terça-feira, 30 de junho de 2009

Novas cores do amor

É agradável ler um texto cujas idéias andam passeando por nossa cabeça. É como se alguém tivesse sido generoso e pudesse nos ajudar a organizar nossa estante de palavras, ajeitando-as de forma mais harmoniosa, tirando os excessos, acrescentando adjetivos mais apropriados, etc. Foi assim que me senti ao ler o texto de Jonathan Franzen no caderno Mais! da Folha do último domingo, “ Amor sem pudor”. Embora polêmico e controverso, o amor ocupa um lugar meio sagrado no imaginário social. Com um passado glorioso, desde sempre foi alçado a condição de sublime, fosse identificado a um Bem acima de qualquer suspeita, a um sentimento que deveria ser devotado exclusivamente aos deuses, ou a algo especialíssimo entre dois seres quando agraciados e capturados por ele, certos de estarem na rota da felicidade. Mas assim como a sexualidade humana, o amor também viajou no trem da história e adquiriu tonalidades que não possuía. Em nome dele muitos crimes foram e ainda são cometidos e muitas coerções são admitidas , assim como algumas dores dilacerantes são perpetuadas. Por outro lado, este mesmo amor, foi e continua a ser bandeira de muitas lutas contra discriminações sociais, étnicas, sexuais e religiosas. Sentimento privilegiado da zona privada das vidas das pessoas, no mundo atual ninguém questiona os rituais amorosos, sejam os que se realizam em torno do amor de pais por seus filhos, destes por seus pais ou de pares que desejem exibir suas paixões. Mas por ter se tornado inquestionável como condição nas relações mais íntimas, sua antiga moradia privada tem escancarado suas cortinas. Franzen é um escritor americano de 47 anos considerado há quase uma década uma destas boas revelações da literatura mundial. A palavra “mundial” deve ser destacada já que um escritor desta geração, pelo menos cá em nosso Ocidente, deve oferecer uma leitura cujas referências culturais ou questionamentos sobre a vida humana farão parte de nosso repertório. É assim que ele descreve neste texto um pouco de sua inquietação ao se deparar, em qualquer recinto público, com pessoas penduradas em seus celulares, que de forma automática e sem se sentirem constrangidas por não trocarem palavras com os que os estão auxiliando nos serviços, passam a falar em voz alta sobre suas vidas íntimas ou profissionais, rindo ou se exaltando seja em alguma fila, na compra de ingressos ou objetos,em mesas de bares ou restaurantes, etc. E se pergunta como foi que em tão pouco tempo todos se autorizaram a divulgar em alto e bom tom, pedaços enormes de suas vidas privadas em recintos públicos repletos de estranhos? Será que seria ele o “vovô” da história, ao se sentir desconfortável em ouvir declarações de amor de enamorados ou de pais para seus filhos no caixa dos supermercados? É interessante como Franzen estaria revelando a partir de seu constrangimento, um temor do qual compartilho, o de que o “amor” se banalize e que nossas vidas, já sem muitos guias de destinos, fiquem sem este que ainda nos presenteia com um sentido. Mesmo que adquira outras cores.
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Coluna do dia 18 de novembro de 2008

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