domingo, 21 de junho de 2009

Um corpo que não quer mais cair

Por ocasião das comemorações em torno do dia da mulher, um leitor havia sugerido que esta coluna pudesse refletir sobre o destino dos corpos femininos diante das facilidades atuais acenadas pelas cirurgias plásticas. Quem sabe por ser um cirurgião plástico, os dilemas e questões que giram em torno da imagem idealizada do corpo na atualidade, principalmente o corpo feminino, fariam parte de suas preocupações.
Desde que a beleza se “democratizou” provocando uma tensa busca por um ideal permanentemente disseminado pela mídia, ainda que a genética acene com sua responsabilidade pelos traços físicos, não consegue mais desculpar os desvios: sempre há oportunidade de se fazer uma cirurgia plástica e utilizar-se das novíssimas técnicas de cuidados e manutenção, dietas e exercícios para aprimorarmos nossa imagem. Se a nossa cultura acena a possibilidade de todos sermos belos, isto aumenta a nossa responsabilidade sobre as nossas insuficiências (ou nossa falta de autocontrole) e vemos nascer um novo constrangimento para os que, por motivos diversos não conseguem “escolher” ou conquistar tal beleza. Mas a beleza é apenas um item de uma cultura maior em torno do corpo humano. Vivemos em plena “cultura do corpo” e é comum que todos nos preocupemos não só com a beleza, a magreza e a juventude, mas com o bem estar físico e a saúde. O corpo passou a fazer parte integrante do nosso pacote de felicidade. Hoje temos uma bio-identidade , ou seja, referimo-nos a nós mesmos e aos outros utilizando verbos e adjetivos que gravitam em torno de nossa imagem corporal ou de nossa saúde e apostamos nas respostas que a ciência nos reserva para as dúvidas e incertezas de nossa vida futura. Seguimos à risca seus mandatos freqüentando academias, clínicas estéticas, usando produtos emagrecedores e de beleza, preocupando-nos com a saúde preventiva. Passamos a desprezar pães, batatas e óleos e a exaltar carnes, grelhados, laticínios, legumes e frutas frescas, em sintonia com a idéia de que o corpo perfeito exige um tipo de alimentação ideal (que muitas vezes exclui delícias, exigindo uma grande dose de renúncias e sofrimentos).
Embora uma grande parte dos debates em torno deste fenômeno contemporâneo seja no sentido de condená-lo, esta nova relação que temos com nosso corpo é um fato sem volta.O “cuidar de si” deslocou-se da alma para o corpo: todo o nosso horror à idéia de morte, nosso medo da velhice e da impotência passam a ser combatidos ou amenizados pelos novos produtos ou técnicas que a ciência promete.E precisamos que as pessoas importantes para nós, nos devolvam um olhar de reconhecimento, confirmando que nossos esforços para deixar nossa imagem aceitável nos possibilite desfrutar do convívio social. Por isso a liberdade que lutamos insistentemente para conquistar e que nos parece tão próxima é, ao mesmo tempo paradoxal. Nossos corpos desviantes, aqueles que não se harmonizam com o ideal de beleza ou dos cuidados prescritos são os que viverão a exclusão social e terão que se haver com os desajustes em relação ao esperado. Claro que a diversidade da experiência humana nos impede de reduzir a um único padrão como cada um poderá vivenciar sua relação com este ideal social, seja em relação a seu corpo, a si, aos outros. Ainda bem. A maneira como enfrentaremos nossa relação com as normas e desvios que a cultura impõe depende enormemente de como pudemos construir nossa auto-estima, esta singular e complexa imagem que temos de nós mesmos (inclusive de nosso corpo), e é ela também que poderá nos dar uma medida da nossa liberdade e de nossa felicidade.

coluna do dia 25/03/2008

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