terça-feira, 30 de junho de 2009

Capitulando

Apesar de não sermos um país que dispense um lugar tão diferenciado para a sua própria literatura, o romance Dom Casmurro e seus personagens Capitu e Bentinho são velhos conhecidos da maioria. Na cola da comemoração do centenário de morte de Machado de Assis reverenciado e com razão, como um dos maiores escritores brasileiros, a Rede Globo colocou no ar desde ontem, uma minissérie em cinco capítulos sobre esta trama que, por supor um adultério feminino e expor a hipocrisia da sociedade imperial da época, foi e continua a ser motivo de debates e controversas além de palco de alguns júris que se propuseram a tentar condenar e/ou defender Capitu. Não custa lembrar que o romance é narrado por Bentinho como a fazer uma retrospectiva de sua vida e da suposição que o perseguiu ( e ainda o persegue quando escreve) de que sua Capitu, então amada esposa , teria se envolvido com seu melhor amigo Escobar e que seu único filho Ezequiel pudesse ser fruto deste relacionamento. Fosse como dúvida ou como realidade, a grande genialidade de Machado de Assis não foi repetir a velha fórmula do triangulo amoroso, sempre um bom ingrediente para nossas histórias amorosas, mas sim revelar através da ambigüidade de seu personagem narrador, a “verdadeira” natureza humana. É justamente por Bentinho ter optado por acreditar em suas suposições e ter deixado Capitu e seu filho na Suíça, que ele precisa fazer este exercício atormentado de escrever e rememorar seu passado, na tentativa de justificar e sacramentar sua decisão, demonstrar a culpa de Capitu e se livrar de sua própria culpa em relação aos seus sentimentos de ciúmes, inveja, rivalidade e por que não crueldade. É esta sensibilidade apontada em Machado de Assis por quase todos os seus estudiosos e leitores apaixonados, que lhe confere a capacidade de analisar as nuances nem sempre perceptíveis da alma humana. A leitura de um texto desta grandeza não só promove diferentes maneiras de apreensão por parte de cada um dos leitores, como a cada época, graças ao bonde da história que jamais pára, pode permitir novas reflexões sobre os mesmos dramas humanos.É assim que o adultério feminino foi durante quase sete décadas o grande tema a se destacar deste texto e, podemos dizer hoje ,a empobrecer sua riqueza, já que não se trata de chegar a este tipo de “verdade”moral.Para além da possibilidade de traição de Capitu, há um homem que se dispõe a abrir sua alma e relatar seu drama, sua paixão,suas dúvidas, seus ciúmes,seu ódio e suas escolhas.Os romances, assim como os filmes e as canções são produtos desta pequena parcela humana de autores,a quem nunca podemos deixar de agradecer e reverenciar por nos oferecer constantemente possibilidades de estudar, perscrutar e entender um pouco mais de nós mesmos.


Coluna do dia 09 de dezembro de 2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário