quarta-feira, 24 de junho de 2009

Mães ou madrastas?

A Modernidade pode ser considerada um movimento de rupturas importantes na história da humanidade ao marcar uma era em que o homem passou a tomar mais consciência de si. Ela inaugurou um tempo de vida e efervescência para o homem que, com o aval da ciência e munido da razão, passou a apostar na sua capacidade de ser feliz. Mas embora houvesse um ensejo de construir uma sociedade de homens em pé de igualdade, sem os antigos privilégios das divisões de classe ou gênero, levariam muitas décadas para que as mulheres superassem a desigualdade moral e cultural a que foram expostas. Consideradas mais fracas e mais sensíveis que os homens,seu acesso à razão e à inteligência era visto com reservas, já que poderia torná-las viris e prejudicar sua função maior de procriação. Quanto a sua sexualidade, pairavam as marcas medievais de excessos e orgias assustadores, perseguidos pela Inquisição. Sem se conseguir resolver as dúvidas e dilemas em torno desta “natureza” feminina, sobrou acentuar o papel sublime da mãe , inventando o instinto maternal. Foi assim que a mulher-mãe ganhou a reverência da sociedade e o amor materno foi promovido a um espaço especial. Bastaria se casar, ter filhos, para receber o cetro e a coroa e desfrutar de seus poderes maternos. Freud foi um dos pensadores que ajudaram a esclarecer esta ingênua e romântica crença no poder materno, possibilitando às mulheres, fugirem deste único destino. Quem já foi mãe, sabe que a maternidade nunca foi e nem será este lugar idealizado, em que habitam anjos, fadas, laços e corações. A história de cada filho é única, e tanto pode escrever uma historia de amor, como pode revelar temores, loucura e angústia. O exercício da maternidade é árduo, temperado com momentos de alegria e sentimentos de impotência ou de agressividade. O mito da mãe perfeita é uma criação nossa e tentamos seguir crendo que a condição de mãe, por si só, já exime a mulher que a habita, de toda a sua humanidade. Mas a um modelo que encarna o Bem, há sempre a espreita o seu avesso, o Mal. Não podem existir princesas puras e doces sem que haja bruxas horríveis e desalmadas, que carreguem o que não suportamos em nós. Sabemos como a literatura infantil se alimenta desta divisão da figura da mãe, em que as madrastas más, perversas e ciumentas estão sempre às voltas com o desejo de expulsar os seus ou as suas enteadas para finalmente poderem ter a exclusividade de seu homem, ou exercer seu poder sobre ele. No final, é entre estes dois mitos, a mãe sublime e a madrasta má, que nós mulheres podemos compor uma maternidade possível.

coluna do dia 20 de maio de 2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário