Amor & Sexo ( desejo)
Gisela
Haddad
No rastro da sexualidade caminha o amor ou, como queiram, no rastro do
amor caminha a sexualidade.
Todos sabem ou imaginam saber o que
é o amor e a maioria de nós anseia por ele, mas o amor é um sentimento que
implica uma experiência singular, e só é possível conhecê-lo na medida em que
se o vive. Experiência que é sempre atravessada pelos ideais culturais de amor,
que a cada época exibe novos modos próprios de se relacionar ou de interpretar
o amor e suas vicissitudes. Neste último século foram principalmente as
mudanças em torno da sexualidade que se impuseram e afirmaram de forma inédita o
direito de cada um ao prazer sexual. No entanto ainda é grande a presença do
ideal de amor romântico em nossa cultura e, portanto a esperança que todos nutrem
em torno de sua promessa de completude. Para a maioria de nós, a felicidade está
no encontro com uma figura humana que
apostamos poder nos satisfazer por completo, suprir nossas carências
amorosas e sexuais, representando o fim de nossas angústias. Um amor
incondicional, pleno, acima de todas as coisas.
Na verdade tanto o desejo ( sexo) quanto o amor são nossas formas de lidar com o que sentimos ser o que nos
falta e por isso elegemos parceiros que imaginamos poder aplacar esta falta,
como se eles pudessem recuperá-la e
finalmente nos oferecer a satisfação total que buscamos. Através do desejo buscamos um gozo pleno que acabe com a
sensação de que algo nos falta. Mas como isso é impossível já que o desejo é
por definição a ânsia permanente, é no amor que buscamos a ilusão desta
completude através da eleição de um parceiro amoroso idealizado que imaginamos
poder suprir aquilo que o desejo não recobre. Esta é a dobradinha moderna que
elegemos como nosso ideal amoroso, nossa sina amor-desejo dirigida a um só
parceiro, parte integrante do que ansiamos para atingir nossa satisfação
completa: de um lado o imperativo de nossa natureza que solicita e deseja, de
outro nossa ânsia de reconhecimento amoroso. No meio destes ainda temos que nos
confrontar com nosso imperativo moral, que ora nos constrange ora nos dignifica,
posto que nossas paixões sexuais inesperadas estejam sempre ameaçando desconstruir
as expectativas de uma vida amorosa tranquila
e pacífica ao impor a complexidade de nossos desejos.
É
que o encontro sexual vai bem além do campo do amor, da ternura e da
satisfação, sejam estas a dois ou não e costuma interpelar os limites, roçar o
excesso e questionar o bom-senso. Nosso desejo, sempre um pouco fetichista,
prefere os pedaços: a voz, um olhar, as curvas das pernas, dos quadris, o formato
dos lábios etc. O amor nos socorre para reparar a crueza do nosso desejo ao
permitir que possamos idealizar nosso amado e assim, através da ternura que ele
nos desperta ou da beleza que nele enxergamos podermos preservá-los e a nós mesmos da violência de
nossa cobiça sexual. O amor seria o liquido
capaz de dar um contorno de consenso para o sexo.
A
força do mito do amor sustentada pela
promessa de felicidade plena que ele acena se mantém graças ao fato de não nos
cansarmos de reiterá-la em quase todas as "histórias de amor" que
construímos, em que tentamos afastar ou
resolver seus conflitos poupando sua imagem de modelo de busca de felicidade.
Se o amor nunca é calmo, manso e sereno, justamente porque se realiza entre
dois, espaço de encontro e desencontro de esperanças e desejos, é este contrato de risco que lhe empresta graça
e desgraça e tanto pode auferir sentido e júbilo às nossas vidas quanto
dilacerá-la.
É
a dupla amor e sexo que compõe o repertório dos jogos amorosos com suas pitadas
de sedução, encantamento e poesia, repertório este atravessado pelas regras
culturais de cada época que delimitam o permitido e o proibido, mas que
ficam sempre sujeitos às novas invenções
nas maneiras de se acobertar a crueza dos corpos desejantes. Alimentos ansiados
das paixões amorosas, amor e sexo
podem manter uma boa convivência, mas nada garante sua eterna junção o que
demanda um repetido gerenciamento
(moral, amoroso) dos parceiros diante da exigência de exclusividade sexual e
amorosa.
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