sexta-feira, 6 de março de 2020

O futuro do presente: sobre as reproduções assistidas

O futuro do presente

Na Folha de São Paulo do dia 24 de março de 2011 uma das manchetes anunciava que um grupo de cientistas japoneses seriam os primeiros a cultivar  espermatozóides de um mamífero em laboratório desde os estágios iniciais. Na continuação, a idéia seria tratar seres humanos inférteis. As técnicas cada vez mais avançadas de reprodução humana criaram novos e complexos dilemas humanos ao alterar as tradicionais noções de maternidade, de paternidade e de família. Ao mesmo tempo em que a utilização destas novas técnicas proporciona infinitas possibilidades de procriação, a tecnologia toma o lugar do ato sexual que deixa de ser o elo entre as gerações. As questões ligadas à filiação tornam-se complexas: uma criança pode ser gerada a partir da doação de esperma e/ou dos óvulos; pode ter herança genética de várias pessoas; pode ser gerada por um parente próximo ou por um desconhecido; pode ser filha de uma mãe solteira ou de um casal homossexual. No imaginário cultural, no entanto, o modelo de referência de procriação ainda é a relação sexual entre um homem e uma mulher, de preferência dentro da "família nuclear heteronormativa" (pai, mãe e filhos), remetendo ao que parece ser a ordem “natural” das coisas. Se por um lado o modelo familiar é tributário da ordem social que o produz - os ideais normativos, os valores e modos de existir, os novos homens e mulheres, os novos pais e mães- por outro, certas mudanças fazem ruir pilares de sistemas e estruturas teóricas que clamam por debates e reflexões. Os novos significados e valores que organizam e sustentam a identidade subjetiva de homens e mulheres, pais e mães suscitam indagações sobre temas caros à psicanálise como a vontade e o desejo de ter filhos, o lugar do filho para os pais, a origem e a constituição do sujeito, a importância da filiação. Desde Freud o conhecimento ou o encontro com o novo surge pelo processo de procura de algo que responda à interrogação sobre a origem. É a referência a este ponto de origem que permite a distinção entre o apelo do novo, que mantém vivo o desejo, e o retorno para reencontrar-se. A clínica nos impõe constantemente questões sobre aqueles que não podem se indagar sobre suas origens ou que por alguma razão precisam negar seu passado, incluído aí os casos de filhos adotivos ou gerados artificialmente cuja verdade sobre sua origem pode estar interditada por diversos motivos. Por outro lado cabe questionar qual seria o diferencial na constituição subjetiva de um sujeito gerado adotado daquele gerado por um banco de espermas ou óvulos. É fato que a constituição de um sujeito está intimamente articulada ao lugar simbólico através do qual ele é falado e olhado e que a complexidade de seu processo de historização está relacionada também à sua adoção simbólica, já que ser filho biológico não garante uma adoção psíquica. Mas a curiosidade sobre a origem estende-se a todos e há nuances para cada caso sejam estes filhos biológicos, adotados ou reproduzidos em laboratórios, com suas origens biológicas às vezes desconhecidas.Como escapar de uma visão futura de um ainda desconhecido mundo de “Barbarella” ou da nostalgia que nos faz descrever incessantemente o que nos parece fora da norma?  

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