terça-feira, 23 de junho de 2009

Chega de saudade!

Se este refrão costumava transportar a maioria de nós à música que é considerada o marco zero do movimento da bossa nova no Brasil, a partir desta data, será lembrado também como o título de um belo filme que conquistou o prêmio de melhor direção no último festival de cinema de Brasília ( 2007). Na música de Tom e Vinícius um homem canta a melancolia das lembranças de um amor perdido, mas deseja interromper esta saudade e ter sua musa de volta para enchê-la de carinhos, abraços e beijinhos sem ter fim. Ao utilizar o título desta música para seu filme, pode ser que a diretora Laís Bodanzky quisesse acentuar o fato de que o universo dos bailes reúne pessoas que querem viver, amar e dançar ao invés de se recolherem aos sentimentos de saudades do que passou ou das dores do que deixou de passar.
Sem dúvida o filme abre a possibilidade de mostrar o que por muito tempo ficou oculto no social, a de que o envelhecer ou o avançar da idade não compromete o desejo: de ser feliz, de amar e de ser amada(o), de se divertir, de dançar,de estar junto aos outros. É fato também que o mundo contemporâneo tornou-se mais velho com o controle populacional e com os cuidados que a tecnociência desenvolveu, obrigando-nos a perceber que enquanto a vida continua os afetos e a sensualidade permanecem. Haveria lugar melhor do que um baile aberto a qualquer idade para mostrar esta pulsação da vida dos que estão mais velhos, ao permitir- lhes a possibilidade do encontro e do dançar de corpo colado?Um dos encantos do filme é justamente mostrar um pedacinho desta realidade que acontece em diferentes pontos das cidades. Ao som de boleros, tangos e sambas, só a cidade de São Paulo abriga cerca de 40 bailes por semana entre segunda e domingo.O clube União Fraterna, palco eleito para o filme, recebe 400 pessoas às segundas para seu baile “Espanta preguiça”. Rodado ao longo de uma noite de baile, o filme encanta ao mostrar histórias de homens e mulheres que habitam este espaço único, um lugar que define a priori sua vocação para a leveza do espírito, ao proclamar a musica e a dança como suas principais atrações. São casais que parecem formar uma unidade com seus corpos, tal a longevidade com que dançam juntos, ou solitários que buscam um lugar para encontrar pares e se divertir. São olhares, palavras, sorrisos e piscadelas, mas também semblantes crispados, que escondem temores e angústias atrás de vestimentas cuidadosamente escolhidas para viver este momento ansiado. Histórias feitas de expectativas e frustrações, de medos, ciúmes e muito carinho, que ora denunciam sedutores, ora seduzidos. Histórias de sucessos e de fracassos amorosos. Histórias incrivelmente humanas.
Mais uma vez o cinema contemporâneo dá provas de ser um de nossos valiosos produtos culturais de entretenimento ao se aproximar cada vez mais de nossa realidade, afirmando nossa humanidade e desenhando através de seus roteiros, cenas que contém os dramas, alegrias e paixões que vivemos. Embora ainda pouco explorada, a velhice, ou melhor, a vida que pulsa nas pessoas de 60, 70, 80, 90, e todos os seus desafios, começa a ganhar espaço neste setor. Temas como a ambivalência de sentimentos diante das aposentadorias, os males que impõem limites físicos, ou ainda as mortes de companheiros de muitos anos, tem sido encenados possibilitando um recenseamento das inúmeras maneiras de se inventar novas formas de viver aos que estão se tornando mais velhos. Afinal é neste espaço entre nossa origem e nosso fim que podemos e devemos viver.


coluna do dia 15 de abril de 2008

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