estava mais
para o sensível e significativo do que para o espetacular e majestoso.
Talvez
o exemplo mais interessante desta caracterização seja o dos dois trabalhos da
dupla canadense Janet
Cardiff e George Miller. Em um deles, talvez o mais genial,
cada visitante deveria seguir o monitor de um Ipod em uma visita guiada pela voz da artista através da
movimentada estação de trem, percorrendo o mesmo percurso que ela fez no dia da
gravação do vídeo, surpreendendo-se com as intervenções de bandas, bailarinas,
vozes, sons de pelotões nazistas, silêncios ou ainda interrupções artificiais.
É inevitável que o passado e o presente, o real e o virtual se entrelacem.
A
mesma dupla assina outro emocionante sound
art, com caixas instaladas entre as árvores do Karlsaue Park (o majestoso parque da cidade) que recriam os
bombardeios da Segunda Guerra Mundial, o transporte de judeus aos campos de
concentração e que termina com vozes maravilhosas de um coral. Uma maratona
rápida e intensa da qual não se pode sair incólume. Numa palavra? Belíssimo!
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