quinta-feira, 25 de junho de 2009

O que é normal?

Não deixa de ser curioso pensarmos sobre o aspecto simbólico contido na cultura de cada época que, sem que possamos nos dar conta, regula nossas relações com as pessoas, organizando o permitido e o proibido, o “normal” e o desviante, as crenças e mitos. Em geral esta rede de significações que permeia nossas vidas nos parecem verdades absolutas e talvez por fazerem parte de um mundo que nos precedeu, gostaríamos que elas não exigissem questionamentos nem explicações. Temos muita dificuldade em considerar que certas referências de conhecimentos ou de uma ordem moral não são universais e sim históricas e articuladas ao contexto sócio-político e cultural de cada época. Esta nossa resistência se acentuou no mundo atual quando passamos a assistir um ritmo de mudanças jamais visto anteriormente, assim também como nunca tivemos tantas opções de conforto, de lazer, de viagens a qualquer parte do mundo, de acesso às informações em tempo real de toda a aldeia global, etc. Embora esta vertiginosa corrente imponha uma exclusão sem par a todos os que não conseguem por qualquer motivo entrar na caravana mundial do mercado, tais mudanças que não cessam de invadir o cotidiano de cada um e alteram de forma às vezes imperceptível os modos de viver, geram sentimentos de intensa insegurança quanto as referências que a cultura costuma oferecer para o convívio entre as pessoas. Há apenas algumas décadas atrás, as mudanças em alguns valores demoravam mais de uma geração e permitiam à geração anterior transmitir seus princípios e normas aos que a sucediam. Hoje temos que conviver com uma enxurrada de novas e inusitadas questões que alteram ou distorcem muitos dos valores que acreditávamos fazer parte de um consenso cultural. Afinal é bom ou ruim viver em um mundo que nos oferece tantas facilidades tecnológicas, acesso imediato a mil informações, inúmeras maneiras de cuidarmos de nossa saúde, mais tempo para inventarmos formas de lazer, liberdade para escolhermos pares, amigos, carreiras, estilos e vida sexual? Porque os discursos são em geral de repúdio ao novo e de temor às conseqüências destes novos rumos abertos por tantas opções? Ao que parece temos muita dificuldade em olhar para as mudanças com bons olhos, e pior ainda quando elas são velozes e atingem valores que pressupomos sedimentados em nossa cultura. A maioria de nós passa a argumentar sobre o caos que a humanidade viverá se tal comportamento humano passar a existir como norma. Outros olham para o passado e lamentam que a vida não possa ser como era antes. Sem nos darmos conta, esta nostalgia acaba não deixando que possamos analisar o passado sem certa idealização. Ele realmente nos parece bem melhor do que o presente e muito mais seguro do que o futuro. Sem dúvida estas duas maneiras de encarar as mudanças, lamentando a perda da segurança passada ou prescrevendo um futuro catastrófico, são na verdade tentativas de nos defender contra o medo que o novo e o desconhecido nos causam, principalmente quando este novo significa uma desconstrução às vezes radical de antigas crenças ou modos de existência. É assim que a maioria de nós encara as transformações por que passou a família, grupo social especial em que nascemos, somos cuidados, amados, preparados para nos integrar na cultura e construir nossos destinos como parte de uma coletividade maior. Perplexos, tememos perder para sempre este núcleo responsável pela transmissão e manutenção desta rede invisível de elementos, responsável pelo sentimento que nos faz pressupor que os outros sejam nossos pares nos valores, obrigações, censuras e desejos. Paralisados, nos esquecemos que se a cultura está sempre produzindo uma nova estética, uma outra etiqueta e uma ética diferente, ela, a cultura, é uma produção humana, portanto nossa. E, mesmo encima de dúvidas e incertezas, nunca cessamos de produzir equilíbrio e de buscar novas formas de ligação com o mundo.

Coluna do dia 19 de agosto de 2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário