sábado, 20 de junho de 2009

Porque sentir ciúmes?

Não é incomum que a mídia de tempos em tempos apresente um quadro (como o exibido em agosto de 2007 no Fantástico), em que o tema gire sobre os ciúmes entre irmãos. Neste, em especial, a repórter buscava resumir em poucos minutos uma espécie de regras para os pais que enfrentam os desconcertantes sintomas de filhos ciumentos, desde o suposto sofrimento de irmãos mais velhos que diante da perda de seu antigo lugar na cena familiar passam a apresentar comportamentos excessivamente agressivos, até aqueles que se deprimem ou se tornam apáticos diante da sofrida experiência de se tornar irmã ou irmão de novos serzinhos. Embora o foco deste quadro fossem situações em que os ciúmes se tornara patológico, o desconforto e a impotência destes pais deve ter ecoado em muitos espectadores. Afinal o que fazer diante dos ciúmes de nossos filhos? Há como evitar?
Em geral, os cuidados, o amor e as reverências que dedicamos aos nossos rebentos lembram aqueles dispensados aos reis e majestades. Embora sejam ingredientes extremamente importantes para que estes possam ser conduzidos a um lugar na família e no mundo, também faz parte deste percurso o confronto com a sua humanidade: ter que aceitar não ser rei, não ser único e nem desfrutar da exclusividade amorosa que imaginavam. Tarefa das mais difíceis, é neste pêndulo entre a ameaça de perder e o desejo de obter novamente este lugar privilegiado e exclusivo,que a criança precisará abrir mão desta importante ilusão de ser amada incondicionalmente e dar lugar às infinitas condições a que cada um de nós temos que nos submeter e que tentamos evitar. Este intrincado jogo amoroso, ao mesmo tempo comum e singular constitui a base de nossa subjetividade e faz parte destas cenas vividas, o tumulto provocado pelo nascimento de irmãos. Assistir aos cuidados que os pais dedicam ao novo ser, remete a criança a um lugar mítico de uma suposta completude perdida e diante deste sentimento de exclusão, resta -lhe oscilar entre desejar retornar a este lugar imaginário ou se comprazer em ser maior e melhor. Convivendo com sentimentos tão contraditórios, ora o novo irmão é objeto de amor, ora de ódio. Entretanto a encenação cotidiana da disputa por espaços ou da troca de carinhos no seio familiar é importante para a constituição de um repertório de convivência que passa necessariamente pelo desejo de destruir e agredir, mas que deve possibilitar o exercício das negociações. Para nós, pais, não é fácil gerenciar tais manifestações. Conseguir encarar como algo humano que pode ser enfrentado com certo humor e com limites certeiros depende do quanto pudemos também lutar por algum espaço e enfrentarmos os dissabores de nossas cenas de guerra e paz, e termos conseguido sair com alguma experiência positiva. É quando o ciúme pode ser expresso e traduzido em palavras, aceito como parte das vivências infantis na família que ele assume este importante papel de preparar nossos pimpolhos (e também a nós) para enfrentar e negociar os conflitos de toda relação humana. Assim o novo irmão, de início um mero obstáculo, ganha o status de acréscimo na experiência subjetiva de cada criança, ajudando-a a conjugar verbos importantes como dar, receber, pedir, negar,adiar, enfim, conviver com os outros.


coluna do dia 26/02/2008

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