quarta-feira, 24 de junho de 2009

O lugar do pai

Ocorre uma questão interessante na tradução dos títulos dos filmes estrangeiros que chegam ao Brasil. Ao invés de traduzidos eles são recriados. O filme “Ensinando a viver” que acaba de entrar em cartaz foi baseado em um livro de sucesso do escritor David Gordon cujo título que também deu nome ao filme, seria em português “O menino marciano”. No entanto o título brasileiro faz sentido, já que ensinar a viver seria uma boa definição desta função tão importante e ao mesmo tempo tão assustadora que é o exercício parental. Se o título original privilegia os sintomas de uma infância difícil, o novo propõe que se pense a questão pelo lado da relação nada fácil entre um pai qualquer e uma criança a quem ele escolhe para ser seu filho. Em um recente evento ocorrido no Rio de Janeiro, especialistas de diferentes áreas se juntaram para debater os cuidados e o futuro dos bebês e de sua família.Como não poderia faltar, a construção da parentalidade e as discussões em torno dos novos desafios que o pai vive diante de arranjos familiares inusitados, foi um dos temas abordados. Ainda que a maternidade continue a ser um dos alvos mais focados, seu papel e sua importância para a vida dos bebês já são parte integrante do imaginário cultural. Já uma nova função de pai tem sido construída às duras penas nas últimas décadas. Se as mulheres ampliaram em grande escala suas opções de vida profissional e pessoal, os homens enfrentam pela primeira vez a necessidade de compor novos repertórios tanto para suas parcerias conjugais quanto para sua função de pai. O cinema como um representante quase oficial na reprodução de questões e temas que afligem a todos na entrada do novo século, tem apresentado de forma variada um panorama sobre a paternidade. Neste filme, o personagem de John Cusack , ainda em luto pela perda de sua amada, está procurando um filho para adotar, ou seja, ele quer e deseja ser pai. Em sua busca se depara (e se identifica) com um “menino marciano” que lhe traz lembranças importantes de sua própria infância. A história é banal, mas chama a atenção por mostrar o homem comum contemporâneo às voltas com sua tentativa de compreender e elaborar os percalços enfrentados na construção de sua identidade, que pergunta e quer saber sobre si e que diante da possibilidade de verbalizar seus conflitos coloca seus conteúdos mentais mais próximos da realidade. É esta abertura que lhe permite olhar a criança que foi ou a que pretende adotar não como um pequeno ser humano que nasce destinado a ser feliz e sim aquele que, na tentativa de enfrentar seus penosos dramas, acaba tendo de lançar mão de algumas defesas para driblá-los. Fugir de uma realidade conflituosa, por exemplo, é uma maneira de se proteger dos sentimentos insuportáveis que ela produz, ainda que o preço seja um empobrecimento do viver. Sabemos o quanto eventos traumáticos podem se tornar uma carga excessiva de sofrimento, humilhação, culpa ou vergonha.O filme mostra os esforços deste pai em ajudar este pequeno marciano a querer e poder se tornar um pequeno ser humano.E, embora as sinopses do filme apresentadas pela mídia insistam no poder de redenção do amor, o que faz a diferença nesta empreitada paterna é o comprometimento de um homem que veste a função de pai sem perder de vista sua responsabilidade de adulto, de alguém que poderá estabelecer a distancia entre ficções, fatos e verdades, entre direitos e deveres, entre normas, leis e prazeres.


coluna de 27 de maio de 2008

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