quarta-feira, 24 de junho de 2009

Quem é autoridade?

É comum entre alguns pensadores da atualidade denunciar as conseqüências nem sempre positivas da queda da autoridade patriarcal nas sociedades ocidentais. Em geral esta constatação vem seguida de uma análise social sombria, em que tal acefalia estaria na base da atual desordem e violência ou da ausência dos valores que realmente importavam. Na verdade este adjetivo patriarcal que acompanha a autoridade diz respeito a um lugar especial e prévio da cultura que era ocupado pela figura do “pai” e que concedia um poder ao homem ( sexo masculino) tanto no espaço público como no espaço privado da família, reinando sobre a mulher e o destino dos filhos. Quando o espírito moderno apostou que a razão humana igual para todos pudesse assumir a tarefa de organizar nossas condutas e os consensos necessários ao convívio, as mulheres passaram a ser encaradas como parte do gênero humano, também dotadas de razão e merecedoras de direitos civis e políticos. Pudemos então constatar que os privilégios que até então existiam para os homens ancoravam-se em fatores históricos e culturais que teriam levado a sociedade a manter as mulheres submissas aos homens, sem acesso à educação e à vida pública.A partir daí fomos nos livrando das hierarquias pré-estabelecidas e exaltando o indivíduo. Para além de nossas cores, crenças, culturas e tradições diferentes, todos deveríamos nos reconhecer como membros de uma humanidade comum. Embora a introdução acima seja fato, ela admite questionamentos. A despeito de vivermos em pleno século XXI, talvez não tenhamos atingido a distância necessária para que certas mudanças possam ser devidamente avaliadas ou processadas. Percebemos que os valores associados à tríade família-religião-trabalho fartamente difundidos a partir da era burguesa, ainda passeiam na cultura atual e provocam sentimentos ambivalentes entre o que seria uma tradição de uma hierarquia conhecida e por isso confortável, e a incerteza e o temor que o futuro traz diante de indivíduos que precisam construir cada um ao seu bel prazer, suas próprias vidas. É este o vácuo deixado por uma autoridade antes unanimemente consentida. Mas também é este espaço vazio que poderia ou deveria ser ocupado por cada um de nós que desejássemos buscar melhores maneiras de vivermos não só individual, mas coletivamente. Por ter descido ao chão e estar acessível a todos, o lugar de autoridade pôde ser ocupado por diferentes setores da sociedade que para tanto precisavam apenas desfrutar de uma boa parte da opinião pública. A qualquer momento e para qualquer um de nós passou a ser possível tornar-se uma “autoridade” em alguma coisa que fizesse sentido e que fosse importante para a uma parte (nossa comunidade) ou para muitos (sociedade e cultura em geral). Associada ao poder, a autoridade é sempre disputada: políticos, acadêmicos, empresários, intelectuais e religiosos tentam ocupar este lugar que lhe conferem um destaque especial e um respeito geral. A dupla autoridade-poder acena na maioria das vezes com mordomias e benesses que capturam a muitos, embaralhando as ações dirigidas aos interesses particulares e aquelas que seriam para o bem comum. Neste jogo de poder e fascínio, são poucos os que legitimam sua autoridade na defesa de idéias e ações dirigidas à promoção de uma vida humana mais digna e melhor. Destes poucos, as mulheres ainda são minoria, graças ao pequeno tempo de seu percurso no exercício de uma vida pública. Muitas destas mulheres passam despercebidas, sem fazer alardes, e sem disputar a tapas os holofotes que o poder oferece. Somente quando elas desaparecem de nosso convívio, é que somos invadidos pelo sentimento de desamparo e vazio e podemos nos dar conta de sua importância. Segunda-feira, dia 23 de junho passado, a morte de Ruth Cardoso provocou não só aos que desfrutavam de seu convívio, mas aos que se inspiravam e se orgulhavam de seu modelo de mulher pública e de ser humano, um sentimento de imensurável perda. É nestes momentos que percebemos quão poucas são as pessoas a quem de fato conferimos autoridade por sabermos que tal posto foi conquistado não por promessas sedutoras ou pensamentos aliciadores e sim por um engajamento na reflexão e na ação que visa a construção de existências pessoais e coletivas mais desejáveis no futuro. Uma vida legítima, vivida dentro de princípios humanos que apostam na possibilidade de um mundo melhor, mas principalmente que milita nesta dura tarefa de cada um, de seguir inventando nossa história humana. Uma perda que merece um luto.

coluna do dia 01 de julho de 2008

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