O
futuro do presente
Na Folha de São Paulo do dia 24 de março de 2011 uma das manchetes anunciava que um grupo de cientistas japoneses seriam os
primeiros a cultivar espermatozóides de
um mamífero em laboratório desde os estágios iniciais. Na continuação, a idéia
seria tratar seres humanos inférteis. As técnicas cada vez mais avançadas de
reprodução humana criaram novos e complexos dilemas humanos ao alterar as
tradicionais noções de maternidade, de paternidade e de família. Ao mesmo tempo
em que a utilização destas novas técnicas proporciona infinitas possibilidades
de procriação, a tecnologia toma o lugar do ato
sexual que deixa de ser o elo entre as gerações. As questões ligadas à filiação
tornam-se complexas: uma criança pode ser gerada a partir da doação de esperma
e/ou dos óvulos; pode ter herança genética de várias pessoas; pode ser gerada
por um parente próximo ou por um desconhecido; pode ser filha de uma mãe
solteira ou de um casal homossexual. No imaginário cultural, no entanto, o
modelo de referência de procriação ainda é a relação sexual entre um homem e
uma mulher, de preferência dentro da "família nuclear
heteronormativa" (pai, mãe e filhos), remetendo ao que parece ser a ordem
“natural” das coisas. Se por um lado o modelo familiar é tributário da ordem
social que o produz - os ideais normativos, os valores e modos de existir, os
novos homens e mulheres, os novos pais e mães- por outro, certas mudanças fazem
ruir pilares de sistemas e estruturas teóricas que clamam por debates e
reflexões. Os novos significados e valores que organizam e sustentam a
identidade subjetiva de homens e mulheres, pais e mães suscitam indagações
sobre temas caros à psicanálise como a vontade e o desejo de ter filhos, o
lugar do filho para os pais, a origem e a constituição do sujeito, a
importância da filiação. Desde Freud o conhecimento ou o encontro com o novo
surge pelo processo de procura de algo que responda à interrogação sobre a
origem. É a referência a este ponto de origem que permite a distinção entre o
apelo do novo, que mantém vivo o desejo, e o retorno para reencontrar-se. A
clínica nos impõe constantemente questões sobre aqueles que não podem se
indagar sobre suas origens ou que por alguma razão precisam negar seu passado,
incluído aí os casos de filhos adotivos ou gerados artificialmente cuja verdade
sobre sua origem pode estar interditada por diversos motivos. Por outro lado
cabe questionar qual seria o diferencial na constituição subjetiva de um
sujeito gerado adotado daquele gerado por um banco de espermas ou óvulos. É
fato que a constituição de um sujeito está intimamente articulada ao lugar
simbólico através do qual ele é falado e olhado e que a complexidade de seu
processo de historização está relacionada também à sua adoção simbólica, já que
ser filho biológico não garante uma adoção psíquica. Mas a curiosidade sobre a
origem estende-se a todos e há nuances para cada caso sejam estes filhos
biológicos, adotados ou reproduzidos em laboratórios, com suas origens
biológicas às vezes desconhecidas.Como escapar de uma
visão futura de um ainda desconhecido mundo de “Barbarella” ou da nostalgia que
nos faz descrever incessantemente o que nos parece fora da norma?
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