sexta-feira, 26 de junho de 2009

Identidade brasileira

Devem ser poucos os leitores que não assistiram ao premiado filme Central do Brasil de Walter Sales, lançado em 1998. Os que o viram, talvez comunguem comigo ser impossível não identificar em diferentes momentos, aspectos singulares de nossa identidade brasileira. Sensível, este autor sabe como utilizar a linguagem cinematográfica tanto para refletir quanto para divulgar o repertório de nossas referências culturais, fazendo-nos entrar em contato com o que é da ordem do geral, que circula como questão ou dilema para toda a humanidade, mas principalmente com o que compõe a identidade de nossos lugares e de seu povo, seus estilos, crenças e soluções, suas maneiras ímpares de ser, fazer e pensar. Em uma das primeiras cenas de seu novo filme, Linha de Passe, em cartaz na capital, a personagem principal interpretada por Sandra Corveloni (prêmio de melhor atriz no festival de Cannes 2008) está em um estádio de futebol, exibindo um semblante tenso, em meio a torcida do Corinthians, que neste dia joga contra o São Paulo. Grudada aos companheiros de torcida,grávida e vestida com a camisa do Timão, ela canta, reza, pula de alegria e se contorce, enquanto se ouve ao fundo os ruídos contagiantes e tão familiares aos brasileiros, de um jogo de futebol entre times de grande torcida. Considerado o mais belo jogo do mundo, muitos afirmam que o futebol tem hoje a cara do Brasil ( ou o Brasil tem cara de futebol?). Poucos brasileiros discordariam ser o futebol, seus times, suas torcidas, seus jogadores com seu modo diferenciado de jogar e o número sem fim de técnicos formais e informais, um dos produtos culturais que mais diz sobre as mazelas e as delícias de ser brasileiro. São muitos os que sabem diferenciar um meia-armador de um centroavante, que conhecem as regras e manhas, ou que freqüentam as peladas que começam com uma bola e um quadrado de praça, praia, ou rua e, em não poucos casos, misturam classe social, etnia e faixa etária. Não é nada incomum questionar as crianças desde sua mais tenra idade sobre o time que elegeram e que habitará seus corações, tornando-as cúmplices de suas vitórias e de seus fracassos. Tal como um rito de passagem, a eleição do time, principalmente para os meninos ( cada vez mais para meninas também) além de ser uma “declaração de amor”ao pai ou a mãe, às vezes ao avô,ao tio ou irmão mais velho, funciona como parte de sua identidade, por vezes cumprindo uma tradição familiar, o que lhe dá um lugar de pertencimento e de sentido ao comungar, celebrar e sofrer com seus pares. No filme, a paixão desta mãe pelo Corinthians se estende ao desejo de seu filho mais velho, que assim como muitos meninos, sonham cruzar as fronteiras do acesso social através de uma carreira de jogador, apostando ser o futebol uma saída possível para jovens carentes da periferia de uma grande cidade. É claro que a paixão pelo futebol guarda, como tudo, suas ambivalências e muitas vezes as torcidas são compostas por jovens que ao menor sinal de ameaça, transformam tudo em pancadaria, já que os jogos coletivos são em sua origem violência transformada em civilização.Mas também é verdade que o que alimenta e dá legitimidade a paixão pelo futebol é justamente essa distância de nosso árduo cotidiano, tão marcado pelo real da vida nua e crua e suas falcatruas. Ao menos lá, naquele campo, as regras valem para todos, e quem é bom e sabe jogar terá grandes chances de vencer, mesmo que para isso tenha que aprender a perder e a dividir.

Coluna do dia 22 de setembro de 2008

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