sábado, 20 de junho de 2009

O que já foi e o que será

Em geral gostamos de utilizar certos fatos para marcar a transição de uma época para outra. É como se isto funcionasse como justificativa para aceitarmos o novo e principalmente nos ajudasse na difícil tarefa de nos desprender do antigo ou dos velhos e bons tempos. O advento da pílula anticoncepcional tem este lugar de marco: antes e depois.
É fato que a mulher protagonizou mudanças inimagináveis neste século e nem sempre é fácil dimensionarmos a extensão de tais transformações no cenário sócio político ocidental. Mas as aspirações femininas pela igualdade de direitos e espaços públicos ou pela livre escolha de suas relações amorosas, embora legítimas, não têm o mesmo peso que a possibilidade de controle da procriação. Foi esta liberdade que lhe abriu as portas de um mundo infinito de opções e revolucionou definitivamente os registros da sexualidade, do casamento e da família em nosso mundo ocidental. Conquistar o direito de escolher se, quando, com quem e por que engravidar separou a mulher da mãe e a procriação do prazer sexual.
No entanto, não tem sido fácil a absorção de tantas redefinições em papéis e lugares canônicos como o de pai, mãe, filhos, família e não faltam olhares nostálgicos a um passado quase sempre idealizado, em que o conhecido nos parecia certo e seguro. Sem dúvida, as conquistas das gerações modernas seguindo o rastro das liberdades e das igualdades individuais buscaram o fim dos constrangimentos sociais que envolviam principalmente a mulher, mas também os homossexuais, as minorias étnicas e as diferenças sociais.
Com isso, a autoridade do pai, antes hierarquizada e poderosa, é hoje compartilhada, os homossexuais adquiriram direitos e identidade e a família perdeu seu poder exorbitante de decidir sobre a vida e a morte da mulher e dos filhos, o que permitiu que ela pudesse ser mais aberta, adquirisse novas formas, mono ou homo parentais, recompostas, sem que o núcleo necessário para o nascimento e desenvolvimento dos filhos se extinguisse. É natural que novos desafios culturais sejam vistos como insultos ao tradicional e em primeira instância tendemos a etiquetá-los de ameaçadores e catastróficos. A mudança nos valores e costumes que regulamentam a convivência entre os indivíduos é sempre um processo lento em que o velho convive com o novo até que este último possa se caracterizar em uma tradição. Mas também é verdade que em nosso século as transformações assumiram uma velocidade jamais vista desembocando em um remanejamento profundo e perturbador na esfera dos valores.
É natural que fiquemos confusos. Entretanto não devemos perder de vista o sentido de muitas conquistas que permitiram que em nossa cultura, a história passasse a ser vista como efeito de nossas ações, o futuro como projeções de nossos projetos presentes e o hoje, o momento da gestação do amanhã. Graças a elas, nosso futuro acena para um leque cada vez maior de possibilidades e, apesar de ser uma aventura incerta, permite todos os tipos de conexão e laços com pessoas as mais diversas além de acesso a infinitas informações e tecnologias. Claro que isto significa um constante ir e vir entre liberdade e controle, poder e submissão, potência e impotência,já que a promessa de tantas possibilidades em todos os campos da vida traz o preço do desamparo de sermos nós, e apenas nós os responsáveis pelos encargos da vida. Se este é um mundo nosso, cabe a nós cuidarmos de nossos laços e rede, de nosso planeta e do seu futuro: eis aqui a nova ética humana.

coluna de 19/02/2008

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